O mundo onde estamos demanda
ação, velocidade e inovação para sobreviver e fugir do tédio. Contudo a
impressão que temos disso tudo é que o nosso mundo está em plena fuga, e
aparentemente não sabemos de quê. Mas arrisco um palpite.
No início do século XX o
jornalista inglês Chesterton dizia que a alta velocidade inovadora do mundo era
sinal de sua preguiça. Segundo ele, se as pessoas de fato fossem produtivas
elas estariam enraizadas e laborando sem deslocamentos. Ele também detectou
nesta enfadonha correria uma fuga contra a reflexão que resultava do acossamento
do homem pela busca da verdade.
De fato: são tantas ideias,
tantas formas de ver o mundo que nós devemos desconfiar sobre a extensão destes
"pensamentos novos". A lógica, cujo primeiro sistematizador foi
Aristóteles, até hoje, depois de 2.400 anos, não deixou de receber
contribuições. É óbvio, por tanto, que a quantidade pensamentos existentes são
semelhantes à Torre de Babel: construções deixadas ao meio, inacabadas por falta
de material para a obra ou por preguiça pura e simples.
A quantidade assustadora de
movimentos e de novos empreendimentos, ao longo do tempo, tende a deixar claro
o quanto o homem moderno é inseguro: são casamentos deixados ao meio, educação
de filhos insuficiente, obras sem um prosseguimento duradouro, artigos de
jornais de cinco parágrafos, avisos do ministério da saúde de menos de um
segundo na televisão, festas, divertimentos e esquecimentos.
Pascal, como um bom
fisiologista da alma, compreendeu como por uma iluminação semelhante aos
profetas, que o homem futuro seria alguém que faria do divertissement um
elemento essencial para a vida, pois afastado do doloroso conhecimento de si o
homem tentaria afogar o espinho na carne da consciência nos prazeres, na
diversão. Contudo, como a consciência é um fato inexorável no homem,
permanecendo durante toda a extensão da duração de sua humanidade, o afogamento
da consciência seria uma constante. Teríamos aí, de forma concreta, o homem da
fuga, que escapa de si mesmo e do fado da sua existência como um animal em
agonia.
Eis o retrato do homem
moderno: o homem do divertissement (diversão, entretenimento) que luta para não enxergar aquilo que é, e
que afoga a consciência no entretenimento afim de que não se descubra a si
mesmo como um animal do desespero. De fato, a modernidade é marcada por sua
busca por libertação dos laços da tradição, da religião e dos fados que
constituíam a barragem que o cerrava em um lugar mínimo de proteção. Contudo
toda a proteção tem o seu ônus, sendo o mais marcante dele a restrição da
liberdade e a uniformização por vezes tediosa da vida; e ao se arriscar
em busca da liberdade, e rompendo suas barragens de proteção o homem se viu
diante do "terror da liberdade".
Reinventar a roda, com o fim da
tradição, tornou-se a forma básica de existência humana por meio da criação de
microcosmos e arranjos de fragmentos de ordem por meio dos quais os homens se
isolaram de si mesmos. Se antes havia uma imensa homogeneidade que entrelaçavam
os homens em uma rede comum de sentido, a disparidade de sentidos fez com que
as pessoas criassem tais microcosmos, caminhos e leis individuais que acabaram por se colidirem umas com as
outras. Mas a natureza abomina o vácuo, e o fim dos grandes sistemas de sentidos acabou por se substituído por uma uniformidade nova através da cultura do prazer e
consumo, e por meio do rearranjo de sentido amparado em ideologias totalitárias
que buscam reconciliar o mundo dos prazeres com um universo de sentido. Os
slogans de "libertação", "bem-estar social",
"poder", a imanentização da transcendência - cuja realização as religiões tradicionais como o cristianismo assinalava para o além mundo - com as utopias existentes no mercado das ideologias
satisfizeram os homens que fecharam a sua alma para a realidade, fazendo com
que houvesse uma substituição da realidade pela ideologia, migrando a
imaginação dos homens para uma segunda realidade onde suas paixões foram
elevadas às alturas da vontade divina.
Em todos esses fatos em que
reconhecemos um fechamento da alma do homem, não poderíamos desprezar a
estupidez que daí resulte: ao se fechar para suas próprias agonias e para a voz divina o homem
acaba por desconhecer a fonte real de sua vida e de seus problemas. A falsificação do mundo,
o orgulho e a violência resultantes, marcas da pequena besta, são como que
inevitáveis quando o homem, desconhecendo a si mesmo, não trilha nos caminhos
demandados pela realidade, revestindo a sua sede por poder como a lei suprema do universo. A ignorância no lidar com a vida, a falta do
confronto com a angústia e o desejo pela recompensa rápida e total em vida acabam por estupidificar
e alienar o homem do mundo e de sua estrutura, de si mesmo e dos outros homens. A colisão do homem
contra o homem é a marca do fim da razão, razão que só é possível quando
ordenada pelo fundamento divino da realidade, e que, em nome do conforto, foi lançado para a lata do lixo da
história.
Não é difícil enxergarmos a
razão pela qual uma explosão de retorno às tradições e à religião está sendo
vista de maneira tão vigorosa em nossos dias. O terror que esta liberdade
niilista nos legou com a sua metafísica do nada, fez com que se pudesse olhar
para o terror de um mundo vazio de sentido e a tragédia resultante daí, onde cada home tornou-se o seu próprio Deus. Também
é óbvio que a experiência moderna já deu conta da destruição resultante de
o homem fechar a si mesmo para a estrutura da realidade, criando em substituição a ela
fantasias, enterrando a sua alma na diversão e na sede irrestrita por poder, o que acabou por gerar uma
conservative wave e muita "caretice". Ao retornar para os grandes
depositários espirituais de valores, várias pessoas buscam um eixo do mundo,
algo que, sustentando tudo o que existe de forma duradoura, pode sustentar também a vida daquele
que a isso busca.
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