Confesso: chego no
espaço democrático (Facebook, por exemplo) para ficar deprimido. Tenho certeza
imensa de que aquele que cunhou a frase "vox populi vox Dei" (voz do povo, voz de Deus) deveria estar com
uma imensa vontade de pecar, jogando o nome e a sua memória na lata do lixo da
história, ou com vontade de lançar afagos para a grosseria afim de conquistar um determinado
"prestígio". Penso que a transformação da vontade do "povo"
- e isso não quer dizer que não se deva levar a sério o senso comum - em
substância canônica só serve para duas coisas, no mínimo: 1) para diluir a
inteligência, criando o reino da mediocridade; 2) para a manipulação. Isto é um
fato que o bom senso me obriga a aceitar. Não tenho desejo de ser político, e
isto me confere a liberdade da sinceridade - mesmo entendendo que a ocultação
da verdade por parte destes seja, em um regime cujo fundamento está no
"povo", não seja ausência de virtude, mas obrigatório.
Existem algumas
coisas que devemos entender de maneira definitiva: a permanência de uma
aristocracia do pensamento, no terreno da história, sempre foi a condição
fundamental para a subsistência e formação da civilização, e a proteção dessa
contra o barbarismo. Não é por acaso que subsiste na memória nacional dos
países que deram certo - para o orgulho de seu povo - nomes ligados a grandes
feitos, cujo esquecimento está profundamente relacionado à decadência dos
mesmos. Entre estes nomes estão clérigos, generais e sábios. E para quem pensa
que toda forma de poder é absolutamente má - fruto de uma inveja que não deixa
dormir -, é estranho constatar que a maior gana destes "populistas"
seja justamente o poder, do qual abusam até ao clamor dos céus. Regimes
fundados em um discurso populista, ralé e anti-poder não me deixam mentir:
Hitler, Stálin, Mao Tsé-Tung são as grandes testemunhas deste fato no grande
tribunal da história, já que esta - como já afirmou Thomas Paine - convence
mais do que a razão.
Lendo hoje o livro
de Theodore Dalrymple - uma destas luzes que a providência nos lança em meio a
este mundo confuso - (com qual o meu amor - a Gabriela - me presenteou), vejo
o quanto algumas sutilezas - que são tão fundamentais quanto o ar que
respiramos - escapam ao gosto e à percepção das massas. Não as demonizo, mas
penso - e por uma questão de humanidade - que por sua própria natureza o
pensamento não seja o lócus permanente de sua existência, e isto por uma razão
simples: a vida complexa da sociedade não deu a todos o mesmo tempo para uma
tarefa mais voltada ao intelecto, já que a vida a cada um deu um papel distinto
(e nem por isso menos pleno de honra). A analogia sempre atual de Paulo sobre a
Igreja como um corpo, cuja saúde demanda a reta execução das funções de todos
os seus membros, se aplique, também, à sociedade. A camada pensante é uma
determinada parte deste corpo, mas não o seu todo. E antes de um pedante vir
com a ideia de que isto é "elitismo" ou "reacionarismo" -
principalmente daquela ala mais "progressista" e que com uma afetação
pensa que se preocupar mais com o "povo" - é importante lembrar que
grande parte de uma galera mais "aberta" aqui no Brasil tem o
pensamento fincado em pressupostos cuja genealogia remonta a umas quatro ou
cinco pessoas. Mais "elitismo" do que isto não me cabe na mente.
Mas voltando a
Dalrymple, lendo um ensaio seu que se encontra no livro "Nossa Cultura...
Ou o que Fizemos Dela" chamado "O Criminoso Faminto", não tenho
como não perceber que o juízo sobre determinados fatos não podem ser feitos sem
uma rica experiência de vida acumulada por longos anos, junto a uma refinada
intuição de princípios e de poder de abstração, caso contrário, como poderíamos
imaginar de saída a relação existente entre a criminalidade, subnutrição e a
ausência de almoço em família?
No ensaio Dalrymple
opina sobre o fato de que a subnutrição de grande parte dos presos na
Grã-Bretanha esteja associado não a ausência de alimentos, mas ao desregramento
que tem início na diluição da família cuja unidade leva consigo alguns hábitos
tais como o almoçar ou jantar juntos. Dalrymple afirma que em suas entrevistas
com presidiários subnutridos - já que ele é um médico que atua, também, em
presídios -, as confissões dos maus hábitos alimentares - eles comem bolachas e
chocolates - sempre vem acompanhado de uma ausência de hábitos como o preparo
do almoço ou da janta, assim como a ausência de horas específicas para comer, o
que também se relaciona com a pobreza afetivas destas famílias, já que tais
famílias dificilmente passam horas juntos. Esta pobreza afetiva - que se
constitui como a razão fundamental da desordem - é o mal definitivo da família
moderna, e penso que não é difícil perceber que a destruição da própria
concepção de família esteja entre um dos males fundamentais que geram o aumento
da criminalidade e da violência, já que a pobreza afetiva cria a apatia frente
ao outro ser humano, relações sexuais sem compromisso, filhos sem pais, aumento
da miséria e sofrimento indescritível.
Relacionando o fato
de que determinadas percepções são dadas a indivíduos cujo trabalho e posição
permitem ter uma visão melhor das coisas com o que eu disse sobre a
aristocracia do pensamento, ou elite intelectual, é certo que isto não anula o
fato de que para o mais simples dos seres humanos a experiência de que a
ausência de afeto seja má é algo mais do que óbvio. O senso comum sempre capta
a verdade porque esta está intimamente ligada à natureza que todos partilhamos.
Há um sentimento geral de estranheza e desconfiança que não passa desapercebido
pelo povo, no entanto a tarefa de dar corpo a este sentimento, transformando-o em
voz ou discurso já é algo mais complicado, uma tarefa que pertence aos homens
de ciência e da abstração. No entanto penso que uma das razões da existência
desta elite do pensamento seja proteger a massa de uma afetada e usurpadora
"elite do pensamento" mafiosa que, mais do que nunca hoje, tantos
males perpetram a um povo despreparado - incluindo o brasileiro, cujo gosto,
por falta de opções (incluindo a mídia e algumas novelas) ainda é
fundamentalmente grosseiro. Não há como passar pelo vagalhão cultural brasileiro,
cujo sentimento baixo reina soberano, ileso. Todos fomos, de um modo ou outro,
lesados pela criação de símbolos culturais obtusos, frívolos e mesquinhos. E
como todo evento cultural de peso, as chances de concretização no reino da
história daquilo que é simbolizado é alta, já que estes símbolos fornecem os
padrões de ação das pessoas que desses se alimentam, e que estão presentes nas
novelas (a mola mestra do raciocínio no Brasil), músicas, livros, noticiários,
rádios etc.
Neste sentido tudo o
que precisamos não são heróis (já que os verdadeiros heróis não se pensam como
tais), mas de - ainda que poucas - pessoas aplicadas, regidas pelo desejo de
fazer o que é certo, não traindo os seus pares e tão pouco a si mesmos, e que
busquem em seus pequenos mundos a luz que ilumina suas almas. Com isto, o
compartilhar da luz e a realização da boa obra serão apenas consequências.
OBS: Na foto o símbolo do Caos
OBS: Na foto o símbolo do Caos
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