quarta-feira, 18 de junho de 2014
Contra o Socialismo
sábado, 7 de junho de 2014
Escritura, Nazismo, Virtude e Lucro
domingo, 1 de junho de 2014
A Gênese Real de Todo o Mal
Contemplação, Estética e Personalidade
Tal vez uma das razões para a decadência da moral humana em um determinado lugar seja a ausência de exemplos modelares que indiquem a existência de uma realidade mais elevada, assim como um padrão mais alto pelo qual pautar a conduta pessoal em determinados momentos da vida.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
A Inércia Condescendente e a Invasão Vertical dos Bárbaros
terça-feira, 6 de maio de 2014
A Metafísica da Compreensão; Ou: Entre Babel e Pentecostes
Não se pode considerar, sem um certo grau de abstração, a maravilha presente no simples fato de que um determinado eu fale e um outro compreenda. De que um determinado indivíduo peça e um outro responda à aquilo que foi pedido. De que um determinado alguém chore - seja por dor ou por alegria - e um outro seja por isso movido em suas entranhas por compaixão, ou mesmo por um profundo ódio. A possibilidade da informação e a captação pela inteligência de algum sentido transmitido na linguagem, se encontra inserida nas dimensões abissais daquilo que podemos chamar de metafísica, ainda que vivenciemos mais isso do que qualquer outra coisa em nossas vidas.
Quando escrevi o texto "A Gramática do Real" tinha em mente, também, questões como a da possibilidade da compreensão entre um ser humano e outro, assim como a da possibilidade da compreensão do mundo por parte do ser humano, o que sustento ser algo fundado sobre uma base transcendente que sustenta tudo aquilo que há no universo, e que forma o eixo no qual é possível, também, a nossa orientação no âmbito da realidade, sendo que a ausência deste eixo transcendente provocaria, nada mais e nada menos, do que a imersão da totalidade da existência no mar do caos - que é o destino último de toda espécie de teoria que afirme contundentemente a inexistência de uma verdade objetiva e real por si só.
Com essa introdução preliminar, é possível prosseguir o raciocínio a cima destacado com mais acuidade. Para que possamos compreender, irei destacar duas compreensões distintas acerca possibilidade de uma contato com o real, sendo que ambas são opostas frontalmente em si: 1º) a ideia da impossibilidade do conhecimento da realidade objetiva; 2º) a ideia da possibilidade do conhecimento objetivo de uma realidade objetiva.
Ao longo dos séculos, estas duas posições vem sendo discutidas. Anseio aqui - não com a profundidade necessária -, explicitar as duas correntes e, ao fim, mostrar a minha posição sobre o assunto, assim como aquela que deveria guiar o nosso pensamento.
Essa ideia claramente descende de um determinado "pessimismo antropológico", assim como - como diria Ludwing von Misses - de uma pluralidade de "lógos" existentes devido ao suposto fato de que as condições ou posições determinam o pensamento humano - como classe, local vivencial, cultura, distinta experiência de vida, raça, carga genética etc.
Com um olhar para o mundo da cultura, tal teoria teria aparentemente uma fundamentação no real, visto que uma certa pluralidade nos salta aos olhos e que, sem dúvida, fala de "diferentes valores" que seriam socialmente construídos ao londo dos milênios e que surgiram por força de uma experiência cultural específica - ou muitas, até.
Um teórico que se destaca nesta escola trata-se de Friedrich Nietzsche, que concluiu que a moral tem um fundo explicativo na psicologia da vontade, sendo assim nas condições oportunas do momento destituídas de impessoalidade e neutralidade; ou seja: todos os valores humanos são construções humanas que, em última instância, são imposições feitas por meio de uma ação humana na cultura e história. Sendo assim, não há moral e nem verdades por si mesmas, mas apenas aquilo que no fundo ele chamou de "vontade de poder" que, na realidade, é a característica última, assim como a última possibilidade explicativa de todas as ações humanas possíveis.
