quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A Desordem do Mundo e a Agonia do Espírito



"[...] Platão tinha desenvolvido o conceito de 'nosos' para indicar a desordem de um espírito que tinha perdido a sua orientação religiosa e espiritual; agora, com a ruptura da pólis [a cidade-estado grega], o 'nosos' se torna um mal social disseminado e atinge o ponto de uma deformação patológica da mente. O 'nosos' da mente é, assim como o surgimento da psicologia, um sintoma de desintegração política. A principal função do 'cósmion' político [ordem política onde se é possível fruir uma vida que veja o seu sentido existencial, ou de vida, realizado] é [...] diminuir a ansiedade existencial do homem ao dar à sua alma, pela evocação mágica de comunidade, a garantia de ter um lugar significativo em um cosmos [ordem da realidade] bem-ordenado. Quando o encantamento mágico perde a sua força [ou quando a ordem política perde autoridade por causa de ameaças internas ou externas], as inquietações primordiais são novamente liberadas; o mundo circundante torna-se uma vastidão desordenada, cheia de perigos desconhecidos, pressionando a alma humana; e o espírito que é exposto a essa experiência de desordem pode romper-se com a tensão; pode tornar-se desorganizado ao ponto de tatear em busca de qualquer ideia ou pessoa que pareça deter uma promessa de proteção e apoio. Os fenômenos sociais que acompanharam esse período [da desintegração do sentido conferido pelas ordens políticas] foram, assim na época helênica como na nossa, um aumento prodigioso no número de círculos esotéricos, de clubes, de comunidades espirituais semirreligiosas e escolas do pensamento, a ascensão de novos movimentos religiosos e seitas, o aparecimento de salvadores e líderes e a fundação da filosofia de conduta."

Eric Voegelin. História das Ideias Políticas Vol. I. Helenismo, Roma e Cristianismo Primitivo. Ed. É Realizações. p. 113,114.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

O Culto a Dionísio: A Espiritualidade da Desintegração Social


   No período em que governou a Heléade - conjunto de cidades helênicas - o governador Psístatro (561-527 a.C.) difundiu o culto a Dionísio, com a clara intenção de destruir a coesão de famílias tradicionais e, desta forma, eliminar a influência delas sobre a sociedade helênica. É o que lemos no início do livro "História das Ideias Políticas Vol. I" de Eric Voegelin, editado e distribuído no Brasil pela Editora É Realizações.
   A informação surpreendente deve ser captada a partir da estrutura do culto de Dionísio de maneira a compreendermos o seu logos (sentido), afim de encontrarmos uma identidade deste fato histórico na história política das religiões, assim como nas correntes formas modernas de ideologias cujo dionisíaco mantem-se presente.
   Mas antes de mais nada devemos entender o que vem a ser o culto a Dionísio. Dionísio era o Deus da vitalidade, da loucura e do vinho. Uma das características do seu culto era que a sua divindade era infundida na vida dos seus adoradores por meio do vinho. Era, por tanto, um Deus orgiástico e que conduzia seus adoradores ao extravasamento extremo, assim como à loucura do êxtase - aquele tipo de espiritualidade que desintegra a personalidade de quem a ela se entrega. Na maior parte eram mulheres que oficiavam um culto, cuja mensagem envolvia a morte e o renascimento. É bem conhecida a estrutura de cultos orgiásticos assim, onde a morte do deus que espalha o caos entre os adoradores restabelece a ordem e, após ressuscitado, torna-se objeto de adoração. Este "ambiguidade divina" é característica de deuses pagãos.
   É bem conhecida de nós o antagonismo que Nietzsche, o filósofo alemão, propõe entre o apolínio e o dionisíaco em seu livro "O Nascimento da Tragédia" (Die Geburt der Tragödie)Propondo uma interpretação da música de Richard Wagner, Nietzsche vê neste fenômeno musical uma representação daquilo que ele compreendia como dionisíaco, que para ele tratava-se de um espírito revolucionário que marchava contra toda espécie de cultura apolínia, da qual a Alemanha se encontrava, em sua época, saturada. O apolínio então era a emersão da cultura da racionalidade, do cristianismo, da moralidade, das crenças em sistemas, do metafísico e do "espiritual descarnado", que, para ele, se opunha a toda espécie daquilo que ele definia como "vida". Portanto a emersão do irracional, da vontade de potência, do extático, da revolução espiritual, do extático trágico que apesar de cair no abismo cai dançando, seria o navio quebra-gelo que libertaria uma cultura situado em um niilismo não confessado por pessoas que haviam matado Deus, e que tinham medo de encarar as consequências disso. Para Nietzsche o apolínio era a farsa da cultura ocidental que operou por mais de dois mil anos desde Platão, na esteira da racionalização espiritual de um tipo de vida fundada em um Deus que a própria cultura ocidental, por causa de seu desenvolvimento cultural, havia aniquilado. Nietzsche acreditava que toda a metafísica era uma farsa a ser destruída por homens de coragem - os novos filósofos - que aceitavam o fato do niilismo não gemendo, mas com coragem, determinação, força e indiferença aristocráticas e com o extravasamento, êxtase e loucura dionisíacos.
   Não é preciso dizer que a explosão espiritual dionisíaca, aquela espécie de espiritualidade antiespiritual da qual falou Eric Voegelin, é a marca de vários movimentos revolucionários e ideologias. A explosão milenarista durante a Reforma, os movimentos dos sans culottes e os jacobinos na França revolucionária, facções do movimento puritano inglês, os movimentos de sex-lib na época da revolução russa e na revolução de 1968 marcam um ponto alto dos movimentos de explosão espiritual antiespiritual e de desintegração social que tanto conhecemos. Não há nada de estranho notarmos que muitos movimentos de extrato autoritário se sirvam de movimentos de apelo orgiástico entre os ativistas, promovendo, com isso, certa corrupção moral e a destruição social, enfraquecimento do poder das famílias e aniquilação do sentimento religioso. Todo essa desordem, uma vez instalada, é perfeita para o estabelecimento permanente daquele corpo social que escapa conscientemente ileso de tal dissolução para governar, como  Psístatro, sem oposições, já que a massa nesses movimentos afunda na loucura como afundou Nietzsche, o profeta de Dionísio.

   Recentemente a americana Camille Paglier foi entrevistada no programa Roda Viva e discorreu sobre a sua oposição à ideologia de gênero e os movimentos feministas. Um dos fatos interessantes de sua entrevista é que em certa altura ela disse que toda a grande confusão sobre a identidade sexual e os antagonismos recorrentes disso marcam todos os declínios civilizacionais por causa do colapso da unidade cultural e de sentido. Nisso ela não está sozinha, pois Santo Agostinho, no século V, já denunciava a razão do declínio romano: a extrema imoralidade e loucura gerada pelos cultos de mistérios adotados por Roma da já decaída Grécia (a pólis helênica) - mas ele não foi o primeiro, antes dele está Platão e antes de Platão estão os profetas do Antigo Testamento. O cristianismo veio como um remédio que restaurou a Europa da insânia em que havia caído desde o colapso do Império Romano, entregando-a salva à era moderna em que vivemos. E onde é que esta nossa grande confusão dionisíaca irá parar se não for refreada, todos sabemos. A questão de urgência é saber o quão apta esta está a nossa sociedade para perceber este grande mal que está a degenerar e embriagar o seu próprio corpo.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Docetismo Gnóstico: O Princípio da Destruição do Corpo e o Princípio da Destruição do Mundo


   O Cristianismo, indo para além de uma relação subjetiva com Deus implica a imersão do sujeito na estrutura da realidade. A revelação de Cristo, por esse prisma, é a própria revelação do sentido pleno da história, assim como a revelação do sentido do homem nela. Há na revelação um sentido inesgotável que lança luz sobre a história da humanidade em todos os níveis, desde o inconsciente individual e das estruturas mais profundas do indivíduo humano até a existência humana como um todo, abrangendo as pessoas que existiram, que existem e das que ainda haverão de existir. A revelação em Jesus de Nazaré é o pomo amadurecido na história. 

