quarta-feira, 26 de março de 2025

Liberdade e Necessidade

    Conceitos como "liberdade" e "necessidade" estão presentes no entendimento comum, mas porque não tomados de maior precisão acabam mais confundindo o juízo do que esclarecendo as coisas. Infelizmente a confusão não costuma ficar restrito ao campo mental dos confusos, mas tende a transbordar, junto com seus monstros, à história e, mais precisamente, para o campo da política e da religião.

    No campo da política e do direito, hoje em uma configuração encabeçada pelo campo mais associado à direita, a liberdade tomada em sua forma mais abstrata (não atravessada pela reflexão) se confunde mais com o simples arbítrio do que se identifia com o conceito de liberdade - e aqui conceito significa a verdade da coisa, por exemplo quando dizemos que alguém não é um simples amigo, mas um verdadeiro amigo. Assim se toma a liberdade em seu sentido abstrato como fazer o que cai imediatamente na vontade. É assim que se toma, por exemplo, o que se entende por "liberdade de expressão", o que acaba por criar monstruosidades políticas que permite o agrupamento de pessoas que alimentam a opinião que se devem exterminar certos grupos étnicos afim de atingir certo fim político. 

    O primitivismo legal nesse tipo de pensamento ignora o conceito próprio de liberdade, pois a universalização desse ponto de vista redundaria na destruição da própria liberdade e na extinção mútua dos termos, como se alguém pudesse ser aniquilado unicamente por ser o que é, e não pelo modo pelo qual é, transpondo o juízo para a substancialidade mesma e não para a qualidade que inere a substância, o que seria destruir corromper a própria razão e o juizo facultado por ela. 

    Antes, à liberdade convém a necessidade, como ao homem convém a justiça, pois o ponto mais alto da liberdade é a unidade da liberdade com a lei, e por isso com a necessidade. Só ao "escravo por natureza", como diz Aristóteles, convém a liberdade arbitrária, pois descasa o arbítrio com a razão, produzindo atos meramente contingentes em conformidade com a irracionalidade destituída de toda forma e princípio. Também não convém à justiça e a bondade moral o seguimento do necessário como que destituído do amor, como faz o estóico que aceita as determinações do mundo sem passibilidade, ou seja, como quem as aceita [abstratamente] como coisas em si mesmas que não podem ser diferentes, mas não as coisas como para si mesmo. Mas ao cristão, ao contrário, convém o amor à lei divina como "lei da liberdade", e só a ele compete acatar os eventos do mundo como "vontade de Deus", e só ele pode atingir a liberdade em sua concreticidade última (Tg 1.25), pois o acatar livremente a lei e os mandamentos de Deus é o próprio amor a Deus (Jo 14.21-23), donde concluímos que o ladrão da cruz que aceita ser justo seu estado enquanto tal, submetido ao juízo e ao castigo que a ele competem (Lc 23-39-43), é infinitamente mais livre do que o libertino que continua desenfreadamente em sua libertinagem; assim aquele que fala insanidade sem freios é um escravo agrilhoado se comparado àquele que livremente se cala em conformidade com a razão.

E determinar mais o que foi dito:

"Donde se pode também concluir como é absurdo considerar a liberdade e a necessidade como exclusivas uma da outra, reciprocamente. Sem dúvida, a necessidade [abstrata] enquanto tal ainda não é liberdade; mas a liberdade tem como sua pressuposição a necessidade, e a contém suprassumida dentro de si. O home ético é consciente do conteúdo do seu agir como de algo necessário que é válido em si e para si, e com isso sofre tão pouco prejuízo em sua liberdade, que essa se torna antes, por essa consciência, a liberdade efetiva e rica em conteúdo; diferentemente do arbítrio, enquanto é a liberdade ainda carente de conteúdo e somente possível. Um criminoso, que é punido, pode considerar a pena que o atinge como uma coerção de sua liberdade; de fato, porém, a pena não é uma violência estranha a que está submetido, mas somente a manifestação do seu próprio agir; e, ao reconhecer isso [como justa pena], comporta-se assim como homem livre [que em liberdade consciente reconheceu a necessidade]; Em geral, essa é a mais alta autonomia do homem: saber-se como determinado pura e simplesmente pela ideia absoluta; essa consciência e atitude que Espinoza designa como 'amor intellectualis Dei'"*.


*HEGEL, G. W. F. - Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Tomo I: A Ciência da Lógica. § 158, Adendo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário