quinta-feira, 29 de junho de 2017

Cristianismo e Formação


   O encontro do conceito de discipulado do cristianismo com a ideia de formação (paideia) grega formou como que a crisálida onde o nosso mundo ocidental foi formado. Queiram ou não, até o anti-cristianismo desta parte do mundo se serve de conceitos cristãos. 
   Se alguém diz que a igreja é intolerante, sem perceber o indivíduo recorre à ideia de tolerância formada seio do cristianismo, algo que não tem paralelo no mundo antigo. Se alguém faz a critica temerária sobre a violência de Deus no Antigo Testamento, dizendo que isso contrasta o conceito de bondade, o indivíduo se vale do conceito de bondade e misericórdia cristão e platônico, pois esse último foi crítico à maldade e perversidade dos deuses da mitologia, sustentando que Deus não é a fonte do mal, um conceito apropriado e desenvolvido grandemente pela teologia cristã.
   A grandeza do cristianismo reside no fato de que os seus inimigos não conseguem ultrapassá-lo conceitualmente e não conseguem criticá-lo senão com fragmentos de ideias e conceitos que lhe são constitutivos, isto é: qualquer tentativa de ultrapassar o cristianismo é, ao mesmo tempo, queda no nível moral e no nível do pensamento.

terça-feira, 27 de junho de 2017

A Ideologia e o Silogismo Assassino

   A ideologia é uma espécie de silogismo assassino. Pense bem: o que todos os movimentos ideológicos, desde o jacobinismo francês, o comunismo, o nazismo, o anarquismo - aquele movimento que entendia que um detonador impulsionava o movimento da história -, o jihadismo moderno et caterva não fizeram se não produzir uma razão para roubar, matar e destruir? Mas todos tem um atrativo comum: acreditam na santidade de suas razões, matam em nome do bem, da liberdade, da humanidade, da justiça, como se convocados à matança e para a destruição por uma razão transcendente. Mas faz parte do mal-caráter o se refugiar atrás de uma doutrina para por em circulação o seu impulso destrutivo e assassino.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A Necessidade de um Delírio Novo


   Para lembrar um velho adágio, sabemos que a vastidão do nada, quando habita a mente, torna essa a oficina do demônio. Essa sabedoria proverbial pode ter sua verdade comprovada nos diversos domínios da vida. Para um sociedade sem espírito, quando farta de si mesma, não é estranho que de súbito ela seja tomada pelo mais assombroso desejo de morte. Essa destruição maravilhosa, por mais que ostente uma certa aparência de prodígio, ou de uma irrupção misteriosa, trata-se do fruto amadurecido da preguiça e do cultivo da letargia que quando faz rebentar seus primeiros brotos, a todos torna notório o odor de sua podridão cultivada.

   Não é sem razão que foi destacada nas primeiras linhas a cima a expressão "sociedade sem espírito". O que me leva à sua utilização é a intuição que sempre me acompanhou de que uma certa violência brutal é sempre o resultado de uma negligência cultivada. A estupidez e a violência dos bem intencionados tem um quê de um atalho desprezível, de um salto sobre as etapas de um esclarecimento meditativo que, para os impacientes de espírito, soa como um aniquilamento místico a que sucumbe o homem suspenso eternamente diante do horror de suas dúvidas, o que no mais das vezes o condena à inação. É isso, e não outra causa, que faz com que os ativistas sejam tão burros em seus empreendimentos, pois as suas percepções não passam pelo crivo da abstração, mas partindo da imagem percebida, seus sentimentos são transformados em ações tão logo os movam, o que acaba por fazer perecer suas atitudes no abismo da irracionalidade.