   A elaboração teológica sempre ocorreu à luz de dilemas existentes no contexto histórico onde as doutrinas foram elaboradas. Com o passar do tempo se percebeu que, para além de um querela teológica entre os primeiros padres da igreja e os heréticos, a disputa para alcançar a verdade da revelação cristã estava intimamente relacionada com a questão da salvação. Mas como percebeu o filósofo germano-americano Eric Voegelin, vários movimentos revolucionários da era moderna, incluindo a estrutura da política moderna, e que tiveram um papel central na desintegração da razão e no enlouquecimento genocida do século XX, estão assentados sobre as bases mesmas das heresia combatidas pelo cristianismo.  

   Aqui não é lugar para uma dissecação completa das relação entre as heresias combatidas ao longo da história do cristianismo e o descarrilamento revolucionário dos vários movimentos políticos da modernidade. Contudo desejo refletir aqui brevemente sobre o docetismo.

   O docetismo foi um movimento gnóstico influenciado pelas religiões de mistério gregas (carregadas de orientalismo) e pelo próprio resíduo da filosofia helênica, e que se pôs a interpretar o cristianismo e o ministério terreno de Jesus. A palavra docetismo vem do grego"dokeo" (δοκέω) e que significa "parecer". Esta heresia afirmava plenamente que o Lógos divino (ou o Verbo Divino, como está escrito no primeiro capítulo do Evangelho de João) não havia encarnado definitivamente em Jesus de Nazaré, mas estava presente em Jesus apenas em aparência. Por tanto o Logos não havia sido crucificado na Cruz, e Deus não havia sido crucificado, como afirmavam os primeiros cristãos. Mas isso suscitou alguns questionamentos para os primeiros cristãos, pois: (1) se o Lógos não encarnou em Jesus, isso quer dizer que Deus não assumiu a natureza humana; (2) E se Deus não assumiu a natureza humana então o sacrifício na Cruz não foi um sacrifício de Deus em favor dos homens; (3) e se Deus não se sacrificou pelos homens então não fomos salvos e permanecemos em nossos pecados pois só Deus pode salvar. Aqui, pela negação dos docetas sobre a encarnação, duas bases teológicas essenciais para o cristianismo estavam ameaçadas: (1) a unidade amorosa de Deus com os homens manifesta na pessoa de Jesus (por ser ele totalmente Deus e totalmente homem); (2) a eficácia salvífica do sacrifício de Jesus para trazer ao homem a salvação eterna.

   Alguns esclarecimentos são necessários para termos bem claro as relações entre o descarrilamento revolucionário moderno e o docetismo, a começar pela impossibilidade da junção entre o humano e o divino na heresia docetista. Um elemento fundamental estava na questão relacionada à natureza humana e divina de Jesus. O docetismo afirmava taxativamente a impossibilidade da união singular de Deus no homem Jesus de Nazaré. Nesse sentido devemos lembrar a questão do destino da ressurreição. Será que para eles Jesus ressuscitou corporalmente? A resposta é negativa. Eles não aceitariam Deus sofrendo na Cruz (algo já presente em Atos dos Apóstolos 17:16-32), mas também negariam por sequência lógica o matrimônio entre Deus e a Igreja, aquela unidade desejada por Jesus e o seu desejo pela salvação do corpo humano. Nesse sentido há uma clara cisão entre o corpo e o espírito e a elevação desmensurada de um sobre o outro. As consequência lógicas do docetismo são três: (1) o pecado é algo que pode ser deliberadamente praticado que não afetaria o espírito; (2) o ódio radical e deliberado ao mundo segue a ideia de que o mundo é substancialmente mau, elevando o mal ao grau de substância. (3) ao elevar o corpo à condição de substância má, a meta final da fé é o da libertação do corpo por meio da liberação final do espírito. Não é estranha a identidade destes pensamentos e o preconceito de classes marxista, ou o ódio racista dos judeus pelos nazistas e a teologia gnóstica: os burgueses são maus em si mesmos, ou o judeu é mau em si mesmo. Do lado invertido, o docetismo também produziu a sacralização do cosmos por meio da heresia monofisita, que afirmava que a natureza humana havia sido absorvida pela natureza divina de Jesus. Desta forma, a sacralização de classes em Marx, onde os proletários são o povo messiânico que trazem em seu bojo o futuro, mesmo quando queimam vivos os kuláks, ou a raça ariana dos nazistas, que sendo sagrada em si mesma, pode criar campos de concentração e envenenarem judeus apenas por serem o que são, toca na questão da imanentização da eternidade no tempo, fechando a humanidade em si mesma e realizando a sacralização do cosmos que o Cristianismo tanto lutou por desfazer. O caráter de transcendência de Deus aqui é plenamente destruído em favor da imanência - o que mais tarde resultaria na morte de Deus e na elevação das ciências naturais ao grau de verdade divina abarcadora da totalidade da realidade. 

   A presente heresia gnóstica gerou dois movimentos aparentemente distintos, mas que se atentadamente observados, revelam uma identidade fundamental. Sendo que o primeiro ramo do gnosticismo gerou aquilo que podemos chamar de um "gnosticismo de direita". O movimento de direita no interior do gnosticismo é caracterizado pela austeridade absoluta e pelo distanciamento radical de tudo aquilo que toca a existencialidade da vida. É aquela busca pelo purismo exacerbado que regulamenta alimentos - e até proíbe-os -, que acha errado comer carne de animais, arrancar árvores, flores, folhas e sementes, e que exige jejuns extensivos, proibindo também todos os prazeres e até o casamento (I Timóteo 4:1-5 mostra expressamente Paulo possuía a consciência que alguns movimentos gnósticos estavam em plena floração no fim de sua vida). Tal movimento foi visto entre, por exemplo, os albigenses, onde há relatos de morte por inanição (morte por falta de nutrientes derivado pela abstenção de comida) de vido a jejuns extensos. O outro ramo foi o "gnosticismo de esquerda", que também partindo da premissa da malignidade do mundo e da matéria, se entregavam a toda sorte de erros tal como sexo grupal com intuito de praticar ritos sexuais, e até crimes - não importava a desordem generalizada que também poderia ser uma forma de libertação das estruturas malignas deste mundo. Um exemplo moderno bem claro deste gnosticismo de esquerda é o revolucionário Mikhail Bakúnin. A revolta de Bakúnin não parte de um utopismo como o de Marx, mas é mais altamente niilista do que o pensamento dele. Para Bakúnin a tarefa dos revolucionários era o de apenas destruir e não de construir nada, já que, segundo ele, eram profundamente corruptos para uma tarefa como a de construir algo paro mundo. Essa "corrupção total", essa insuficiência é algo como que uma outra natureza. E quem buscar uma identidade entre isso e as as ideias defeituosas dos reformadores Lutero e Clavino sobre a "corrupção total", não buscará em vão - apesar de eles tentarem a todo custo refrear as consequências destas ideias em vida. É como constatou com felicidade o teólogo reformado Karl Barth no fim de sua vida: o pecado não pode criar uma natureza ao lado da natureza de Deus. O Pecado, definitivamente, não cria.       

