Demorei anos para
associar a falta de conhecimento com violência. Geralmente estas palavras são expressas com
uma apenas: ignorância. Sendo assim, vemos o quão significativo é, para
o esclarecimento desta afirmação, o evento da crucificação, onde, do alto do
madeiro, Jesus clama: Pai perdoe-os porque não sabem o que fazem.
O genocídio nazista
empreendido contra os judeus não deixou de ser algo forjado na esteira de uma
fabulosa ignorância, que não sendo dolosa para a imensa maioria dos alemães, os levou a contribuir mesmo assim para a criação de um ambiente onde a hostilização aos
judeus foi encarada como algo do dia-a-dia, ou como algo necessário para o “salto”
rumo à concretização da supremacia alemã sobre o mundo.
No entanto, como
esquecer Goebbels, o ministro de propaganda do nazismo, que frente à
contraposição da imprensa judaica da Alemanha que alertavam para o sério perigo
que gravitava em torno da política racista (e incluo aqui na palavra racismo a ideia
de “raça superior”, também) e antissemita de Hitler, dizia coisas como estas: “os
judeus mentirosos”, e: “eles não sabem do que somos capazes"? Tudo encarado com
a complacência internacional, assim como com naturalidade por aqueles que não possuíam
instrumentos e cultura o suficiente para compreender o desdobramento das
coisas, que avançavam com aquele perigo anunciado pela imprensa judaica.
Governos
totalitários sempre ganham um poder gigantesco com base no discurso acerca de um inimigo
a se destruído, sendo que tal inimigo, invariavelmente, trata-se de um ente
imaginário, um constructo mental, algo no qual se concentra todas as razões das
mazelas sofridas por aqueles sobre os quais os ditadores dominam. George Orwell
em sua ficção "1984" chega a falar dos “Dois Minutos de Ódio”, que era um programa que todos os
habitantes da Oceânia deveriam assistir, sendo neste programa apresentado Goldenstein, inimigo terrível do povo, aquele a quem o “Grande Irmão” – o ditador da ficção –
resistia e lutava em nome do povo e para o bem deste. Tudo engano.
Orwell foi um
jornalista e romancista contemporâneo da Segunda Guerra e do “horror de Stalin”,
tendo o seu romance um pé fincado na experiência geral dos seus contemporâneos.
Não é a toa que o seu livro "1984" teve uma forte ressonância quando lançado, sendo considerado
um grande sucesso, assim como um das maiores ficções do século
XX, se não a maior. Por isso a importância de lê-lo.
Bem, mas o que me
interessa é basicamente refletir sobre a construção de narrativas que governos totalitários
utilizam para unificar pessoas contra um perigo comum, assim como para se apresentarem
como a âncora de salvação do mesmo povo "ameaçado". Mas não é só isso, pois a ideia de “virtude”,
“pureza” e “impecabilidade” é algo constitutivo da ideologia de tais governos e
seus ditadores, dispensando a ideia de que qualquer mal possa vir deles, sempre
vindo de um outro - o inimigo. Tais ditadores são incapazes de fazer um mea culpa, já que a fonte de todo um mal
é um "outro", um ente essencialmente mau – quase sempre uma generalização abstrata, inexistente no mundo concreto e com super poderes, mas que ainda que se trate de um construto, acabava, por uma obra maquiavélica, por ser identificado nos inimigos históricos a serem destruídos, plasmando de maneira hedionda um idealismo numa realidade concreta.
Tais eram nos discursos
nazistas os judeus, aos quais Hitler acusava de arquitetarem uma grande conspiração
capitalista internacional – já que para Hitler os Judeus eram os grandes
dominadores do mundo –, que visava destruir a Alemanha, ameaçando também o
mundo (argumento esposado por muitos grupos terroristas muçulmanos). A última
carta de Hitler – escrita um pouco antes do fim da Segunda Guerra –, está
recheada destes construtos delirantes, assim como de auto-glorificações daquele que se
considerava o guia da Alemanha rumo à eterna glória. Loucuras.
Hoje em dia em
nossas terras tupiniquins, parece que ouço um eco destes delírios quando me deparo com discursos sobre uma suposta conspiração de um certo “PIG” (o “Partido da Imprensa Golpista”, que seria
chefiada pela Globo, ignorando o fato óbvio de que Globo foi uma das maiores
disseminadoras de ideias de esquerda – olhem o conteúdo das novelas –, sem a
qual o “partido” não teria conquistado os corações e mentes), das ameaças do “Grande
Capital”, assim como de ameaças da CIA, dos EUA e do “capitalismo” contra o “único
governo popular do Brasil que pela primeira vez em 500 anos cuidou de verdade
do povo”, ou contra a autonomia da América Latina - como afirma, hoje, Maduro. Tal ideia ganhou força e lançou raízes em faculdades de ciências
humanas, assim como levou à radicalização alguns movimentos sociais que, não
tendo noção de conjunto, assim como ignorando de maneira profunda a história do
Ocidente nos últimos 300 anos, se põe a repetir chavões utilizados há uns 150
anos e que, quando foram postos em prática, causaram só miséria e sofrimento.
Hoje, lembrando o
grande desastre que narrativas fundadas em construtos generalistas, como no
caso do Holocausto (fundado na ideia de que a raça judaica era essencialmente má), deveríamos nos voltar para dentro de nós mesmos, realizando
uma reflexão profunda sobre a viabilidade das idéias que professamos, num esforço sincero para que possamos construir o nosso conhecimento e a nossa
visão de mundo em dados concretos ou em opiniões possíveis que sofreram o teste do tempo, afim de
não sermos cúmplices de radicalismos e não cedermos o tempo de nossa vida contribuindo com idealismo que, quando transformados em história, causam imenso
sofrimento com base em um ódio violento a uma ideia de mundo, um nada, mas que no mundo concreto acaba sempre por ser direcionado contra inocentes de carne e sangue.
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