Pelas teses abaixo responderá, em local e data a serem determinados ainda, o mestre Francisco Günther, de Nordhausen, para obtenção do grau de bacharel em Estudos Bíblicos, sob a presidência do reverendo padre Martinho Lutero, agostiniano, decano da Faculdade de Teologia de Wittenberg.
1. Dizer que Agostinho se excede ao atacar os hereges é dizer que Agostinho quase sempre teria mentido. Contra a opinião geral.
2. Isto é o mesmo que oferecer aos pelagianos e a todos os hereges uma oportunidade de triunfo ou mesmo uma vitória.
3. E é o mesmo que expor ao deboche a autoridade de todos os mestres da Igreja.
4. Por isso, é verdade que o ser humano, sendo árvore má, não pode senão querer e fazer o mal.
5. Está errado que o desejo é livre para optar por qualquer uma de duas alternativas opostas; pelo contrario: ele não é livre, e sim cativo. Contra a opinião comum.
6. Está errado que, por natureza, a vontade possa conformar-se ao ditame correto. Contra Duns Escoto e Gabriel Biel.
7. Na verdade, sem a graça de Deus, a vontade suscita necessariamente um ato desconforme e mau.
8. Não se segue dai, entretanto, que ela seja má por natureza, isto é, pertencente ao mal por natureza, conforme pretendem os maniqueus.
9. Mesmo assim, por natureza e inevitavelmente ela é má e de natureza viciada.
10. Admite-se que a vontade não é livre para tender para aquilo que lhe parece bom segundo a razão. Contra Duns Escoto e Gabriel Biel.
11. Ela também não tem a capacidade de querer ou não querer o que quer que se lhe apresente.
12. Dizer isto tampouco é contra o B. Agostinho, que diz: Nada esta tanto dentro da capacidade da vontade quanto a própria vontade.
13. Absurdíssima é a conseqüência de que o ser humano em erro pode amar a criatura acima de tudo e, portanto, também a Deus. Contra Duns Escoto e Gabriel Biel.
14. Não é de estranhar que ela pode conformar-se ao ditame errôneo e não ao correto.
15. Pelo contrário, é característica sua conformar-se exclusivamente ao ditame errado e não ao correto.
16. Preferível é esta consequência: o ser humano em erro pode amar a criatura; portanto, é impossível que ame a Deus.
17. Por natureza, o ser humano não consegue querer que Deus seja Deus; pelo contrário, quer que ele mesmo seja Deus e que Deus não seja Deus.
18. Amar a Deus, por natureza, sobre todas as coisas, é uma ficção, uma quimera, por assim dizer. Contra a opinião quase geral.
19. Também não tem validade o pensamento de Escoto a respeito do valente cidadão que ama a coisa pública mais do que a si mesmo.
20. Um ato de amizade não provém da natureza, mas da graça preveniente. Contra Gabriel Biel.
21. Nada há na natureza senão atos de concupiscência contra Deus.
22. Todo ato de concupiscência contra Deus é um mal e uma prostituição do espírito.
23. Também não é verdade que um ato de concupiscência pode ser posto em ordem pela virtude da esperança. Contra Gabriel Biel.
24. Isto porque a esperança não é contrária ao amor, que somente busca e deseja o que é de Deus.
25. A esperança não vem de méritos, mas de sofrimentos que destroem méritos. Contra a prática de muitos.
26. O ato de amizade não é a forma mais perfeita de fazer o que está em si, nem a mais perfeita disposição para a graça de Deus, nem uma forrna de se converter e de se aproximar de Deus.
27. Ele é, isto sim, um ato de uma conversão já realizada, temporalmente e por natureza posterior a graça.
28. "Tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós outros." [Zc 1.3] "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros." [Tg 4.8] "Buscai e achareis." [Mt 7.7] "Quando me buscardes, serei achado de vós." [Jr 29.13s.] - Afirmar, a respeito destas e de outras passagens semelhantes, que uma parte cabe a natureza e a outra a graça, não é outra coisa que sustentar o que disseram os pelagianos.