    Cá em nosso século, várias formas de "sexo livre" e a compreensão da incontaminação moral do sexo livre possui o mesmo amoralismo gnóstico que se apregoava nos séculos iniciais do cristianismo. Da mesma maneira a tendência revolucionária de considerar qualquer autoridade algo maligno em si mesmo é, por sua vez, uma reminiscência do gnosticismo, ou melhor, a sua melhor expressão. A disjunção da natureza humana e a separação entre consciência e verdade é, da mesma forma, uma variação da impossibilidade da encarnação da verdade na história. Não por acaso que muito do irracionalismo iniciado pela filosofia nominalista, que visava preservar a autoridade da revelação cristã do ácido das especulações racionalistas, guarda uma identidade emergente com os totalitarismos autoritários a que o Ocidente se viu imergido durante o século XX e que tão de perto nos ameaça hoje. A egofania vista em movimentos totalitários que apregoavam a total destruição das amarras da tradição são hoje as mesmas vistas em indivíduos que desejando a plena liberdade das amarras dos compromissos com a comunidade e com a família, e acabam por gerar um solipsismo tipicamente Ocidental que geram indivíduos cada vez mais atomizados, solitários e sujeitos às garras de um poder superior como o Estado. O trabalho longo e doloroso de conhecimento, assimilação e superação foi suplantado pela iluminação gnóstica individual, e hoje temos tantas verdades como cabeças no mundo. Mas até mesmo como Bakunín previu: um poder organizado tenderá a absorver os átomos soltos. 

   Mas o gnosticismo não acaba por aí, disjunção do equilíbrio entre espírito e matéria, alcançado na Idade Média, acabou por gerar na modernidade a destruição do Rosto do Mundo. Como bem observou o filósofo Roger Scruton, a destruição da arquitetura tem todo esse caráter egofânico. A cisão entre o belo e o verdadeiro - união característica da tradição filosófica cristã medieval - arruinou os gostos. As pichações, os lixos nas ruas e a destruição das pequenas comunidades em nome dos grandes empreendimentos tem todo esse caráter revolucionário e desrespeitoso para com a boa criação de Deus que só um gnóstico consegue ao considerar toda a criação má. A deformação do corpo por meio de plásticas, as pichações corporais adquirem o caráter da profanação que tanto ofendem os olhos e o bom senso daqueles que foram chamados a cuidarem dos jardim de Deus, compreendendo o contexto das palavras divinas, segundo as quais tudo aquilo que Deus criou é bom. A disjunção entre essência e aparência, nesse sentido, caracteriza também a negação das possibilidades de o Verbo se tornar carne, e que destruir o mundo e o corpo é destruir o objeto de amor de Deus. 

   Diante destas considerações, quais são as implicações das narrativas da encarnação de Jesus Cristo no Mundo, o Cristo que partiu o seu corpo por nós? A evidência clara de que gnosticismo é destruição e radicalismo doentio deve ser acompanhada com a clara compreensão de que a modernidade, ao invés de ser a história crescente da racionalidade, é claramente a história do crescimento do gnosticismo. A compreensão da estrutura do "mito" da encarnação que pode oferecer uma base de razão que se vê num contexto de uma humanidade ameaçada por não compreender a si própria em sua unidade da relação divino-humana, devendo reagir a isso, ou seja: o mito formador cristão (no sentido de Schelling), sendo a base de unidade de sentido no Ocidente, é a única fonte de sentido na humanidade que pode curar esse processo destrutivo na alma do pensador místico. Sendo assim é dever individual não tomar parte na cultura da destruição, mas superá-la em si mesmo mantendo a integridade da consciência ameaçada de desintegração frente a irracionalidade destrutiva da presente modernidade.       

   

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Diversão, Velocidade e Preguiça: O Homem e a Fuga de Si Mesmo


   O mundo onde estamos demanda ação, velocidade e inovação para sobreviver e fugir do tédio. Contudo a impressão que temos disso tudo é que o nosso mundo está em plena fuga, e aparentemente não sabemos de quê. Mas arrisco um palpite.

   No início do século XX o jornalista inglês Chesterton dizia que a alta velocidade inovadora do mundo era sinal de sua preguiça. Segundo ele, se as pessoas de fato fossem produtivas elas estariam enraizadas e laborando sem deslocamentos. Ele também detectou nesta enfadonha correria uma fuga contra a reflexão que resultava do acossamento do homem pela busca da verdade.

   De fato: são tantas ideias, tantas formas de ver o mundo que nós devemos desconfiar sobre a extensão destes "pensamentos novos". A lógica, cujo primeiro sistematizador foi Aristóteles, até hoje, depois de 2.400 anos, não deixou de receber contribuições. É óbvio, por tanto, que a quantidade pensamentos existentes são semelhantes à Torre de Babel: construções deixadas ao meio, inacabadas por falta de material para a obra ou por preguiça pura e simples.

   A quantidade assustadora de movimentos e de novos empreendimentos, ao longo do tempo, tende a deixar claro o quanto o homem moderno é inseguro: são casamentos deixados ao meio, educação de filhos insuficiente, obras sem um prosseguimento duradouro, artigos de jornais de cinco parágrafos, avisos do ministério da saúde de menos de um segundo na televisão, festas, divertimentos e esquecimentos.

   Pascal, como um bom fisiologista da alma, compreendeu como por uma iluminação semelhante aos profetas, que o homem futuro seria alguém que faria do divertissement um elemento essencial para a vida, pois afastado do doloroso conhecimento de si o homem tentaria afogar o espinho na carne da consciência nos prazeres, na diversão. Contudo, como a consciência é um fato inexorável no homem, permanecendo durante toda a extensão da duração de sua humanidade, o afogamento da consciência seria uma constante. Teríamos aí, de forma concreta, o homem da fuga, que escapa de si mesmo e do fado da sua existência como um animal em agonia.

   Eis o retrato do homem moderno: o homem do divertissement  (diversão, entretenimento) que luta para não enxergar aquilo que é, e que afoga a consciência no entretenimento afim de que não se descubra a si mesmo como um animal do desespero. De fato, a modernidade é marcada por sua busca por libertação dos laços da tradição, da religião e dos fados que constituíam a barragem que o cerrava em um lugar mínimo de proteção. Contudo toda a proteção tem o seu ônus, sendo o mais marcante dele a restrição da liberdade e a uniformização por vezes tediosa da vida; e ao se arriscar em busca da liberdade, e rompendo suas barragens de proteção o homem se viu diante do "terror da liberdade".

   Reinventar a roda, com o fim da tradição, tornou-se a forma básica de existência humana por meio da criação de microcosmos e arranjos de fragmentos de ordem por meio dos quais os homens se isolaram de si mesmos. Se antes havia uma imensa homogeneidade que entrelaçavam os homens em uma rede comum de sentido, a disparidade de sentidos fez com que as pessoas criassem tais microcosmos, caminhos e leis individuais que acabaram por se colidirem umas com as outras. Mas a natureza abomina o vácuo, e o fim dos grandes sistemas de sentidos acabou por se substituído por uma uniformidade nova através da cultura do prazer e consumo, e por meio do rearranjo de sentido amparado em ideologias totalitárias que buscam reconciliar o mundo dos prazeres com um universo de sentido. Os slogans de "libertação", "bem-estar social", "poder", a imanentização da transcendência - cuja realização as religiões tradicionais como o cristianismo assinalava para o além mundo - com as utopias existentes no mercado das ideologias satisfizeram os homens que fecharam a sua alma para a realidade, fazendo com que houvesse uma substituição da realidade pela ideologia, migrando a imaginação dos homens para uma segunda realidade onde suas paixões foram elevadas às alturas da vontade divina.

   Em todos esses fatos em que reconhecemos um fechamento da alma do homem, não poderíamos desprezar a estupidez que daí resulte: ao se fechar para suas próprias agonias e para a voz divina o homem acaba por desconhecer a fonte real de sua vida e de seus problemas. A falsificação do mundo, o orgulho e a violência resultantes, marcas da pequena besta, são como que inevitáveis quando o homem, desconhecendo a si mesmo, não trilha nos caminhos demandados pela realidade, revestindo a sua sede por poder como a lei suprema do universo. A ignorância no lidar com a vida, a falta do confronto com a angústia e o desejo pela recompensa rápida e total em vida acabam por estupidificar e alienar o homem do mundo e de sua estrutura, de si mesmo e dos outros homens. A colisão do homem contra o homem é a marca do fim da razão, razão que só é possível quando ordenada pelo fundamento divino da realidade, e que, em nome do conforto, foi lançado para a lata do lixo da história.


