Texto hebraico (Pv 1.1-07):
מִשְׁלֵי שְׁלֹמֹ֣ה בֶן־דָּוִ֑ד מֶ֗לֶךְ יִשְׂרָאֵֽל׃
לָדַ֣עַת חָכְמָ֣ה וּמוּסָ֑ר לְהָבִ֗ין אִמְרֵ֥י בִינָֽה׃
לָקַחַת מוּסַ֣ר הַשְׂכֵּ֑ל צֶ֥דֶק וּמִשְׁפָּ֗ט וּמֵישָׁרִֽים׃
לָתֵ֣ת לִפְתָאיִ֣ם עָרְמָ֑ה לְנַ֗עַר דַּ֣עַת וּמְזִמָּֽה׃
יִשְׁמַ֣ע חָכָם וְיֹ֣וסֶף לֶ֑קַח וְנָבֹ֗ון תַּחְבֻּלֹ֥ות יִקְנֶֽה׃
לְהָבִ֣ין מָשָׁל וּמְלִיצָ֑ה דִּבְרֵ֥י חֲכָמִ֗ים וְחִידֹתָֽם׃
יִרְאַ֣ת יְהוָה רֵאשִׁ֣ית דָּ֑עַת חָכְמָ֥ה וּמוּסָ֗ר אֱוִילִ֥ים בָּֽזוּ׃ פ
Exposição:
1) מִשְׁלֵי שְׁלֹמֹ֣ה בֶן־דָּוִ֑ד מֶ֗לֶךְ יִשְׂרָאֵֽל׃: "Os provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel".
Não é controverso o fato de que o que chamamos de provérbios de Salomão não se trata realmente de uma obra salomônica pura. Mesmo o livro, em suas partes finais, assinala que a obra como um todo não se trata da realização de uma mão só. No cap. 30 de Provérbios nos é indicado que de o que ali vai são palavras de Agur (דִּבְרֵ֤י אָג֥וּר), e no cap. 31 se diz que o que vai escrito são palavras do rei Lemuel (דִּבְרֵי לְמוּאֵ֣ל מֶ֑לֶךְ). Há também, segundo o estudo da crítica das fontes1, quem afirme que os provérbios de 22.17-23.22 se trata de uma cópia de textos de Amenenope2, os quais surgiram na época do próprio Salomão, e é provável que sua forma final, ao menos, possa datar do século VIII ou VII a.C., no reinado do rei Ezequias (Pv 25.1).
Não obstante a tudo isso, o livro de Provérbios é um patrimônio da cultura hebraica antiga, refletindo o ponto de vista não apenas particular de uma cultura de um pequeno país do Oriente Médio, pois veio a ser um verdadeiro patrimônio humano. Além do mais, há se de prestar atenção a este livro todo aquele que tem sobre si o nome de cristão, já que sendo um livro canônico, é, por isso mesmo, para nós, uma das formas da fala do Espírito. Portanto, meditando nesse livro em espírito de adoração e oração, o que buscamos é extrais das fontes da Escritura sabedoria para a vida, o que certamente encontramos e, e em espírito aberto e coração atento, certamente fruiremos.
Mas comecemos pelo nome do livro que, no caso de vários livros da Bíblia Hebraica, leva o nome da primeira palavra do livro que é מִשְׁלֵי, palavra cuja raiz é משׁל (mxl), ou mais comumente מָשָׁל (maxal), que significa provérbio, sentença, parábola, epigrama, sátira, uma sentença dos sábios etc. Também essa raiz pode ser substantivada em מֹשֵׁל (moxel) tornando-se uma palavra que significa governador, chefe, dono, senhor, soberano, tirano ou déspota. Mas especificamente aqui se trata de provérbios, que para fins de fixação de autoridade são apresentadas como pertencendo a Salomão, filho de Davi, rei de Israel (שְׁלֹמֹ֣ה בֶן־דָּוִ֑ד מֶ֗לֶךְ יִשְׂרָאֵֽל).
2) לָדַ֣עַת חָכְמָ֣ה וּמוּסָ֑ר לְהָבִ֗ין אִמְרֵ֥י בִינָֽה׃: "Para conhecer a sabedoria e a disciplina; para entender as palavras de conhecimento.".
Está aqui posta a finalidade dos מִשְׁלֵי, já que eles são para conhecer (לָדַ֣עַת) tanto a sabedoria, ou a habilidade, ou a destreza (חָכְמָ֣ה), assim como a disciplina, e instrução (מוּסָר), ou mesmo para tornar possível compreender (הָבִ֗ין) os ditos ou palavras (אִמְרָה) de prudência, discernimento, conselho, sensatez, instrução (בִינָֽה).
O ritmo do texto nos leva à compreensão de que discernir os mixley (provérbios) são uma porta de entrada para uma gama de coisas. O livro tem, portanto, caráter de iniciação à sabedoria, já que visa a instrução que possibilita a entrada ao mundo do juízo e da prudência. Evidentemente o livro expressa todo o seu teor quando, nas primeiras linhas, em Pv 1.8, chama a atenção do filho à escuta (שְׁמַ֣ע בְּנִי) e à disciplina do pai e à instrução da mãe contra os perigos típicos da adolescência ou juventude, que são as más companhias (Pv 1.8-19), os conselhos dos perversos (4.14) e a lascívia (5ss); além disso contamos com ensinamentos contra a dívida (6.1-5), a preguiça (6.6-11) etc. No vs. 5 é expresso explicitamente que os mixley visam dar para o jovem (֝לְנַ֗עַר) conhecimento (דַּ֣עַת), assim como visa também conceder aos simplórios, ingênuos ou inexperientes (פְתָאיִ֣ם), cautela, sagacidade ou prudência (עָרְמָ֑ה).