Aqui pode-se perceber que a verdade, no fundo, é pessoalidade, e sendo pessoalidade é uma construção de indivíduos, não possível, sequer, uma neutralidade, assim como um algo "em-si" e puro. Ainda que a vontade de poder possa ser considerada um princípio metafísico, as questões da imobilidade de uma realidade absoluta que fundamente a ação humana, assim como a estrutura da realidade que se impõe acima do ser humano e da multiplicidade de "verdades", são considerados por Nietzsche como máscaras que, no fundo, ocultam a pura vontade humana. Ideias como "valores absolutos" e "verdades absolutas" são vistas como suspeitas devido a esse voluntarismo universal. Devido a tudo isso, segundo Nietzsche, ideias como "metafísica" e a "coisa-em-si" são mentiras a serem destruídas, pois no fundo, tais conceitos camuflam as intencionalidades impostas como verdade última, algo inadmissível a um "espírito livre". A constatação de tal fato demanda a necessidade da "transvolação dos valores", pois as "verdades vigentes" são coisas de um época que amparam, apenas, determinados grupos - como o clero, igreja, poderes e a ciência. Tal tarefa de implodir os valores para a chegada de um "novo sol da verdade", de uma autêntica liberdade, é algo que, segundo Nietzsche, será realizada pelo "Super-Homem" - como anuncia Zaratustra.
No entanto, com todas estas informações, cabe a pergunta se Nietzsche desejava ser compreendido de maneira objetiva, ou se mesmo que ele não quisesse que sua mensagem fosse apreendida e obedecia servilmente segundo o seu expediente - afim de que cada qual fosse um espírito-livre -, se uma obediência à ordem de não obedecê-lo e de não compreendê-lo não seria a correspondência à uma informação objetiva, por isso "em-si" como um dado da realidade, prevalecendo, assim, a sua própria consciência sobre as demais consciências.
Um outro indivíduo cuja compreensão é fundamental para o assunto em questão, trata-se do filósofo prussiano Imannuel Kant, cuja epistemologia nega qualquer acesso a dados metafísicos através do conhecimento, assim como a intuição direta de objetos reais.
Kant pertence à escola do idealismo germânico, e isso porque, segundo ele, o conhecimento não é algo que dependa do objeto simplesmente, mas sim - e com muito mais intensidade - do sujeito que apreende, não o objeto em-si, mas o fenômeno que fornece os dados por meio dos sentidos que são sintetizados pelo pensamento.
Nesta compreensão de Kant se torna impossível o conhecimento daquilo que chamo de "real", ou seja, das coisas tais como elas, por si mesmas, se apresentam a nós na intuição (experiência direta) da realidade. Se levado até às últimas consequências, não podemos ter a certeza de nos orientarmos no espaço, e mesmo a possibilidade de se desviar de um buraco na rua, assim como subir com precisão o meio-fio evitando o tropeço. Também, a certeza da comunicação entre indivíduos é comprometida por a mesma ser sujeita às categorias que, no fundo, não podem nos colocar em contato com o sentido próprio das palavras. O problema aqui é este: qual a garantia que temos de que as categorias de Kant são semelhante às nossas categorias, assim como que as categorias de todos os seres humanos são semelhantes entre si? Não seriam as "categorias" apenas "dados" inapreensíveis pela experiência senão dados da abstração? Também: como Kant pode saber sobre a "impossibilidade" da apreensão total do real, pois não seria esse limite algo cujas possibilidades de ser como fronteira entre uma coisa e outra algo cuja realidade e possibilidade seria um dado, por tanto, absoluto? Qual é a possibilidade do próprio limite compreendido por Kant? O que é o limite compreendido por Kant? Seria o fenômeno do limite algo que fosse diferente daquilo que o limite é em-si? - é interessante atentar para a questão do limite em Kant, pois se trata de uma dos mais importantes elementos de sua epistemologia.
Também, a pergunta que caberia a Nietzsche poderia ser feita a Kant: não seria compreender Kant uma refutação do seu pensamento, assim como uma superação? Se compreender um fato como realidade em Nietzsche seria implodir o pensamento de Nietzsche, compreender Kant não seria implodir o pensamento de Kant? O que podemos apreender de Kant é a sua "obra-em-si", ou o "fenômeno-de-sua-obra"? Eis o resultado lógico que escoiceia o nosso pensamento quando pensamos tudo isso.