   Não é difícil enxergarmos a razão pela qual uma explosão de retorno às tradições e à religião está sendo vista de maneira tão vigorosa em nossos dias. O terror que esta liberdade niilista nos legou com a sua metafísica do nada, fez com que se pudesse olhar para o terror de um mundo vazio de sentido e a tragédia resultante daí, onde cada home tornou-se o seu próprio Deus. Também é óbvio que a experiência moderna já deu conta da destruição resultante de o homem fechar a si mesmo para a estrutura da realidade, criando em substituição a ela fantasias, enterrando a sua alma na diversão e na sede irrestrita por poder, o que acabou por gerar uma conservative wave e muita "caretice". Ao retornar para os grandes depositários espirituais de valores, várias pessoas buscam um eixo do mundo, algo que, sustentando tudo o que existe de forma duradoura, pode sustentar também a vida daquele que a isso busca.

sábado, 11 de junho de 2016

A Livre Interpretação das Escrituras e o Nazismo: Nem Tudo São Trevas


O fato da liberdade vista por si mesma é algo que não pode ser considerada nem boa e nem má. O questão se desenha no horizonte na da própria liberdade, e dos atos livres que tomamos com base em nossa responsabilidade pessoal. Tais atos sim podem ser considerados bons ou maus, mas não a própria liberdade. Como disse o filósofo luterano Friederich Schelling, a liberdade é aquilo que ocasionou a queda do homem, mas é apenas por meio da própria liberdade que podemos restaurar a unidade original que desfrutávamos juntamente com o Absoluto (ou Deus), ou seja, se por um lado é por meio da liberdade que se erra, por outro é unicamente através dela que se acerta.
Tenho por tempos criticado a maligna história da interpretação bíblica calcada unicamente na liberdade. De fato, não conheço nenhum intérprete bíblico sério de peso que tenha deixado de lado a tradição de interpretação no interior do cristianismo como critério de interpretação e de fonte de pensamento teológico fundamental - o que também fizeram teólogos luteranos, condenando o liberticídio possível gerado no interior da teologia protestante da livre interpretação. Contudo, a liberdade no protestantismo não é de todo má - mesmo para Schelling que não obstante reconheceu a potência filosófica e literária oriunda da doutrina católica -, possibilitando na história a irrupção de pontos iluminadores de liberdade individual que permitem a resistência contra a tirania do pensamento único.
A história da Alemanha no período nazista é algo que comprova esta afirmação minha, sendo possível considerar o poder de resistência baseado na liberdade individual um fator - neste período - superior até mesmo à hierarquia disciplinar do colegiados de bispos católicos no mesmo período, ainda que a ideologia do Nacional Socialismo tenha devastado tanto igrejas evangélicas quando a Igreja Católica. É assim que o filósofo germano-americano Erich Voegelin relata como ocorreram as coisas no período, tal como segue: "Nada pode ser explicado como o lugar-comum do nacional-socialismo. É um caso de fenômeno pneumopatológico de corrupção social. Deve-se estar consciente disso acima de tudo no caso das Igrejas." (VOEGELING. Hitler e os Alemães. p. 207)
Mas comecemos com a corrupção da teologia evangélica no contexto do Nacional Socialismo. Tal corrupção esteve de mãos dadas com a absorção do Zeitgeist (espírito da época) por parte das Igrejas concomitante à perda do Elã espiritual e consequentemente à perda da realidade. Como Voegeling enfatiza, a consciência humana no âmbito da vida ou das construções intelectuais só são saudáveis juntamente com a consciência da presença divina - querendo ele enfatizar a ideia de que todas as ações e pensamentos humanos devem ser iluminados por um juízo superior sobre o certo e o errado. E quando a presença divina é substituída como elemento de juízo para a consciência humana por uma ideologia política daí o homem se encontra sujeito a toda sorte de corrupções, já que eleva um movimento político à altura de Deus.
Um exemplo claro disso foi a horrorosa Confessio do professor de filosofia da Universidade de Leipzing Ernst Bermann, onde recolhemos esta pérola: "Creio no Deus da Religião alemã, o qual se manifesta na natureza, no alto espírito do homem e no poder de meu povo. E no salvador Kristo [com um 'K' para parecer mais alemão], que luta pela nobreza da alma humana. E na Alemanha, a terra onde uma nova humanidade esta sendo forjada" (BERGMANN, Ernst. apud VOEGELIN. Hitler e os Alemães. p. 217)
Outro exemplo está na frase abaixo daquele que viria a ser o Bispo de Brandeburgo, o pastor Joachim Hossefelder que representava à época o movimento dos "Cristãos Alemães". As palavras nojentas são estas:"Estamos no terreno da cristandade positiva. [Isso está no programa do partido] Confessamos uma crença afirmativa em Cristo, conforme à raça [...], de acordo com o espírito alemão de Lutero [o que longe está de Lutero] e da piedade heróica (sic) [...] Vemos na raça, Volkstum, e na nação o que Deus depositou em nós e as regras de vida confinadas a nós, para cuja preservação existe para nós a lei de Deus. Por tanto, a mistura de raças deve ser combatida [...]
[...] Rejeitamos a missão judia na Alemanha enquanto os judeus possuírem o direito de cidadania e, então, o perigo do ocultamento da raça e do abastardamento continuarem. (GOLDSCHMIDT & KRAUS, apud VOEGELING. Hitler e os Alemães. p. 17)
E por último, temos da ala mais radical à esquerda à ala mais moderada temos uma declaração teológica de Friedrich Gebhardt, como segue:" A crença em Cristo é conforme a raça na forma, conforme com Cristo no conteúdo.
[...] O Novo Testamento em si é Evangelho, [e prestem atenção às confusão teológica com cheiro forte de gnosticismo] o Velho Testamento não se torna Evangelho nem mesmo através do Novo Testamento. [Portanto, fora com o Velho Testamento]
Israel foi o povo escolhido (Volk), mas Deus o rejeitou, e deu o Evangelho a um "povo" ("Volk") que daria seu fruto. [Ou seja, os alemães] Nenhuma nação pode vindicar o Evangelho apenas para si, mas Deus, mesmo hoje, ainda pode rejeitar povos, assim como fez uma vez. [dando a entender a eleição do povo alemão para os novos tempos]
Tal decadência esteve, como disse no início, arraigada na elevação das crenças da época ao nível da revelação divina, ou seja: a fé em Deus estava conformada ao espírito da cultura da época. Não há outro nome para isso que não idolatria - e severa, violenta e odiosa idolatria, que nada mais se constituí do que colocar os ideais, a cultura da época e a visão de um povo em substituição à vontade divina.
Contudo a corrupção no interior da Igreja Evangélica teve a sua contra-parte garantida por causa da liberdade de interpretação das escrituras. Se por um lado a ideia de uma interpretação oficial e definitiva não era algo inaceitável para a tradição evangélica, por outro foi ela mesma que tanto abriu as portas para a nazificação da teologia como permitiu que outros se opusessem à mesma nazificação. Nesse contexto podemos destacar personagem como teólogos de alto calibre como Rudolf Bultmann, Dietrich Bonhoeffer (sendo este martirizado por causa de sua oposição intransigente ao Nazismo), Joachim Jeremias e Karl Barth (todos ligados à Igreja Confessante), assim como a oposição até à morte de pastores como Paul Schneider.
De Rudolf Bultmann, em reação às declarações escandalosas da faculdade Erglangen, defendeu a universalidade do evangelho em contraposição à ideologia de separação de raças no contexto do Nacional-Socialismo: "A opinião de Erlangen não diz que todos os cristão tem uma adoção comum como filhos de Deus, o que não põe termo às diferenças sociais e biológicas? Ao contrário, não esta todo cristão ligado à posição em que é chamado? Sim, com justificação completa. [Agora vem esta passagem, I Co 7:20.] Estou surpreso com a temeridade do apelo a I Cor. 7:20. Pois não há nada para se ler aqui dizendo que essas diferenças também valem para o espaço da Igreja e têm significado. [...] Ao contrário! Paulo diz que as distinções que não tem sentido para a Igreja mantém a validade no mundo. Ele opõe I Cor. 7:17-24 contra esses tolos, que querem transformar os princípios da comunidade eclesiásticas em leis do mundo, contra o desejo de emancipação dos escravos e das mulheres [Por tanto, políticas igualitárias, já que todos os homens são iguais como filhos de Deus. A referência de Bultmann é correta.] E devemos agora perpetrar a tolice oposta de transformar as leis do mundo em leis da Igreja?" (GOLDSCHMIDT & KRAUS. apoud Voegelin. Hitler e os Alemães. p. 225)
Por outro lado temos a oposição tenaz de Karl Bart, aquele teólogo que ofereceu o espírito da constituição da Igreja Confessante - que surgiu como uma reação à nazificação da Igreja Protestante (o que refuta a tese de certa ala católica radical de que a Igreja Protestante se presta à deificação incondicional do Estado) -, a Declaração Teológica de Barmen. Eis algumas passagens da declaração teológica: "Rejeitamos a falsa doutrina de que a Igreja teria o dever de reconhecer - além e aparte da Palavra de Deus - ainda outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como fontes da sua pregação e como revelação divina. [...]
A Igreja Cristã é a comunidade dos irmãos, na qual Jesus Cristo age atualmente como o Senhor na Palavra e nos Sacramentos através do Espírito Santo. Como Igreja formada por pecadores justificados, ela deve, num mundo pecador, testemunhar com sua fé, sua obediência, sua mensagem e sua organização que só dele ela é propriedade, que ela vive e deseja viver tão somente da sua consolação e das suas instruções na expectativa da sua vinda.
Rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes." (Declaração Teológica de Barmen, parte I e II)
É nesse espírito que uma ala importante das Igrejas Evangélicas do período Nazista conseguiram se safar da conformação acachapante a que foi submetida toda e qualquer instituição cultural alemã no período. Isso foi possível pela ausência de uma doutrina que submeta as doutrinas teológicas a uma rígida hierarquia autorizada para interpretar o Evangelho. A tragédia das igrejas católicas na época, que no período devido à busca da unidade episcopal decidiu, na Alemanha, se submeter às leis do país afim de não parecerem "subversivos", foi justamente colocar a unidade acima de uma confrontação direta com o regime, ainda que bispos aqui e ali se pronunciassem de maneira profunda contra a barbárie Nacional Socialista, e mesmo que a oposição à ideologia socialista tenha sido feita por meio de documentos muito antes da ascensão de Hitler ao poder, o que não houve pelo lado protestante - muitas vezes possível por conta do considerável background filosófico católico, superior ao backgrund filosófico protestante, ainda que esse último tenha a vantagem de possuir uma tradição de verificação científica das escrituras muito superior ao mesmo domínio científico católico.
Por fim, a questão da liberdade de interpretação, tal como desejei apresentar aqui, é algo ambíguo, tal como o é a liberdade: é algo que deve ser julgado na prática, pois se a liberdade de interpretação for tomada como um bem em si mesmo, devemos ter em mente que é unicamente por meio da liberdade de interpretação que opiniões teológicas degeneradas formam tendências destrutivas para a Igreja. Mas isso não é um mal em si, pois sem a liberdade não teríamos chance de colher interpretações saudáveis, espirituosas e profundamente significativas para a vida espiritual que enchem de vida as comunidades eclesiásticas evangélicas.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