29. A melhor e infalível preparação e a Única disposição para a graça é a eleição e predestinação eterna de Deus.
30. Da parte do ser humano, entretanto, nada precede a graça senão indisposição e até mesmo rebelião contra a graça.
31. Invencionice vaníssima é a afirmação de que o predestinado pode ser condenado separando-se os conceitos, mas não combinando-os. Contra os escolásticos.
32. Igualmente não resulta nada da afirmação de que a predestinação é necessária pela necessidade da consequência, mas não pela necessidade do consequente.
33. Falsa é também a tese de que fazer o que está em si equivale a remover os obstáculos que se opõem a graça. Contra determinados teólogos.
34. Em suma, a natureza não tem nem ditame correto nem vontade boa.
35. Não é verdade que a ignorância irremediável exime de toda culpa. Contra todos os escolásticos.
36. Porque a ignorância de Deus, de si mesmo e do que são boas obras sempre é irremediável para a natureza.
37. A natureza até necessariamente se vangloria e orgulha por dentro da obra que, na aparência e exteriormente, é boa.
38. Não existe virtude moral sem orgulho ou tristeza, isto é, sem pecado.
39. Não somos senhores dos nossos atos desde o principio até o fim, e sim escravos. Contra os filósofos.
40. Não nos tornamos justos por realizarmos coisas justas; é tendo sido feitos justos que realizamos coisas justas. Contra os filósofos.
41. Quase toda a Ética de Aristóteles é a pior inimiga da graça. Contra os escolásticos.
42. E um erro dizer que a concepção de felicidade de Aristóteles não contraria a doutrina católica. Contra os moralistas.
43. E um erro dizer que, sem Aristóteles, ninguém se torna teólogo. Contra a opinião geral.
44. Muito pelo contrário, ninguém se torna teólogo a não ser sem Aristóteles.
45. Dizer que o teólogo que não é um lógico é um monstruoso herege, é uma afirmação monstruosa e herética. Contra a opinião geral.
46. É em vão que se forja uma lógica da fé, uma suposição sem pé nem cabeça. Contra os dialéticos recentes.
47. Nenhuma fórmula silogística subsiste em questões divinas. Contra o cardeal Pedro d'Ailly.
48. Mesmo assim, não se segue dai que a verdade do artigo sobre a Trindade contraria as fórmulas silogísticas. Contra aqueles e contra o cardeal.
49. Se uma fórmula silogística subsistisse em questões divinas, o artigo sobre a Trindade seria conhecido, em vez de ser crido.
50. Em suma, todo o Aristóteles está para a teologia como as trevas estão para a luz. Contra os escolásticos.
51. É altamente duvidoso que os latinos tenham uma opinião correta sobre Aristóteles.
52. Teria sido bom para a Igreja se Porfírio com seus universalia não tivesse nascido para os teólogos.
53. As definições mais correntes de Aristóteles parecem pressupor aquilo que pretendem provar.
54. Para o ato meritório basta a coexistência da graça; do contrário, a coexistência nada é. Contra Gabriel Biel.
55. A graça de Deus nunca coexiste de forma ociosa, mas é espírito vivo, ativo e operante; nem mesmo pelo poder absoluto de Deus pode suceder que haja um ato de amizade sem que a graça de Deus esteja presente. Contra Gabriel Biel.
56. Deus não pode aceitar o ser humano sem a graça justificante de Deus. Contra Occam.
57. Perigosa é a afirmação de que a lei preceitua que o cumprimento do preceito suceda dentro da graça de Deus. Contra o cardeal Pedro d'Ailly e Gabriel Biel.
58. Tal afirmação implica que ter a graça de Deus seria uma nova exigência além da lei.
59. Tal afirmação implica também que o cumprimento do preceito poderia ocorrer sem a graça de Deus.
60. Ela também implica que a graça de Deus se tornaria mais odiosa do que a própria lei o foi.
61. Disso não se infere que a lei deve ser guardada e cumprida na graça de Deus. Contra Gabriel Biel.
62. Portanto, quem está fora da graça de Deus peca constantemente, mesmo não matando, não praticando adultério, não cometendo roubo.
