Existe algo na tradição que enseja justiça, conhecimento e
reconhecimento. O reconhecimento é basicamente a compreensão de que nem sempre são os
nossos cérebros e o nosso tempo os melhores cérebros e o melhor tempo. Do contrários estaríamos por princípio a amaldiçoar o passado e, consequentemente,
destruir o futuro. A humanidade é uma constante: seus medos são os mesmos, seus
pecados são os mesmos e as soluções são, em ESSÊNCIA, as mesmas. Tal vez o
formato, os acidentes ou as roupagens nos interior
da história sejam diferentes, mas a substância é, basicamente, imutável. É
preciso olhos profundos para compreender o que seja isso.
Se, por exemplo, estudarmos obras de Platão e Aristóteles -
escritas há, mais ou menos, dois mil e duzentos anos atrás -, veremos que
algumas coisas propostas por esses filósofos são perenes e imutáveis - para não
falar do nível de abstração que são capazes em suas obras; basta uma lida de
algumas páginas do diálogo socrático Teeteto, de Platão, por exemplo, para um
analfabeto funcional recém-saído de um curso superior, com diploma na mão, ter
uma congestão cerebral instantânea.
Quando falamos de tradição - o que inclui a possibilidade e o
acúmulo de conhecimento -, temos aqui que nos portar com espírito de
reverência, de gratidão e reconhecimento. E isso é assim porque nem a bondade e
nem as respostas fundamentais para problemas que possuímos não são coisas que
pertencem exclusivamente ao nosso tempo. A soberba, por outro lado, limita o
conhecimento do mundo ao "eu", ao limitado campo de visão de um
"eu" em particular no aqui e no agora e nas "necessidades do
momento".
Enfim, seria desastroso não desfrutarmos do acúmulo de
conhecimento, possível na constituição da cultura apenas por causa dos antepassados,
pois do contrário deveríamos recriar o conhecimento científico de uma simples
roda a cada geração, já que se houvesse a negação de uma geração após a outra
como coisa "obsoleta", o seu conhecimento e suas descobertas deveriam
ser furiosamente aniquiladas para a construção de algo "novo". A
tradição, por tanto, não é algo que mantém o nosso espírito nas cavernas, mas é
a única possibilidade de sairmos dela. Ou seja: paradoxalmente, viver com os
olhos voltados para o passado é a única forma de contemplarmos e de construirmos um
futuro possível.
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