William Godwin: Hipocrisia, Utopia e as Ilusões de um Gnóstico

    O Britânico William Godwin figura entre os ícones do iluminismo britânico. No entanto não seria injusto também colocá-lo como um ícone marcante do hagiógrafo gnóstico-político dos tempos modernos. Seguidor de outro adepto do gnosticismo, Benjamin Franklin, Godwin levou os ensinos do seu "mestre" às últimas consequências; e embora Franklin não tivesse desejado tais consequências, tão pouco poderia ter evitado algumas delas através do seu próprio pensamento.

Mas o que é gnosticismo? O gnosticismo trata-se de uma heresia que remonta aos princípios do cristianismo. Alguns afirmam a sua origem já na época de Paulo, tendo a Epístola aos Colossenses uma certa polêmica contra alguns cristãos que endossaram pensamentos proto-gnósticos dentro da comunidade de Colosso. Mas a matéria substancial desta heresia estava em alguns princípios que poderiam ser derivados de filosofias de natureza neo-platônicas, cujo conteúdo centra-se basicamente na compreensão de que a realidade material é essencialmente má, sendo o universo do espírito essencialmente bom - o que, diziam eles, acabava por configurar a realidade corpórea como uma prisão da qual o espírito teria a necessidade de se libertar.

O grande representante do gnosticismo foi Marcião, o mesmo que afirmava que o Deus Criador do Mundo e da realidade material era um ser maluco o - o mesmo que era responsável por guerras, por derramamento de sangue, pelas privações e sofrimentos físicos -, sendo este o Deus do Antigo Testamento. Já o Deus do Novo Testamento era aquele ser bondoso que enviou o seu Logos (Jesus Cristo) e que ensinou um caminho a um grupo seleto - não os apóstolos, que eram insuficientemente sábios para apreender o seu "verdadeiro discurso" -, cuja finalidade era a libertação desta vida para uma realidade superior. Com isso Marcião não reconhecia a continuidade espiritual do Antigo e do Novo Testamento e nem mesmo concebia como possível que o Deus Pai de Jesus Cristo teria criado o mundo e a realidade material - sendo esta má em si mesma -, mas sim o espírito, de onde a salvação se alcançaria através de uma determinada gnose (que em grego significa ciência ou conhecimento) ou doutrina secreta transmitida por gurus iluminados.

De longe o gnosticismo foi a maior ameaça à Igreja Cristã. Maior do que os arianismo, adocionismo nestorianismo, patripassionismo, pneumatoquismo, modalismo, monofisismo, monotelismo etc. E não estranhamente, ele é a própria plataforma cognitiva e afetiva de vários movimentos políticos seculares, notavelmente aqueles movimentos messiânicos que procuram instaurar os céus na terra. Por mais incrível que possa parecer, Erich Voegelin trata deste assunto de forma incrível no livro "A Nova Ciência Política", onde demonstra traços do gnosticismo inerente em várias correntes de pensamento, notavelmente no movimento Nazista, Comunista e nos milenaristas modernos - que transferem a esperança das religiões tradicionais a ser consumada na eternidade para o terreno da imanência, sendo a política o instrumento de transfiguração do mundo em um paraíso por excelência.

