Você pode respeitar o
direito do outro ter uma opinião que não a sua. Mas dizer que se é obrigado a
respeitar as opiniões de maneira incondicional é um truque, um negócio meio
louco, e uma exigência estritamente desonesta, no fim das contas - coisa que
existe apenas para Deus (que sempre está certo) e em ditaduras, onde a ideia do
mais forte (o ditador) deve ser respeitada a todo custo. Essas coisas são calaras
também nos seguintes casos: não podemos respeitar a ideia de um genocida; de um
trapaceiro ou de um sabotador que, com ares de bondade, busca subverter as
coisas por dentro se fingindo de amigo e colaborador; e muito menos devemos
respeitar aquelas ideias cuja bondade está exposta apenas no enunciado da
ideia, na proposição, mas que são desastrosas quando colocadas em prática. É
claro, qualquer indivíduo que busca ter uma opinião - já que ter opinião para
tudo é falta de bom senso - deve, para isso, estudar os fundamentos da sua
própria opinião, não sendo irresponsável para divulgar a esmo aquilo que não
sabe. Mas o que devemos fazer? Devemos medir o grau da coisa, e, entre outras
coisas, compreender que uma opinião não é uma pessoa. Uma opinião podemos jogar
no lixo; uma pessoa devemos procurar amar - e, se possível, livrar esta pessoas
de ideias que irão destruí-las e destruir outros. Penso que é por aí que são
consideradas as coisas.
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Chegamos a um período de
inversão louca: antes desrespeitávamos ideias, mas reconhecíamos por traz delas
uma pessoa que geralmente era superior às ideias mesmas; hoje se força a
respeitar a todo custo uma ideia divergente, mas em troca se desconsidera com
isso em sua totalidade as pessoas. Isso ocorre porque o "respeito às
ideias", sejam elas quais forem, eleva ao grau de dignidade as concepções
de mundo mais loucas, foçando todos a lidarem com elas com ares de
respeitabilidade, exigindo, de quebra, que todos se portem com base em um
fingimento imposto pela regra do "respeito", o que, como diria C. S.
Lewis, acabava por formar homens sem peito. Sou mais adepto do método de
discussão ao modo dos monges medievais, os quais entravam em uma espécie de
"delirium tremendum" no momento da defesa de suas teses, mas que conseguiram
manter unido um continente por um período de mil anos. Foi quando as boas
regras de refinamento burguês entraram em jogo que deu-se o início ao império
do fingimento. Por tanto o cacoete de bom-mocismo de "respeito à opinião
do outro" é puro fingimento burguês. O máximo saudável é respeitar o
direito do outro de ter uma opinião, e não o de respeito irrestrito à opinião,
pois no caminho dos mais entendidos há a compreensão de que é apenas o tolo que
respeita incondicionalmente A opinião em si, seja a sua mesma, seja a de um
outro.
***
Nenhuma opinião é
desinteressante em si. Elas podem curar ou matar, fazer viver ou deixar
perecer. Neste campo não existem trivialidades, pois uma ideia, por mais tola
que seja (e justamente por ser tola que deve ser considerada perigosa), pode
fazer errar uma vida por toda a vida. No mundo das opiniões não há reclamação
de inocência. E neste campo, calar frente à incerteza é amar o próximo. Tão
tolo quanto quem não sabe o que fala é quem decide disciplinar com clichês o
debate com regras que militam contra a razão, sendo um destes clichês o afamado
"respeito à opinião". Bem, se refletirmos bem o que significa isso
chegaremos à descoberta que trata-se de uma regra imoral. A ideia de
"respeito à opinião" nasce da má compreensão sobre a liberdade de
expressão. É um filho bastardo e sem herança de tal ideia. No mundo ocidental,
segundo o free speech, a ideia nada mais significa do que o direito
garantido pela constituição de alguém não ser morto por causa de proclamar um
pensamento divergente. Mas é claro que ainda assim isso não significa que eu possa pregar o genocídio de judeus, por exemplo, pois há limites claros entre
o free speech e a apologia ao crime. Por tanto não se
trata de "respeito à opinião", mas de resguardar o indivíduo que
opina do rancor das massas, do grupo divergente ou daquele que pensa
o contrário. Mas notem que o que se quer passar por pensamento livre com
a ideia de "respeito à opinião" é o fim de toda a divergência e livre
opinião, pois respeito tem-se daquilo sobre o qual concordamos e qualquer
concordância é, também, uma discordância do contrário, um desrespeito - por
assim dizer - daquilo sobre o qual não concordamos por concordar com outra coisa (é necessário decidir). Por isso é forçoso concluir que
a própria ideia de "respeito à opinião" nada mais é do que a
manifestação de uma ira contra a realidade, um desejo de eliminação da
divergência – sem a qual o raciocínio para o próprio indivíduo, no processo meditativo, é
impossível, pois precisa comparar ideias contrárias, confrontando-as - e algo que só pode culminar na própria destruição do pensamento e
de todo o raciocínio livre, visto que se eu sou obrigado a respeitar a opinião divergente não é possível discordar, pois discordar (palavra que se relaciona com discórdia) é, no fundo, não respeitar a opinião (ainda que devamos amar os indivíduos e às vezes discordar deles por amá-los). Em fim, a má ideia sobre o "respeito à opinião" é o caminho para a destruição e supressão dos indivíduos pensantes,
pois todo o pensamento está ligado inevitavelmente sobre algo que reflete.
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