quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Evangelho e Pobreza

   Qualquer ser humano deve ter um cuidado especial para com os pobres - e principalmente no que toca à única coisa necessária. É interessante que Jesus, mais do que nutri-los, cuidou da educação moral e espiritual deles, preparando-os para a dignidade de Filhos.
   A pobreza não é virtude, mas uma realidade contingente - ou seja, não é uma categoria fixa da existência do homem, pois antes de o pobre ser pobre, ele é homem, um igual a todos. Quão mal não faz a ideologia quando coisifica o pobre, asfixiando-o e imobilizando-o dentro de categorias ou classes. Nesse sentido a ideologia - de tipo marxista -, operando por meio de uma coisificação brutal, priva-os daquilo que caracteriza seres humanos racionais: a liberdade, o compromisso, situando-os no aspecto da classe acima da sua própria humanidade e determinando a mesma, como ele disse: o proletariado possui as suas próprias categorias de pensamento.
   A primeira área em que Jesus atuou foi a do espírito - conteúdo universal a todo homem -, pois a fé todos podem possuir em qualquer lugar, independentemente das classes. Podemos ter fé em um escritório, no campo, na cidade, em uma sala de aula, na prisão, no leito de um hospital, na favela, no centro da cidade e mesmo no alto de uma Cruz.
   Revoluções sociais e políticas não são necessárias para a libertação última do homem, no máximo consistem em um tipo de lida de um problema humano, e que não raro geram outros problemas infinitamente maiores. O Evangelho, contudo, não tem necessidade de nada disso para ser aquilo que é: o apelo máximo e mais contundente ao espírito humano - e, no fim, como disse Jesus a Marta, a única coisa que, em última instância, importa.

sábado, 17 de setembro de 2016

Valores até à Morte



   Uma ética verdadeira é aquela que, como diz a carta aos Hebreus, resiste até ao sangue. Se uma ética boa não pode, por amor, derramar ou sofrer o derramamento de sangue é porque não é ética, nem tão pouco amor.

   Isso é forte? Pense só mais um pouco: se formássemos uma consciência sobre aquilo que é moral apelando apenas para as nossas comodidades e caprichos é óbvio que a melhor escolha seria determinada pelo nosso conforto e, por tanto, estaríamos livres do sacrifício e da escolha radical, já que seria a nossa vontade que moldaria os nossos valores e jamais seriam os valores que moldariam a nossa vontade.

   Nesse sentido até onde levaríamos a máxima de apenas fazer o bem e jamais o mal, mesmo em circunstâncias onde fazer o bem custe a vida? Onde levaríamos aquela máxima moral, que é a seguinte: "haja de maneira que você possa querer que a sua atitude seja transformada em uma lei universal", como diria Kant, o velhinho corcunda de Königsberg? É óbvio: será que desejaríamos que nossas ações direcionadas aos outros fossem praticadas por outros com relação a nós? Mais: será que aquilo fazemos em nosso quarto, ou escondido dos olhos alheios, poderia ser praticado por qualquer outra pessoa em qualquer tempo e lugar do mundo, e nas mesmas situações, ou que tal atitude seria de pleno agrado de todos, algo a ser ensinado para os nossos filhos ou praticado pelas pessoas que mais amamos e admiramos, sem isso ferir o nosso amor ou admiração? Pense bem: será que o nosso mundo seria o que é se retirássemos dele o auto-sacrifício ou aquela disposição divina de levar até às últimas consequências o nosso amor ao bom e o verdadeiro - o motor de tudo aquilo que é belo em nosso mundo?

   Se o martelar de toda essa ideia de uma disposição de buscar incondicionalmente o bem até às raias da morte fosse subtraído de nós - ainda que a experiência da realidade nos mostre a raridade ou a nulidade desta disposição em seres humanos concretos - daríamos espaço para a formação de um mundo de interesseiros, de bestas malignas, irracionais e perversas que devorariam tudo, deixando atrás de si apenas um rastro de dor sem recompensa e de infinita destruição. E mesmo que alguém fale da impossibilidade de concretização da virtude no mundo humano, objetamos com o fato de que os valores não estão aí para prestar condolências aos homens, visto que eles nada mais fazem do que apontar o caminho para cima, pois, militando contra a razão dos valores e contra o amor incondicional a eles, o que sobraria do nosso mundo senão a justificação de uma ruína sem fim?