Mas quais os traços da doutrina gnóstica de William Godwin? Godwin, que era ateu, nutria uma esperança profunda na razão humana. Mas não qualquer esperança, pois acreditava que através do aperfeiçoamento infinito da razão o homem poderia alcançar a perfeição de espírito, o que transmutaria a realidade corpórea (sendo tragada pela realidade do espírito) e faria desaparecer o desejo sexual, os apetites, o sono, a fome, tornando o homem aperfeiçoado imune a doenças, ao cansaço e outras paixões humanas (lembre-se de doutrinas que afirmam que a vontade pode transmutar a ordem da realidade e anulá-la, e a consideração da realidade material como má e inútil). Também levou a doutrina da perfeição humana consequentemente para o terreno da política, pois segundo ele, na medida em que a humanidade fosse aperfeiçoada ela não haveria a necessidade de governo, pois não haveria mais desníveis e os homens sábios. Todas as classes seriam abolidas e a propriedade privada seria extinta. Da mesma forma os contratos não seriam necessários e a instituição do casamento ("a instituição odiosa", segundo Godwin) haveria de cessar, pois ela não caberia na mente de homens verdadeiramente livres. Desta liberdade total seguiria o verdadeiro paraíso humano neste mundo agora transfigurado pelos plenos poderes da razão.

Mas a "má matéria" sempre nos pregam peças, e, como dizia o filósofo Horácio, quando lançamos a natureza para fora da casa pela porta ela volta com o dobro da força pelas janelas. Aos 40 anos de idade - como relata Gertrude Himmelfarb no seu livro "Caminhos Para a Modernidade" lançado em 2011 no Brasil pela editora É -, Godwin conheceu uma mulher de baixa reputação chamada Mary Wollstonecraft (considerada até uma matriarca do movimento feminista pelo teor de suas ideias sobre a mulher desfeminizada e racionalizada - que mais parece o homem fálico de Lacan), por quem se apaixonou e, um ano após conhece-la, casou-se. Wollstonecraft morreu pouco depois em trabalho de parto. Contudo nem por isso ele se viu livre depois que foi picado pela odiosa aranha da concupiscência: casou-se com outra mulher pouco tempo depois, e com as obrigações estabelecidas foi "obrigado" a surfar na ignomínia do livre-mercado para honrar seus compromissos, mas sem êxito. Daí em diante a vida de Godwin tornou-se uma verdadeira sátira: adorava Mary, sua filha, e desesperou-se quando ela fugiu, ao dezesseis, com um homem casado que professava segui-lo - e cujo desleixo com seu casamento não pode ser considerado como algo inconsequente com as ideias de Goldwin. Depois que a mulher deste homem morreu Godwin, traspassado por um patriarcalismo arraigado, instou para que este se casasse com sua filha. Ficou feliz com o casamento realizado, e, em suas palavras, "eu não me importo com a riqueza quanto pelo destino de minha filha", pois o homem era um barão rico, a quem, por ironia do destino, Godwin não se furtava, mesmo antes do casamento de Mary, a pedir dinheiro, tendo êxito considerável nesta empreita - e cá entre nós: nenhum racionalista gnóstico é de ferro, não é mesmo? Contudo, no fim da vida, Godwin, segundo Himmelfarb, fez de maneira relutante algumas concessões à ideia sobre a impossibilidade de materialização do seu pensamento, pois seria difícil imaginar tal futuro concretizado levando em consideração a constituição não puramente racional, mas passional, do homem.

E isso nos leva a considerar um traço característico dos radicais de hoje que insistem em expulsar a natureza pelas portas, pois muito do movimento que eram pela classe operária, em nome de uma libertação absoluta, acabou gerando uma opressão indescritível e escravização dos mesmos trabalhadores (a natureza volta dobrada pelas janelas); aqueles que consideravam uma determinada raça uma ameaça para humanidade tocaram fogo no mundo, colocando a vida de milhares em risco pelo ideal de pureza. Pessoas que lutavam pela "ética na política", gritando de maneira histérica contra os poderosos e contra a presença de ladrões do legislativo conseguiram corromper as instituições de maneira nunca antes vista, criando uma cleptocracia nunca antes existente e empreendendo roubos nunca antes pensados. Mas esta parece ser o fim de toda utopia e de todos aqueles que prometem um mundo de perfectibilidade.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Conservação e Amor


   Há uma sentença que está no meu coração e que molda toda a minha imaginação sobre a forma com a qual busco tratar todos os problemas da minha vida. Essa ideia estava em forma seminal de um sentimento que me perseguiu em um dado momento da minha vida no qual pensei que tudo iria ruir sob os meus pés. Contava eu com 18 anos quando uma experiência muito intensa e dolorosa se abateu sobre a vida deste que vos escreve - e que levou dois anos de uma vida saudável para longe de mim.

   Sem entrar em detalhes, um dos sentimentos que mais poderosamente se apossava de mim era, em meio a todas as crises, uma saudade imensa por uma vida normal. Em meio ao caos (palavra que sempre aparece onde escrevo e que é clara para mim por causa de minhas experiências muito concretas) e confusão quase absolutos, a ânsia pela normalidade e estabilidade tanto emocional quanto mental foi algo perseguido quase como que obsessivamente, fazendo com que eu entrasse em um ciclo vicioso, já que a ansiedade na busca pela normalidade só me fazia ficar ainda mais ansioso.

   No entanto, em meio aos escombros sob os quais eu me apoiava ainda havia um vestígio de ordem - uma pequena luz que restou por causa da minha fé em Cristo (que para mim era e é a razão do bem de todas as coisas). Foi a partir deste ponto que muitas outras coisas se restauraram como que num movimento de ressurreição, onde as trevas e o movimento caótico sob o qual transitava a minha vida passou pouco a pouco para uma plano mais ameno, ensolarado e pleno de bonança - ainda vivo sob estes dias dóceis.
   
   Contudo ganhei uma aversão à desordem e ao caos, e um amor insuperável por amenidade e um desejo resoluto por ordem e pela conservação daquilo que amo - como uma vida digna e amena, e daquelas coisas que para mim muito significam - e que ficou vividamente impresso, como que sacramentado, em meu espírito. E voltando à sentença, ela é a do pensador luso João Pereira Coutinho: "Todo homem é conservador com relação àquilo que ama" - se referindo também a um estado de espírito ao lidar com todas as coisas da vida, e a uma prudência característica daquele que sabe que tudo o que é bom na vida é ganho aos poucos e, por descuido, perdido de uma vez. E nada mais verdadeiro do que isso, pois um mundo de radicalismos, antagonismos e de desagregação normativa, como diria T. S. Eliot, é incompatível com a natureza humana - sei-o bem. É justamente isso que anuncia a existência de algo para o homem como uma ordem que para ele foi criada, sendo o homem criado para esta mesma ordem - como diria Russel Kirk.

   Esta experiência de desagregação e aniquilação interior me instruiu para a compreensão de que não há um bem maior para o homem do que fazer todo o possível para manter, conservar e amar as coisas que nos dão a oportunidade de desfrutar daquela ordem, daquele bem luminoso e saudável para o qual fomos criado. E é justamente este amor pela ordem e pelo SUMMUM BONUM (o mais alto bem) que conserva as nossas vidas, e que pode lançar para fora a aniquilação destrutiva que esmaga o homem em meio àquela confusão aniquiladora e hostil a tudo aquilo que um dia foi chamado à existência.