Se Kant e Nietzsche - que logicamente são opostos em algumas coisas entre si - fossem em suas conclusões considerados como quintessência da verdade - nos dados que foram por mim apresentados -, imagine como seria o meio em que vivemos? Certamente que um puro caos. Não haveria possibilidade de compreensão, e nem mesmo de discordância, pois tudo estaria sujeito a uma relatividade totalitária sem fim. Deslizaríamos uns sobre os pensamentos dos outros sem chegar à apreensão do cerne daquilo que o outro disse, pois cada verdade seria uma "verdade para si". Tal confusão demoníaca, é semelhante à aquilo que podemos ver na escritura bíblica sobre Babel, onde a capacidade de compreensão um do outro foi debilitada. Se essa fosse a verdade de fato então o processo de conhecimento não nos levaria para a realidade, mas para o seu inverso: para a desagregação nossa da realidade e, em seguida, para o nosso cerramento absoluto na esfera subjetiva, provocando um entenebrecimento demencial, introduzindo-nos esquizofrenicamente em um mundo paralelo que pode ser concebido epenas por aquele e lá vive e acredita através de um processo de sugestão psicótica. Tal é, para qualquer dotada de sanidade, o resultado ultimo dessas teorias sobre a verdade (Nietzsche) e o conhecimento (Kant).
A ideia de uma realidade objetiva não foi negada em Kant, ainda que residindo na esfera da razão prática, pois julgava ele que uma fundamentação da moral era necessária pra que fosse possível uma orientação das decisões no âmbito da realidade. Por isso, a religião, ainda que não pudesse ser pensada, poderia ser vivida.
Kant com essa empreita busca interpretar os conteúdos de fé à luz da razão prática afim de chegar no fundamento moral último da religião (conteúdo este eterno), entendendo que o fim do homem é um fim moral.
Até aqui podemos andar com Kant, no entanto, podemos perguntar se tal conteúdo moral não é, também, uma realidade objetiva, ou mesmo passível de conhecimento. Com isso, como posso reconhecer algo como moralmente bom se, antes, não o conheço? E se a moral não é objeto de conhecimento, como podemos apreender o seu fundo como bom através do reconhecimento de que isso, de fato, é bom? Não estaria aqui a doutrina da alma no estilo grego sendo necessária no jogo? Como posso pensar algo sem o conhecer e sem apreender a sua essência (definição) e sem que a essência da coisa possa ser apreendida? Não entraríamos, novamente, se este último não fosse possível, no mar do caos?
A coisa é de uma evidência clara, pois não se pode prescindir do conhecimento, ou melhor, da estrutura formal da possibilidade do conhecimento - que é, ela mesma, o objeto de estudo da metafísica - que, ainda que não existente no campo da experiência é, contudo, o único padrão possível para o julgamento das experiências. Coisas como o bem, o mal, o certo e o errado presentes no julgamento moral não podem prescindir de uma determinada forma que funde, independentemente de interesses, a validade real do juízo.
Não parto, aqui, da premissa que vê nas culturas existentes o fim último da análise cultural, assim como do pensamento que compreende que a cultura humana geral é a única aferição da medida da moral, assim como a fonte única para a compreensão acerca dela mesma, o que certamente desembocaria na questão da "moral relativa", e que fundamentaria a ideia de que a moral é uma questão apenas regional, o que apagaria a ideia do objetivo último, supremo e uno da vida humana.
A intelecção humana, como tal, se atém às formas de juízo, o que fundamenta uma gramática do pensamento humano, cujas produções variam de pessoa para pessoa, mas cujas formas são dependentes, em tudo, da dilapidação para a sua legitimação, o que é oferecido pelas possibilidades do pensamento (que são anteriores à esses), cuja existência é chamada de Verdade.
Nesse sentido podemo dizer que o pensamento humano, por si só, não pode ser considerado a verdade última - a não ser que o primeiro participe do último. Também, nenhuma existência histórica cultural pode ser considerada, em si, a verdade propriamente dita, e nem o suprassumo da realidade última, contudo, nenhuma cultura poderia existir e nem mesmo ser coesa em si se não houvesse uma verdade objetiva, que - como disse - essa verdade condenando-a, quer legitimando-a.
A possibilidade da própria compreensão se fundamenta na realidade objetiva, visto que a necessidade de uma base que possibilite a compreensão daquilo que falamos, sentimos, e do que escrevemos impera sobre todas as relações humanas.
E para ilustrar o que digo aqui, basta que lembremos do registro na Escritura sobre a vinda do Espírito Santo no dia de Pentecostes, onde uma comunicação se deu através de indivíduos que não conheciam outra língua que não a sua, mas que - assim dizendo -, em uma espécie de "linguagem universal", cumpriram os requisitos das formas de comunicação e da compreensão, de maneira que aquilo que eles "falaram" pôde ser ouvido e compreendido.