63. A conclusão a ser tirada é que essa pessoa peca por cumprir a lei de forma não espiritual.
64. Não mata, não pratica adultério nem comete roubo espiritualmente quem não se ira nem cobiça.
65. Fora da graça de Deus é a tal ponto impossível não ser tomado de ira ou de cobiça, que nem mesmo na graça isso pode suceder de forma a cumprir perfeitamente a lei.
66. Não matar, não praticar adultério, etc. exteriormente e em ato concreto é justiça dos hipócritas.
67. Não cobiçar e não se encolerizar provém da graça de Deus.
68. Portanto, sem a graça de Deus é impossível cumprir a lei, seja de que maneira for.
69. Sim, por natureza, sem a graça de Deus, ela é mais transgredida ainda.
70. Para a vontade natural, a lei, que, em si, é boa, torna-se inevitavelmente má.
71. Sem a graça de Deus, a lei e a vontade são dois adversários implacáveis.
72. Aquilo que a lei quer, a vontade nunca quer, a menos que, por temor ou por amor, finja querê-lo.
73. A lei é o executor da vontade, que é superado apenas pelo "menino que nos nasceu" [Is 9.6].
74. A lei faz abundar o pecado, porque irrita e retrai de si mesma a vontade.
75. Mas a graça de Deus faz abundar a justiça através de Jesus Cristo, porque torna agradável a lei.
76. Toda obra da lei sem a graça de Deus parece boa exteriormente, mas interiormente é pecado. Contra os escolásticos.
77. Sem a graça de Deus, a mão está voltada para a lei do Senhor, mas a vontade está sempre afastada dela.
78. Sem a graça de Deus, a vontade se volta para a lei movida pela vantagem própria.
79. Malditos são todos os que praticam as obras da lei.
80. Benditos são todos os que praticam as obras da graça de Deus.
81. Quando não entendido de forma errônea, o capitulo Falsas de pe. dis. V confirma que, fora da graça, as obras não são boas.
82. Não só as leis cerimoniais são leis não boas e preceitos nos quais não se vive. Contra muitos mestres.
83. Isto vale também para o próprio Decálogo e para tudo o que puder ser ensinado ou prescrito interior ou exteriormente.
84. A lei boa na qual se vive é o amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo.
85. Se fosse possível, a vontade de qualquer pessoa preferiria ser completamente livre e que não houvesse lei.
86. A vontade de qualquer pessoa odeia que a lei lhe seja imposta, a menos que deseje que lhe seja imposta por amor a si mesma.
87. Já que a lei é boa, não pode ser boa a vontade que é inimiga da lei.
88. Disso se evidencia claramente que toda vontade natural é iníqua e má.
89. A graça é necessária como mediadora que concilie a lei com a vontade.
90. A graça de Deus é dada para orientar a vontade, para que esta não erre também ao amar a Deus. Contra Gabriel Biel.
91. Ela não é dada para suscitar atos com maior frequência e facilidade, mas por que, sem ela, nenhum ato de amor é suscitado. Contra Gabriel Biel.
92. É irrefutável o argumento de que o amor seria supérfluo se, por natureza, o ser humano fosse capaz de um ato de amizade. Contra Gabriel Biel.
93. Perversidade sutil é dizer que fruir e usar constituem o mesmo ato. Contra Occam, o cardeal Pedro d'Ailly e Gabriel Biel.
94. O mesmo vale para a afirmação de que o amor a Deus subsiste mesmo ao lado de intenso amor pela criatura.
95. Amar a Deus significa odiar a si mesmo e nada saber além de Deus.
96. Nosso querer deve conformar-se em tudo a vontade divina. Contra o cardeal Pedro d'Ailly.
97. Não só devemos querer o que Ele quer que queiramos, mas devemos querer absolutamente qualquer coisa que Deus queira.