OBS: A ilustração é da capa do livro "Crime e Castigo", da editora 34, feita por Evandro Carlos Jardim.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Justiça Social e Economia


   A ideia de que o pensamento social-liberal não se preocupa com pobres é uma mentira, ou resultado de má informação, ou, em último caso, de má-fé pura e simples. A questão é a seguinte: como remediar a questão da pobreza? Se for por meio do crescimento vertiginoso do Estado em prejuízo do empreendedor ou da renda familiar, resultado do aumento escandaloso de impostos - sob a desculpa de que é somente assim que se faz "distribuição de renda", ou se ajuda os pobres - então teremos o velho caminho socialista; no entanto se a questão passa pela diminuição de impostos, por se compreender que o melhor programa social possível é um emprego, e que, por tanto, incentivar o empreendedor por meio da diminuição da carga tributária e a diminuição do Estado - carregado da missão de resolver as tarefas essenciais (como policiamento, justiça, legislação etc.) -, então teremos também justiça social ao modo anglo-saxônico (o melhor programa social conhecido na história). Quem estudou um pouquinho de filosofia política e sabe o que foram os governos de Margareth Tatcher (no Reino Unido) e Ronald Reagan (nos EUA) sabe um pouco o que isso significa. Mas se para haver justiça social devemos enveredar pelos caminhos da Venezuela ou de Cuba - por achar que justiça social é o mesmo que igualdade de renda (o que é um absurdo monstro, pois não há nenhuma civilização na história que tenha conseguido isso) -, então é melhor ficar com as "injustiças" da sociedade de mercado marcada pelo liberalismo econômico.
PS: Lembrem-se deste versículo antes de pensarem, pastores vermelhos: "Quando o governo é justo, o país tem segurança; mas, quando o governo cobra impostos demais, a nação acaba na desgraça." (Provérbios 29:4)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Calculistas Vis e o Milagre




   Quem está vivo está sujeito a cometer crimes. Nesse sentido, um ser humano, dentro do campo das possibilidades, possui tanto um potencial para o bem quando para o mal. Ele pode vir a ser um assaltante, um batedor de carteira, um ladrão, ou pode vir a ser filiado ao PT. É uma questão de possibilidades ... Também pode vir a estuprar. Mas será que para não "corrermos o risco", podemos eliminar o mal pela raiz? Um radical proporá que para evitar crimes seria necessário eliminar o homem da face de Terra. Por isso, na crista das boas intenções até o genocídio pode ser uma boa opção por um mal menor, pois o pragmático e calculista fará as contas: "se o homem continuar a viver por um milhão de anos, segundo os meus cálculos ainda cometerá uma certa quantidade de crimes e assassinatos, e tantos assassinatos cometidos em um mesmo ano, eliminando a humanidade do mundo, não será nem a milésima fração da quantidade de crimes e sofrimentos que ele provavelmente poderá vir a cometer em um milhão de anos - por tanto, para o bem, e para preservarmos o universo de tão hediondo ultraje, eliminemos o mal pela raiz". Esse é o calculo feito também pelo abortista fanático, pois ele se preocupa demais com a ideia de custo-benefício, pois jamais poderá compreender qual é a aventura de estar vivo e como é que um pequeno ato de amor no mundo pode justificar a existência humana inteira assim como a existência de todo o universo, pois isso, por si mesmo, fugindo de toda ideia de cálculo - pois o amor não é quantificável, pois sua origem é eterna -, se põe muito acima de todo o sofrimento e de todo o mal possível.

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   Milagre é, mesmo em meio a um mundo onde tudo aparentemente foi feito para dar errado, em meio a um cosmo aparentemente indiferente e até mesmo hostil à existência do homem, ver a bondade brilhando inexplicavelmente no rosto do homem. A bondade, a generosidade e o amor não são possibilidades inerentes à natureza das coisas, como que produzidas por elas mesmas. São milagres explicáveis e justificáveis somente se há uma eternidade por trás de tudo o que existe. Por tanto a bondade brilhando no rosto do homem só pode ser justificada à luz da existência de um Deus de amor eterno. Com isso, se a mente do homem estivesse em estado de lucidez, vendo claramente as coisas, não seria a existência da maldade no mundo aquilo que deveria chocá-lo. Absurdo não é, em meio a tudo, a existência do mal e do sofrimento, mas sim a existência do bem e da felicidade. E é isso, e não outra coisa, que pode nos conduzir à compreensão de um sentido para a vida, pois sem isso a razão humana entraria em agonia, pois acima de tudo, de todo o sofrimento e de todos os males que se abatem em nossa vida, a possibilidade da vida, do amor e da felicidade é algo sumariamente impossível, incompreensível, mas nem por isso irreal; é um fato que se renova todos os dias diante de nós mesmos e que, por milagre, flutua contra todas as possibilidades da razão em meio ao nada. 

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Notas Sobre o Respeito à Opinião



   Você pode respeitar o direito do outro ter uma opinião que não a sua. Mas dizer que se é obrigado a respeitar as opiniões de maneira incondicional é um truque, um negócio meio louco, e uma exigência estritamente desonesta, no fim das contas - coisa que existe apenas para Deus (que sempre está certo) e em ditaduras, onde a ideia do mais forte (o ditador) deve ser respeitada a todo custo. Essas coisas são calaras também nos seguintes casos: não podemos respeitar a ideia de um genocida; de um trapaceiro ou de um sabotador que, com ares de bondade, busca subverter as coisas por dentro se fingindo de amigo e colaborador; e muito menos devemos respeitar aquelas ideias cuja bondade está exposta apenas no enunciado da ideia, na proposição, mas que são desastrosas quando colocadas em prática. É claro, qualquer indivíduo que busca ter uma opinião - já que ter opinião para tudo é falta de bom senso - deve, para isso, estudar os fundamentos da sua própria opinião, não sendo irresponsável para divulgar a esmo aquilo que não sabe. Mas o que devemos fazer? Devemos medir o grau da coisa, e, entre outras coisas, compreender que uma opinião não é uma pessoa. Uma opinião podemos jogar no lixo; uma pessoa devemos procurar amar - e, se possível, livrar esta pessoas de ideias que irão destruí-las e destruir outros. Penso que é por aí que são consideradas as coisas.

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   Chegamos a um período de inversão louca: antes desrespeitávamos ideias, mas reconhecíamos por traz delas uma pessoa que geralmente era superior às ideias mesmas; hoje se força a respeitar a todo custo uma ideia divergente, mas em troca se desconsidera com isso em sua totalidade as pessoas. Isso ocorre porque o "respeito às ideias", sejam elas quais forem, eleva ao grau de dignidade as concepções de mundo mais loucas, foçando todos a lidarem com elas com ares de respeitabilidade, exigindo, de quebra, que todos se portem com base em um fingimento imposto pela regra do "respeito", o que, como diria C. S. Lewis, acabava por formar homens sem peito. Sou mais adepto do método de discussão ao modo dos monges medievais, os quais entravam em uma espécie de "delirium tremendum" no momento da defesa de suas teses, mas que conseguiram manter unido um continente por um período de mil anos. Foi quando as boas regras de refinamento burguês entraram em jogo que deu-se o início ao império do fingimento. Por tanto o cacoete de bom-mocismo de "respeito à opinião do outro" é puro fingimento burguês. O máximo saudável é respeitar o direito do outro de ter uma opinião, e não o de respeito irrestrito à opinião, pois no caminho dos mais entendidos há a compreensão de que é apenas o tolo que respeita incondicionalmente A opinião em si, seja a sua mesma, seja a de um outro.