O milagre, neste sentido, não passa pelo processo de "racionalização", pois ainda assim não se pode justificar o fundo de tal milagre, pois não se consegue justificar a compreensão - neste caso - a não ser através da constatação da própria compreensão que, como um axioma matemático, deve estar na "conta" para se resolver a questão.
Muitas outras linguagens universais poderiam entrar na digressão que aqui se faz, mas o que é importante compreender é que apenas um ponto absoluto conseguiria possibilitar a compreensão, a comunicação assim como o julgamento que se faz de todos os dados que nos chegam por meio das experiências.
A mera "constatação" da inexistência de uma verdade objetiva é contraditória na própria expressão - como espero ter provado -, justamente porque a constatação da inexistência é, por sua vez, um dado que tenta se passar por absoluto e, por tanto, verdadeiro.
O mesmo ocorre com a ideia da irreconhecibilidade de uma realidade metafísica, pois a própria transformação do dado da irreconhecibilidade em uma constatação universal é, por sua vez, transformado em um dado real que faz de uma ideia verdadeira e, por tanto, justa e assim real ou possível. Por isso a Metafísica do Conhecimento de Imannuel Kant entra em jogo, não pela experiência, onde Kant julga ser o único campo possível do conhecimento, mas pela abstração pura, onde ele julga captar os parâmetros para o juízo acerca de um determinado fato que ele advoga como definitivo (e por isso com uma validade metafísica). Se Kant se refere ceticamente à experiência sensitiva do mundo, é necessário entender que o ser humano deve, por meio dos dados que lhe chega pela experiência, se orientar nele. Se apreender o que vejo como algo que "não vejo", então segue-se que a pura apreensão da obra de Kant é propriamente impossível, pois a sua linguagem ou comunicação é, também, impossível, tanto como os conceitos que ele busca validar em sua obra - como a-priori, a-posteriori, moral, imperativo categórico etc - os quais chegam a mim por intermédio da obra de de Kant.
A impossibilidade da inapreensibilidade de uma realidade objetiva é o ponto onde toda a possibilidade de compreensão humana e de comunicação se mantém de pé ou cai. Certamente que, ainda aqui, noções de bem ou de mal não podem sofrer essa análise ou essa justificação, justamente porque a única justificação da verdade é a própria verdade assim como a consciência sem testemunhos que temos da própria verdade.
A validação ou a reprovação de uma determinada moral também passa por esse crivo, pois somente a consciência individual pode conhecer a moral tal como ela é, assim como apreender os princípios que subjazem a uma determinada consciência e que fundam a ação humana individual e o seu desdobramento no mundo, trazendo consigo, a cima de tudo, a carga intransferível de responsabilidade pessoal que se presta perante o Absoluto, quer o indivíduo queira ou não. Neste sentido, todos necessitam de uma Verdade que não deixe a vida humana precipitar-se na destruição e num vazio de sentido.
sábado, 26 de abril de 2014
Sobre a Dita "Inexistência da Verdade"
"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas" (Nietszche).
Um filósofo antigo faria uma observação à essa frase: non sequitur, ou seja: não se segue. A expressão "non sequitur" é utilizada quando se deseja designar uma falácia retórica. Nosso sofista a cima não deixa claro que, ao ele contradizer-se a si mesmo na frase, o que ele procura deixar é, visivelmente, uma definição, ou seja: uma verdade.
O dito "não há" na frase acima não pode deixar de se referir a um algo concreto, pois se espera que aquele a quem é dirigida tal frase apreenda o algo a que ele se refere, ou seja, que o indivíduo tenha consciência desse algo como uma coisa existente na realidade, coisa essa compreensível por si mesmo, assim como representável por meio da linguagem. Com isso, o "não há" de Nietzsche não deixa de ser um apontamento para uma verdade de fato, concreta, a qual ele, contraditoriamente, decide negar, ao mesmo tempo, a existência, mas não percebendo, também, que negando a existência da faticidade dos fatos ele cria um outro fato que pela lógica interior desse pensamento deve, por sua vez, ser negado. Disso seguem-se dois caminhos óbvios que, no fundo, possuem um destino apenas:
1º) Ao negar a existência de fatos eternos ou de verdades, Nietzsche cria um outro fato: a inexistência absoluta dos fatos. Ora, se Nietszche apregoa aqui a inexistência absoluta de fatos e verdades, é claro que tudo isso só pode ser compreendido como um FATO ou uma verdade absoluta no âmbito da realidade que, por sua vez, é apreensível pelos indivíduos a quem ele se dirige.