Podemos tomar aqui o livro como que dividido nas seguintes partes, segundo a KJA3:
3) לָקַחַת מוּסַ֣ר הַשְׂכֵּ֑ל צֶ֥דֶק וּמִשְׁפָּ֗ט וּמֵישָׁרִֽים׃: "Para obter a instrução do agir esclarecido, a justiça, juízo e a retidão".
O texto continua na explanação dos seu propósitos, ou melhor, na inculcação didática que é comum na literatura bíblica tanto do Novo como do Antigo Testamento. Sendo assim, o livro é composto para fazer aquele que o lê ganhar instrução (לָקַחַת מוּסַ֣ר), pois מוּסַ֣ר (musar) visa justamente uma disciplina cujo objetivo é o ensino formativo, e nesse sentido, um ensino formativo que visa um agir esclarecido (שְׂכֵּ֑ל), diferente daqueles que desprezam o bom a gir. Além do mais o livro tem a intenção de fornecer princípios de discernimento e apreensão da justiça (צֶ֥דֶק), do direito ou juízo (מִשְׁפָּ֗ט), das ações justas (מֵישָׁרִֽים).
Prestem atenção que a obra tem em alta conta o agir com o saber. Se levarmos em conta a figura de Salomão como o produtor da obra, torna-se translúcida a função paradigmática de Salomão (o sábio de Israel) aqui, cuja posição simbólica no livro ilumina a totalidade do seu conteúdo. Aqui estão aglutinadas várias virtudes que se supõe que a posse irá fazer do homem alguém moldado segundo a forma paradigmática do sábio (חָכָם). O livro dos provérbios, por tanto, é o livro que exige a presença tanto da virtude da mente sagaz quanto a desperta. E a sagacidade aqui é necessariamente a virtude do sábio que ouve a instrução, e que toma a disciplina para agir de forma esclarecida, afim de praticar a justiça, conhecer o direito. É sempre proveitoso lembrar que a tradição sapiencial é a forma das várias outras tradições bíblicas no Antigo Testamento, como a tradição profética. Sempre que se ouve palavras como entendimento, direito, justiça etc., contrapostas à desobediência do estulto que nega a instrução (vs. 7), o eco da voz dos profetas se faz ouvir em Os 6.4: o meu povo pereceu - ou perecerá - por falta de conhecimento4 - Faltou דַּ֣עַת (da'at). Também o Senhor implora para que o povo guarde a justiça e o direito em Isaías 56.1a: Assim diz o Senhor: Guardai o juízo [direito](מִשְׁפָּ֖ט), fazei justiça(מִשְׁפָּ֖ט)i5.
4) לָתֵ֣ת לִפְתָאיִ֣ם עָרְמָ֑ה לְנַ֗עַר דַּ֣עַת וּמְזִמָּֽה׃: "Pra dar aos inexperientes sagacidade, e ao jovem poder de reflexão".
Qual jovem não é também um inexperiente por definição? Aqui a beleza do paralelismo hebraico se revela de forma inconfundível. O texto certamente não se refere a dois grupos distintos, mas sim a um só: aos inexpertos e inexperientes (פְתָאיִ֣ם), e aos jovens (נַעַר). Esse estilo também mostra a beleza e o cuidado poético de um texto que, por ser um texto sapiencial, não descuida do aspecto estético da apresentação da sabedoria, que não é algo meramente útil para a vida, mas também bela para ela. Esse versículo 4 mostra a harmonia sonora das palavras escolhidas, que transliteradas soam também dessa forma: Latat lphtaim 'atamah, lena'ar da'at umezimah.
5) יִשְׁמַ֣ע חָכָם וְיֹ֣וסֶף לֶ֑קַח וְנָבֹ֗ון תַּחְבֻּלֹ֥ות יִקְנֶֽה׃: "Que ouça o sábio e cresça em ensino, e o instruído adquira habilidades".
6) לְהָבִ֣ין מָשָׁל וּמְלִיצָ֑ה דִּבְרֵ֥י חֲכָמִ֗ים וְחִידֹתָֽם׃: "Para compreender provérbios e enigmas, e as palavras e parábolas dos sábios".
7) רְאַ֣ת יְהוָה רֵאשִׁ֣ית דָּ֑עַת חָכְמָ֥ה וּמוּסָ֗ר אֱוִילִ֥ים בָּֽזוּ׃ פ: "O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; mas a sabedoria e a disciplina os tolos desprezam".
______________________________
2] SCHWANTES, Milton - Sentenças e Provérbios: Sugestões para a Interpretação da Sabedoria. Ed. Oikos, 2009. p. 13.
3] KJA - King James Atualizada. Ed SBIA & ABBA. 2016. p. 1.176, 1.177.
Nenhum comentário:
Postar um comentário