   A crueza brutal tem esse aspecto de selvageria bárbara, e é devido a essa convulsão de sentimentos que faz a razão ser eclipsada que um determinado ativismo se torna tão atraente, pois oferece uma espécie de razão transcendental a partir da qual a vida tem algum sentido, mesmo que obscuro. Por mais grotesco que possa parecer, sempre é reconfortante se conceber como estando do lado certo da história. E melhor é quando não precisamos pensar muito sobre isso. São as simplificações terríveis do dia que nos revelam o quão animalesco pode ser o homem quando abandonado ao seu próprio sentimento e pior ainda quando aliado a uma motivação transcendente, se encontra à mão aquela ideologia que concede fundamento à sua vaidade moral. Animalidade e vaidade moral foram os dois ingredientes que constituíram a explosividade do nazismo e do marxismo, ambos matando em nome de uma razão superior: um em nome de uma suposta supremacia racial, o outro em nome dos decretos da história. 

   É impressionante o quão sujeitas se encontram as sociedades modernas ao contágio de apelos messiânicos. O vácuo espiritual que o materialismo ocidental causa cria um espaço insalúbre propício para o nascimento de delírios utópicos, fruto de uma espiritualidade degenerada casada com um desejo materialista não totalmente satisfeito. Os detritos do cristianismo no ocidente pôs em circulação um espírito revolucionário insatisfeito com a não conquista da eternidade, e, à maneira dos Titãs, não podendo assaltar o céu, trouxemos a destruição sobre a terra. Contudo, o caso interessante do ocidente é que a falta de espírito o faz ter também falta de forças para morrer. Não acreditamos em nossas utopias, que são para nós epenas um passatempo articulado no vácuo de nossa vida insatisfeita. Contudo, outros, para a sua própria desgraça, acreditam por nós. O refinamento ocidental não o deixou que ele fosse pego pelas suas piadas sinistras. O caso da China e da Rússia é emblemático porque tratam-se de nações que levaram a sério até à morte uma trapaça que inventamos por não termos nada mais sério a fazer. Como puderam eles crer em uma ideia que exigia muita fé para ser crida e que foi forjada em meio a uma sociedade que já não tinha fé alguma?

   Por outro lado, ao que parece, tal piada não pode ser negligenciada em seus efeitos, já que tende a agregar sentido àqueles que já não tem mais esperança. O avanço de ideias totalitárias deveria nos convidar à consideração sobre a miséria do nosso mundo. Dois mundos infinitamente se afastam tragicamente nessa história toda até o ponto de unidade absoluta: o mundo dos cínicos e o dos desesperados. Os cínicos inventam cosmos inacreditáveis por passatempo; os desesperados, por lhes faltarem esperanças, engolem tudo o que possa desatola-los do meio desta realidade pútrida, miseravelmente fria e cadavérica, o que acaba por atolá-los cada vez mais no lixo da existência. As necessidades de um novo delírio revelam o vazio dos cínicos na medida em que eles necessitam de uma pequena faísca mística de emoção para sobreviver, mas que eles são incapazes de manter acesa até o fim por lhes faltar amor e a fé necessária para acreditar em Deus ou em si mesmos; e por outro lado lançam luz sobre os existencialmente desesperados, que por estarem deformados pela ausência de esperança, afogam-se em um nada violento e desolador, visto que não possuem mais nada a perder. Qual o sentimento em meio a tudo isso se não uma mescla de ira e compaixão, de apelo à espada e à misericórdia diante do escândalo da existência? O ideia de um mundo condenado a um drama sério que nos convida a crer que tudo nasceu para dar errado não é de todo infundada, mesmo que a crença nisso faça aniquilar o nosso próprio espírito em niilismo. 

   Diante disso, é somente pela fé que ainda podemos assegurar que o mundo foi formado por um Deus bondoso, pois é isso o que a nossa razão pede para que ela não possa morrer e para que o mal não seja justificado diante da história. A necessidade de um novo delírio é fruto do tédio e do desespero, mas é somente a presença de Deus e de um amor crucificado que pode salvar a nossa razão do delírio que a nossa vida pede para não morrer de inanição de sentido; contudo é bem sabido que esse delírio não nos faz viver, apenas acelera tragicamente a nossa própria destruição.