2º) Se ocorrer que ainda ele persiga na obstinação de forçar a "veracidade" do seu argumento - o que é contraditório pela própria lógica interna do seu pensamento - então ocorre aqui a "negação da negação", o que só pode ser realizado por meio da positivação de uma determinada negação (a negação também é uma afirmação), e com isso, pela natureza própria do empreendimento, a única coisa no campo do real possível é que tal empreendimento seja algo existente, e, portanto, um fato como tal. Mas se ele, ainda com isso, negar o fato resultante, nem por isso a negação não seria um outro fato, cujo evento pede o reconhecimento de sua própria existência e assim ad infinitum.
O que me resta a pensar é que esta tese da "inexistência de uma verdade absoluta" tem um tom de paranoia, e reflete um modo sub-ginasiano de pensar e refletir o mundo, assim como a filosofia. Não é estranho que muitos, com um ardor fanático, defendam essa afirmação de Nietszche como se fosse uma revelação divina? Ironia, não?
quinta-feira, 24 de abril de 2014
A Cultura Como Atualização e Destruição das Potências
Não raro a palavra "potencialidade" chega aos nossos ouvidos. Frente a ela não podemos ter distanciados de nós a compreensão humanista que ela trás com a sua carga de significação, justamente porque com isso é impossível uma compreensão fatalista do ser humano, assim como se torna impossível o afogamento de quem quer que seja no mar das contingencialidades: a potencialidade é uma característica da própria humanidade.
A sociedade moderna pode até mesmo afirmar isso ou aquilo sobre os potenciais humanos, no entanto, pelo fato de ela ter expulsado a metafísica de seu círculo de pensamento, jamais ela pode ter por justificada, com base nas suas categorias, o significado real de potencialidade tal como ela se encontrava patente na compreensão que guiou a maior parte da sociedade até o início do século XVIII, quando as ciências modernas foram, ao poucos, assumindo irresistivelmente o posto de grande intérprete da realidade, até a sua aceitação majoritária por parte da mentalidade política, científica e filosófica no século XX.
É certo que ideias como a "unidade da humanidade" e "educação", não podem, jamais, serem justificadas diante da expulsão da metafísica como uma legítima categoria do pensamento humano (nunca, na verdade, se deu uma "expulsão" total dela). Mesmo a ideia de "sentido" não faz nenhuma sentido diante disso, pois carece de bases para a sua validação e fundamentação. Também compreensões com respeito a ideias de justiça, do belo, do bem ou do mau, e até mesmo a objetividade são destruídos com esta expulsão, o que cria ideias como "construção social do pensamento", que, se forem analisadas com mais atenção, carecem de substância para a sua sobrevivência no meio cultural - também vale ressaltar que com isso não se nega a "regionalidade" da cultura e mesmo a multiplicidade de manifestações culturais, pois a multiplicidade é um dado do qual não se pode escapar, mas o mesmo ocorre com a compreensão de que seres humanos são integrantes da própria existência humana (um dado universal), assim como a necessidade de algo que anteceda a experiência (como a mente), cujas leis possíveis nesse algo são necessárias para a compreensão das formas reais do mundo (como os dados matemáticos no espírito humano e na própria realidade), assim como a nossa orientação nele.
Bem, o que se afirma aqui, no entanto, é que a humanidade possui uma "potência" inalienável no seu ser, e que a mesma é o fundamento de toda espécie de realização humana no âmbito da história. E tal como a potência é, a mesma se atualiza como ato, pois qualquer ato humano transita, antes de sua percepção como fenômeno no campo histórico, no campo do possível, e este está para além de ser vislumbrado historicamente, a não ser que seja antecipado por meio de uma abstração ou prolepse (uma "queda antecipada") na consciência pessoal.
Podemos exemplificar isso comparando a potência como uma teoria ou um plano quando são formulados. Antes de sua execução, tal teoria ou plano se encontram em estado de potência, mas quando eles são executados passarão a ser atualizados na história como ato puro.
Para compreender melhor a afirmação que aqui se faz, podemos dizer que a humanidade possui um "plano" no seu interior e que o mesmo não pode ser anulado, e que isso mesmo é uma das características essenciais da própria humanidade - como já mostrado na necessidade das formas no espírito para a compreensão, por exemplo, dos dados matemáticos.
