sábado, 28 de novembro de 2020

Atanásio Contra a Idolatria (Incompleto)

     Citação: Muitas vezes o próprio estatuário, como que esquecido do que fez, dirige a sua oração às suas próprias obras, e o que recentemente ele esculpia e talhava após o ter trabalhado a sua arte, ele a chama deus. Se estas estátuas são dignas de admiração, precisaria reconhecer a habilidade do artista, em lugar de honrar os objetos que ele configurou. Porque não é a matéria que ornou e divinizou a arte, porém a arte à matéria. Seria então muito mais justo adorar o artista de preferência ao que ele fez, uma vez que ele existia antes dos deuses nascidos da sua arte, e que estes nasceram como ele quis. Ao contrário, rejeitando o que seria justo, e desdenhando a arte e a ciência, adoram a obra da ciência e da arte.1.

    Citação: Esta demonstração não pode deixar de convencer os que os gregos chamam filósofos e sábios; eles não podem negar que estes deuses que se vêem são imagens e figuras de homens e animais desprovidos de razão. Mas para se defender, dizem que assim acontece para que por estas imagens a divindade lhes responda e lhes apareça: porque não se pode conhecer o invisível de outro modo senão por estas estátuas e estes ritos. E os que são ainda mais filósofos e pensam dizer coisas mais profundas, afirmam que estes ídolos foram fabricados e formados para servir a invocar e fazer aparecer anjos e potestades divinas, que aparecendo através deles, revelam aos homens o conhecimento de Deus; são como cartas para os homens que lendo-as podem conhecer e compreender Deus pela aparição dos anjos divinos que se manifestam por estes sinais. Eis a sua mitologia, porque não é teologia, queira Deus. E se este raciocínio for examinado com atenção, ver-se-á que a sua opinião não é menos falsa do que as expostas acima2. 

    Citação: 
Poder-se-ia dizer-lhes, apresentando-se ao julgamento da verdade: como Deus responde ou se faz conhecer por estes ídolos? É pela matéria que os constitui ou pela forma que está neles? Se é pela matéria, de que serve a forma, e porque Deus não se manifesta simplesmente por não importa qual matéria, antes que estas imagens sejam formadas? É inutilmente que se constroem templos para aí colocar uma pedra, um pedaço de madeira ou de ouro, enquanto toda a terra está cheia destas substâncias. Mas se a causa destas manifestações divinas é a forma que lhes é dada, para que serve a matéria, o ouro e o resto, e porque Deus não se manifesta de preferência pelos seres naturalmente vivos dos quais as estátuas têm a forma? Porque segundo o seu raciocínio, ter-se-ia melhor opinião de Deus se ele se manifestasse pelos seres vivos e animados, dotados ou não de razão, em lugar de se fazer esperar nas estátuas, inanimadas e imóveis [...]. Talvez também nada seja, nem a forma nem a matéria a causa da presença de Deus, mas a arte unida à ciência basta para evocar o divino, pois ele é uma imitação da natureza. Mas se é graças à ciência que o divino vem habitar nas estátuas, para que, mais uma vez, serve a matéria, já que a ciência reside nos homens? Em uma palavra, se é graças à arte que Deus se manifesta e por isso se veneram como deuses as estátuas, seria necessário adorar e honrar os homens que são os autores desta arte e tanto mais que eles são dotados de razão e possuem eles próprios esta ciência3.

    Citação: 
Na sua segunda resposta, mais profunda sem dúvida, poder-se-ia dizer isto com bastante propriedade como segue: se vós agis assim, gregos, não por causa da manifestação de Deus mesmo, mas por causa da presença dos anjos nos ídolos, por que dar às estátuas pelas quais invocais estes poderes mais valor que aos próprios poderes que invocais? Se, como afirmais, esculpis estas imagens, é com o obejtivo de conhecer Deus, dando às próprias esculturas a honra e o nome de Deus, cometeis sacrilégio. Porque confessais que o poder divino ultrapassa a humilde condição das estátuas, e por isso não ousais invocar Deus através delas, mas os poderes inferiores; e vós mesmos, negligenciando-as dais à pedra e à madeira o nome daquele cuja presença temíeis, os chamais deuses e os adorais, embora sejam pedras e obra de arte humana. E se, como falsamente afirmais, estas imagens são para vós como cartas que vos permitem contemplar Deus, não é justo dar mais honra ao sinal que à realidade significada. Se alguém escrevesse o nome do rei, não é sem perigo que honraria estas missivas mais que o próprio rei; seria punido de morte, porque a carta é obra da ciência do escriba. Assim vós mesmos, se usásseis salutarmente a razão, não transferiríeis para a matéria o caráter da divindade e não honraríeis a estátua mais que o homem que a esculpiu. Porque se estas imagens são como missivas que indicam a presença de Deus, elas são, por este título, como sinais de Deus, dignas de ser divinizadas; mas ainda mais aquele que as esculpiu e modelou, isto é o artista; é ele que precisaria divinizar, como sendo mais poderoso e mais divino que estas imagens, e tanto mais que é por sua vontade que ele as talhou e modelou. Se, portanto, as cartas são dignas de admiração, aquele que as escreveu é ainda mais admirável pela sua arte e pela ciência do seu espírito. Assim, se não há razão para acreditar que estas imagens são deuses, poder-se-á então interrogar o pagão a respeito da loucura dos ídolos para aprender deles porque lhes foi dada esta forma4. 

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1] ATANÁSIO - Contra os Pagãos.13
2] Ibid. 19
3] Ibid. 20
4] Ibid. 21

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