sábado, 29 de março de 2014

Inevitabilidade e inversão


 
   
"Tão  logo penetre um ideia na história, ela é convertida em seu contrário." A drástica constatação a cima é parte integrante da doutrina do filósofo alemão Hegel, e ela é poderosa o bastante para trazer luzes tão intensas para a realidade, que a mera compreensão da mesma poderia realocar o nosso lugar no mundo para a posição que, efetivamente, deveríamos estar: a humildade. Todas as nossas intencionalidades, sejam elas boas ou más, estão, em seu poder intrínseco, para além da nossa possibilidade de dominação quanto ao desdobramento que essas tem no campo da história; ou seja: podemos ter os sonhos mais elevados, mais idealmente benignos, assim como podemos nutrir tais ideias com as melhores intenções pessoais, no entanto, na dinâmica do seu desdobramento no campo do real, tais ideias podem causar dores inimagináveis, assim como todas essas podem fugir ao nosso controle tornando-se verdadeiros demônios - as mesmas que, antes, afagávamos como domesticáveis animaizinhos dóceis.

   Nas Escrituras Sagradas veríamos essas coisas destacadas da seguinte forma: o "zelo sem entendimento" dos fariseus que, nutridos de uma devoção e piedade intensa para com Deus, demonizavam - inevitavelmente - o caminho para o acesso ao Mesmo através de prescrições desnecessárias; também vemos o "zelo do tolo" que, segundo Provérbios, destruiria o mesmo que a essa espécie de zelo se aplicasse.

   Poderíamos acusar esses que esposam tais ideias de um falsa intenção, ou de um falso desejo em agradar a Deus, ao outro, um grupo específico ou de criar um algo totalmente ilegítimo no campo da história universal? De maneira alguma! No entanto, desprezando a justiça divina, eles, não percebendo, e paralelamente à justiça eterna, assim como paralelamente à ordem da realidade estabelecida por Deus em seu Logos (Jesus Cristo, que é a razão divina), tais homens decidiram, por ansiedade, agir em favor de uma justiça própria, estabelecendo uma tradição ou uma "interpretação" ao lado da Vontade Soberana de Deus, levando assim "luzes estranhas" para a ordem da história, mal sabendo que estas luzes passariam a ser o seu maior flagelo. Modernamente isso ocorre, também, com relação ao "zelo" à modernização da Igreja, que hoje, poderíamos, por exemplo, ver na ordenação feminina - e digo: isso não tem nada haver com mulheres (pois aqui fica a ocasião de jogar homens contra mulheres dentro da Igreja, resultando em dor, divisão, discórdia e em muito ressentimento gratuitos - o que, certamente, é o resultado de uma dantesca falta de visão). Fica óbvio uma coisa: isso abrirá uma rotura tão imensa que não haverá meios de escapar da onda que, após isso, virá: a discussão com respeito à ordenação de homossexuais etc. (e porque não ordenar pardais, árvores, cães ou gatos, já que essa decisão acima não tem respaldo na Escritura e nem na tradição que se segue dela? Ou melhor: por que não ser ordenado por esses?) e, por fim, a implosão total do poder de unidade que é possível por meio, apenas, do Logos (pois, para nós, esse Logos é também a tradição dos apóstolos e dos profetas, ou seja: a Palavra divina, ou razão divina objetiva). Toda a readequação cultural é possível, desde que, em última instância, o poder de síntese esteja assegurada por essa unidade fundamentada no Logos; mas a violação da constituição ontológica assegurada por ele (ou da ordem das coisas tais como elas foram criadas), como é nesse caso, é respondida apenas por meio da degradação total (pois aqui se coloca no topo da hierarquia aquilo que não deveria estar lá - porque simplesmente não deve, como fato, estar lá).

   Certamente que os mais malignos, ao verem essa situação, devem estar rindo à toda e comemorando a abertura de uma rotura que permitirá a remodulação, de alto à baixo, de todas essas coisas à imagem e à semelhança desses. Há uma ordem na realidade e essa não deve, sob hipótese alguma, ser burlada sem que venha,  ligeiramente ou não, uma situação calamitosa. Sendo assim, é inevitável que, ainda que tudo seja feito na base da boa intenção - é só esperar para ver -, "tão  logo uma ideia penetre na história, ela é convertida em seu contrário."