Tal como isso é, todas as culturas devem, por assim dizer, resultar justamente de algo interior no ser humano; ou seja: uma estrutura - como afirmou o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. A cultura é, por isso, o resultado das atuações individuais ou coletivas ao longo do tempo, e todas as realizações que passam por este processo maravilhoso da passagem do "ideal" para o "existencial", da mente para a história. Ainda que não se considere neste texto os vários pontos da discussão que surgem desta "passagem" do campo das ideias para o campo propriamente dito da história - o que é alvo de investigação filosófica há milênios, como em Platão, Aristóteles, Agostinho, Anselmo, Tomás de Aquino, Lutero, Calvino, Melanchton, Lebniz, Kant, Hegel, Schelling, Nietszche, Husserl, Lavelle, Barth, Tillich etc. -, não se pode deixar de refletir sobre este campo inesgotável de investigações. Mas por hora, basta compreender que a cultura é o resultado, também, das atualizações das potências humanas na história.
Se os olhos humanos e o seu espírito fossem agudos o suficiente para perceber isso, certamente que uma análise mais completa da própria vida e cultura não seria algo como um mistério esotérico, mas seria algo patente no próprio modo de ser das coisas - isento de ideologia e capaz de enxergar sem entorpecimento a própria história como tal.
Podemos prosseguir com a pergunta: é possível compreender a história como o campo da efetivação plena das potências? Não é possível isso quando se trata das configurações da existência humana. No entanto, é possível enxergar as coisas, também, à luz da corrupção da atualização da potência humana, como, de fato, se tem visto em na expressão "inteligência a serviço do mal" ou mesmo na noção de pecado.
Aqui sigo as pisadas da teologia cristã, assim como em Agostinho, quando no livro "O Livre Arbítrio" ele disserta sobre a ideia do mal e da corrupção histórica como resultado da inefetividade do livre arbítrio, o qual existe apenas em estado de potência, mas que não pode ser atualizada de maneira completa e total.
Com isso falamos da existência da própria corrupção, atuante como um processo não lógico (no sentido da não contradição), mas como uma lógica do poder pelo próprio poder, afim de afirmar a si mesma de maneira irresistível, impondo a sua própria condição no âmbito da realidade não somente histórica, mas também na realidade total como uma substituta do logos.
Esse é um fato sinistro que tende ir em direção à um mal absoluto, à uma treva eterna que poderíamos chamar de "corrupção total" ou mesmo de "condenação", de onde o caminho de afastamento total das configurações do real é algo irreversível.
No âmbito das possibilidades totais, a possibilidade da irreversibilidade do caminho de afastamento da configuração do real (do qual os estados clínicos de loucura e paranoia são analogias) sempre foi algo patente na consciência humana como uma ameaça de segregação da mesma, de maneira que isso justificou noções como o bem e o mal, assim como, por outro lado, fundamentou a própria noção de ética pessoal e coletiva, assim como a noção de responsabilidade para com o outro. Nos ensinos cristãos sobre a condenação, o mal absoluto é fortemente enfatizado, o que acabou por fornecer energias suficientes para que fosse possível a compreensão antecipada dos resultados do rompimento absoluto da unidade do real, da busca pela verdade ou do o amor e Deus.
A corrupção da potência é, por sua vez, a corrupção da cultura humana tanto pessoal como coletiva. Pode-se também averiguar que o grau de realização humana sempre está relacionado com um poder de exteriorização máxima dos potenciais espirituais e racionais atualizados no mundo concreto.
No entanto, quando dizemos algo sobre a corrupção humana, falamos efetivamente das enormes deficiências que há nas possibilidades da atualização das potências. Esse distanciamento da possibilidade de efetuação da potência em ato é a causa das angústias, dos desencontros, assim como é a causa primeira das revoltas, das catástrofes, dos desentendimentos, das intrigas assim como da morte.
Aqui, frente a esta tese, podemos fazer algumas ponderações que diferenciam o mal efetivo da deficiência da atualização das potências, o que não da margem, em definitivo, à ideia de que as limitações e a atuação má de fato se encontram em um mesmo patamar. Por questões éticas é necessário traçar uma distinção entre uma coisa e outra.