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   Nenhuma opinião é desinteressante em si. Elas podem curar ou matar, fazer viver ou deixar perecer. Neste campo não existem trivialidades, pois uma ideia, por mais tola que seja (e justamente por ser tola que deve ser considerada perigosa), pode fazer errar uma vida por toda a vida. No mundo das opiniões não há reclamação de inocência. E neste campo, calar frente à incerteza é amar o próximo. Tão tolo quanto quem não sabe o que fala é quem decide disciplinar com clichês o debate com regras que militam contra a razão, sendo um destes clichês o afamado "respeito à opinião". Bem, se refletirmos bem o que significa isso chegaremos à descoberta que trata-se de uma regra imoral. A ideia de "respeito à opinião" nasce da má compreensão sobre a liberdade de expressão. É um filho bastardo e sem herança de tal ideia. No mundo ocidental, segundo o free speech, a ideia nada mais significa do que o direito garantido pela constituição de alguém não ser morto por causa de proclamar um pensamento divergente. Mas é claro que ainda assim isso não significa que eu possa pregar o genocídio de judeus, por exemplo, pois há limites claros entre o free speech e a apologia ao crime. Por tanto não se trata de "respeito à opinião", mas de resguardar o indivíduo que opina do rancor das massas, do grupo divergente ou daquele que pensa o contrário. Mas notem que o que se quer passar por pensamento livre com a ideia de "respeito à opinião" é o fim de toda a divergência e livre opinião, pois respeito tem-se daquilo sobre o qual concordamos e qualquer concordância é, também, uma discordância do contrário, um desrespeito - por assim dizer - daquilo sobre o qual não concordamos por concordar com outra coisa (é necessário decidir). Por isso é forçoso concluir que a própria ideia de "respeito à opinião" nada mais é do que a manifestação de uma ira contra a realidade, um desejo de eliminação da divergência – sem a qual o raciocínio para o próprio indivíduo, no processo meditativo, é impossível, pois precisa comparar ideias contrárias, confrontando-as - e algo que só pode culminar na própria destruição do pensamento e de todo o raciocínio livre, visto que se eu sou obrigado a respeitar a opinião divergente não é possível discordar, pois discordar (palavra que se relaciona com discórdia) é, no fundo, não respeitar a opinião (ainda que devamos amar os indivíduos e às vezes discordar deles por amá-los). Em fim, a má ideia sobre o "respeito à opinião" é o caminho para a destruição e supressão dos indivíduos pensantes, pois todo o pensamento está ligado inevitavelmente sobre algo que reflete. 

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Notas Sobre a dita "Cultura do Estupro"



   Será que é possível perceber que quando se diz "há uma cultura do estupro no país", o que se faz é retirar dos trinta e tantos elementos o peso da responsabilidade pessoal do crime e transferi-la para uma abstração que não pode ser convocada para um tribunal chamada "cultura do estupro", que ninguém sabe onde está, mas que se afirma poder possuir um poder superior ao arbítrio humano? E também a ideia de "cultura do estupro" é por si mesmo absurda, já que é o mesmo que afirmar que existe uma "cultura do assassinato". Cultura temos muitas - e más culturas -, mas nada oficializado como "cultura do estupro" - que é apenas uma pólvora para o canhão do louco movimento feminista -, sendo o estupro odioso até mesmo para delinquentes. 

   A politização de tudo é um sinal de doença. E a politização do crime é algo ainda pior, pois anula o fato de que crimes são praticados por indivíduos, transferindo a culpa para um "movimento histórico" que se supõe superior ao poder de escolha do homem, e que nunca pode ser julgado ou condenado a não ser na pessoa do criminoso. O que aconteceu ali não foi o resultado de uma "cultura", mas de uma disposição criminosa de trinta e tantos homens - e que devem ser condenados.

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   Evidentemente, jogar a culpa do estupro no cristianismo ou em pastores é um das difamações comuns, e um dos mecanismos mais evidentes para atingir desafetos. Vocês perceberam o que é o engodo da "cultura do estupro"? É retirar a culpa dos trinta e tantos homens, transferi-los para um esfera abstrata para depois atacar a fonte de tal "cultura", que seria o "patriarcado cristão, bíblico" e que nada tem com o "Novo Testamento" - há, este último é para provar como são bonzinhos, pois o que é Novo Testamento não é aquilo que é pregado pelo cristianismo tradicional, mas aquilo que a mente da "nova geração" descobriu. Era mais que óbvio que isso, de uma forma ou de outra, iria cair em cima de um bode expiatório, um ser odioso - mas inocente - no qual se coloca a culpa das mais desavergonhadas culpas pessoais. Ninguém neste misero mundo é culpado por suas ações, salvo pastores, padres e o maldito cristianismo tradicional (que não é uma pessoa, mas algo - vale lembrar), fonte de tudo o que é escória neste mundo.

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   Relembremos o que fora uma sociedade realmente patriarcal, como a sociedade israelita antiga, onde um estuprador tinha a sentença de ser esmagado por pedras. Então, por favor, estudem kids!!! - como dizia Chesterton: para intelectuais o cristianismo é o responsável pela mais voraz e viril das impiedades, guerras, mortes e maldades do mundo; mas, estranhamente, também pela piedade misericordiosa mais efeminada e desencorajadora de vinganças, responsável pela indolência com relação ao mal. Da mesma forma, podemos ver as seguintes acusações: a pregação da castidade é algo considerado anti-humano e monstruoso para as lentes filosóficas embaçadas e arranhadas de um filósofo como Nietzsche; também não fica atrás a "desumanidade" da ideia de que o homem como cabeça da mulher, segundo uma hierarquia estabelecida por Deus - tal como compreendem o cristianismo -, leve, segundo a cabeça aguda de alguns que dizem pensar, ao estupro - tal relação de causa e feito infalível é para mim alto demais, como se isso fosse univocamente claro a tal ponto que nenhum mortal pode ver a olhos nus, como é o caso do Sol. Contudo, quem é que entende, quando ninguém deseja entender nada, mas apenas atacar alguém que não contra-ataca e, de quebra, se fazer de bom? De gente "boa" o mundo esta cheio a ponto de vomitá-las da sua boca.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

O Progresso


   A ideia de progresso tem duas escolas especiais, ambas dotadas de esquisitices: uma apela para um fim utópico e que independentemente das ações que se empreenda para se chegar lá, sejam revoluções, assassinatos ou roubos, o nobre fim a todos esses meios justifica; a outra escola afirma que tudo o que é moderno é bom-em-si, e que ir para frente, rumo ao diferente, é o que importa (mesmo que andar para frente seja caminhar para um abismo).

   Contudo, como diria Lewis e Chesterton, o progresso significa avançar para um campo de repouso, o que implica também regressar, tal vez, a um lugar de onde nunca deveríamos ter saído. No livro Cristianismo Puro e Simples de Lewis vemos uma alternativa a estas duas escolas, como segue:

"Progredir, porém, é nos aproximar onde queremos chegar. Se você tomou o caminho errado, não vai chegar mais perto do objetivo se seguir em frente. Para quem está na estrada errada, progredir é dar meia-volta e retornar á direção correta; nesse caso, a pessoa que der meia volta mais cedo será a pessoa avançada." (LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. p. 39)

   Com isso se torna evidente o porquê de que aquilo que no cristianismo se constitui como um ponto alto da vida humana seja chamado conversão, que é o caminho inverso daquele que a humanidade tomou no Éden, quando decidiu, em nome da independência pessoal, de uma proposta boa e agradável aos olhos, se apartar de Deus, avançando no fundo em direção ao caos. Na conversão tomamos um rumo diferente, retornando à união original com Deus, aquela que constitui a verdadeira razão de ser homem.

sábado, 14 de maio de 2016

AOS RELATIVISTAS - que assim o são até o dia do pagamento


   Àqueles amigos meus que se dizem relativistas e que não creem em verdades absolutas - que assim o são apenas até o dia do pagamento, quando afirmam que receber por aquilo que se trabalha é algo amparado em uma moral de validade absoluta e universal; uma "verdade-em-si", como diria um inimigo de Nietzsche, ou um bom metafísico -, seguem as palavras de C. S. Lewis:

   "[...] quando você considera as diferenças morais entre um povo e outro, não pensa que a moral de um dos dois é sempre melhor ou pior do que a do outro? Será que as mudanças que se constatam entre eles não foram mudanças para melhor [para aqueles progressistas que acham que qualquer mudança por si só é um "bem-em-si"]. Caso a resposta seja negativa, então está claro que nunca houve um progresso moral. O progresso não significa apenas uma mudança, mas uma mudança para melhor. Se um conjunto de ideias morais não fosse melhor do que outro, não haveria sentido em preferir a moral civilizada à moral bárbara, ou a moral cristã à moral nazista." (C. S. Lewis. Cristianismo Puro e Simples. p. 18)