1º) A questão relacionada à deficiência de atualização das potências é, necessariamente, a ideia de que o ser humano não pode gozar plenamente da perfeição para a qual se acha orientado ainda nesta vida. A tendência humana no campo da história para as coisas que são eternas traça a situação histórica na qual o homem se encontra. A ideia cristã de pecado é exata quando ela procura definir a situação humana na história, também. Os insigths fornecidos por isso são verdadeiros e justos. A frustração, uma tendência às vezes irresistível para o erro, assim como inescapabilidade do vacilo frente à situações históricas que pedem firmeza de espírito, assim como a ausência de forças para prosseguir demarcam a situação existencial do ser humano. Contra isso não se pode lutar, pois é semelhante à uma força que impera irresistivelmente sobre nós e sobre a qual não podemos nos ver livres sem uma ex-soteria (uma salvação que vem do lado de fora), um auxílio e uma ajuda.
Com isso podemos ver as várias dificuldades, assim como elementos irreconciliáveis na cultura que, por sua vez, buscam impor-se por meio de sua própria força. Por isso é que, também, podemos ver uma determinada pulsão erótica querendo se instalar irresistivelmente no campo da própria realidade. Também é por isso que vemos a ira e o ódio se assenhorando dos nossos pensamentos, fazendo uma pressão brutal sobre nós. Aqui o problema maior não é tanto o sofrer tais assédios, assim como, em certo grau, aceitar suas sugestões, mas sim a tendência de institucionaliza-los como forças legítimas no campo da cultura; e é sobre isso que passamos a falar agora.
2º) A questão sobre a institucionalização das forças da destruição como instituições legítimas no campo da cultura é um campo profundamente rico e que serve como uma das fontes mais fecundas de reflexão da atualidade. Reflexões filosóficas atuais, como as feitas por Olavo de Carvalho, assim como foi feito por Erich Voegelin são sintomas disso. Na verdade, esse traço é um dos temas que nunca sairá de cena, a não ser após o juízo final, por assim dizer.
Podemos dizer que essa institucionalização destas forças da destruição é resultante da desistência humana de resistir a estas forças, o que resulta em uma aliança consciente ou não com elas e, com isso, na transformação das mesmas e forças, por meio de uma adequação das mesmas no campo das ações pessoais e coletivas, em forças de sentido, instituições, assim como na acomodação dos significados resultantes dos sentidos erigidos por estas forças em símbolos culturais, que uma vez chancelados por grupos ou indivíduos, colocam em marcha poderes de destruição para o meio cultural humano, sendo até mesmo patenteados por esses, como é o caso do Nacional Socialismo alemão ou o Comunismo Soviético.
Não é possível, neste sentido, entender pecados isolados como a cólera, a lascívia, a glutonaria, a cobiça etc como causadores, por si, de instituições monstruosas como estas a cima; no entanto o chancelamento e a institucionalização dos mesmos, e a transformação delas em forças políticas é aquilo que podemos chamar de pecado contra o Espírito, ou seja: o pecado contra a estrutura do real, pois tais empreendimentos não apenas são resultantes do sofrimento pessoal por essas forças, mas sim a busca da legitimação das mesmas como forças históricas e até mesmo eternas. Não há um erro mais imperdoável do que a resistência sistemática para com a verdade. E justamente foi esse erro que estava ameaçando com a condenação os fariseus, como disse o Senhor Jesus Cristo. No caso, não vemos apenas a deficiência da atualização das potências, mas a busca pela legitimação da mesma deficiência como a estrutura própria realidade, o que, por si, é uma distorção e um falseamento da própria realidade e um atentado contra o Espírito.
A imposição de um novo logos é uma das maiores ameaças que se pode sofrer quando, na verdade, sempre pertenceremos a apenas um logos. Quando uma interpretação da realidade busca se estabelecer como ela própria, em todas as suas estruturas e limitações e em detrimento da noção de infinito em sua dignidade real, ela busca substituir qualquer outra interpretação possível da realidade por uma visão temporal e terrestrializada, sacrificando tudo aquilo que existe em favor da sua legitimação. Os limites, em favor mesmo da realidade, devem ser respeitados afim de que a realidade, por si mesma, possa se mostrar ao mundo e ao homem tal como ela é, e mesmo um discurso sobre a realidade deve, por obrigação, dar todas as margens para isso. As vezes, não há maior desserviço para com a verdade do que buscar explicá-la; e não há maior crime do que buscar inventá-la e não obedecê-la tal como ela se mostra no espírito humano. No entanto, peca também aquele que não busca compreende-la bem.
As contradições culturais são resultantes do ato humano no âmbito da realidade que externa aquilo que se encontra no seu interior. Isso pode se dar tanto de maneira pessoal assim como coletiva. Também, as relações entre potência e ato são decisivos para compreender a realidade, sendo considerada aqui tanto as realizações assim como as limitações que são passíveis de compreensão justamente porque há uma unidade do real presente no espirito humano e que justifica tal compreensão.
É necessário, no entanto, uma investigação mais profunda para compreender mais precisamente que a cultura humana não existe apenas como atualização das potências humanas, mas como também, consciente ou inconscientemente, na tentativa de destruição das potências latentes no ser humano que é também ator nesta empreita. A destruição ativa, assim como a auto-destruição é um processo complexo que surge no intento de estabelecer uma realidade paralela à aquela que definitivamente se encontra já inscrita na alma e na realidade e que define o ser humano e o seu caminho como tal. Todas as tentativas de invenção da realidade, que não acordada com a estrutura da mesma surge apenas com uma inocente mas perigosa intenção de se por acima daquilo que podemos chamar de Ordem - o qual é intuído nas várias tentativas religiosas de inúmeros povos de se manter reconciliado com poderes que estão à cima de sua capacidade de manipulação e que, por sua vez, podem atuar mantendo a vida ou destruindo-a.
Neste sentido, é certa e mais do que legítima as marcas da tradição religiosa, ou de qualquer outro ensino que busque sempre relembrar o ser humano da existência do incondicionado, do a-temporal, assim como dos caminhos superiores à ordem visível das coisas que, em tudo, buscam sustentar e fornecer energias possíveis para o embasamento da realidade, da cultura e da alma humana por meio de um determinado logos, ou uma ratio que, uma vez conhecida, é ela própria o poder de significação e sustentação de tudo aquilo que se vê, se vive e daquilo que esperançosamente se espera. Com isso podemos falar, no meio cultural, do maior segredo do cristianismo: a atualização das potências divinas no ser humano e na história através do logos Jesus Cristo, contra a destruição do homem por meio dos poderes demoníacos do caos. Esse sim é um verdadeiro símbolo cultural.
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Gramática do Real
Levado por aquilo que podemos chamar simbolicamente de "Providência", penso que alguns eventos que cá e lá observamos nos levam cada vez mais para dentro da compreensão de que a realidade como tal é dotada de uma determinada estrutura da qual não se pode fugir. Podemos chamar isso de um dom divino, pois a compreensão disso nos leva a calcular, medir, subtrair, multiplicar e fracionar a realidade, assim como a experiência pessoal e, a partir dai, lançar fundamentos coesos e reais para o julgamento daquilo que iremos empreender em nosso presente, assim como aquilo que podemos esperar - ainda que contando com veios invariáveis e indomáveis - do futuro.
A dádiva da intuição da realidade (da experiência imediata daquilo que nos chega a nós), e a constatação irresistível de um determinada estrutura que sustenta o mundo tal como vemos e no qual compreendemos e vivenciamos pessoalmente, sem a necessidade de um apoio exterior a não ser na própria intuição que temos da parca realidade que experienciamos, é o próprio motivo da condição da humanidade enquanto humanidade, assim como o elemento que nos permite distinguir a humanidade do outro. Aqui, nem tudo pode ser compreendido como um algo imediato, pois o próprio conhecimento é o resultado final de uma série de intuições que, agregadas, somadas e julgadas em nossa consciência, formam um produto final, um "símbolo da razão" em que jaz a razão correspondente com o real por meio da qual podemos nos orientar no mundo. Não é, neste sentido, o conhecimento imediato e pessoal um conhecimento de fato (no sentido do conhecimento total), mas sim o seu vestígio e a sua prova, que agregadas formam catedrais imensas e, por meio das quais podemos enxergar, de fato, uma estrutura, da qual a arquitetura da razão adquirida por meio de sucessivas intuições é apenas uma aproximação digna.
Não é por acaso que tanto a sabedoria, assim como a verdade, são filhas do tempo, e isso cada vez mais me leva a crer e a pensar, assim como vislumbrar parcamente o que para mim posso chamar de fato, que há uma estrutura, um logos, assim como uma gramática do real.