terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Instituições: Um Mal?

As instituições não existem para destruir pessoas, na verdade as instituições são produtos humanos, produtos de reflexão humana e do logo e sofrido confronto humano com a própria realidade. O processo de formação das instituições se assemelha ao processo formador da cultura: resultam de um longo acúmulo de experiências e de razões que as pessoas não podem, sob hipótese nenhuma, adquirir sozinhas. Elas estão aí, por tanto, em princípio, para ajudar o homem - até mesmo contra o homem.
Há uma ficção em voga que diz sobre a maldade nata das instituições, algo como se elas fossem, no mínimo, o produto direto da corrupção humana. Na verdade há um tom de desprezo e ignorância profunda nesse argumento, ou um desejo pela destruição daquelas saudáveis travas que funcionam como freios às paixões humanas e à soberba humana que impendem que o homem corrupto desfralde a sua maldade ao mundo com o poder de um rei.
O desprezo às instituições não é algo humano, mas é, ao contrário do que se diz, anti-humano. Ele apoia-se em naquela vontade destrutiva onde a liberdade fundada em um ódio às convenções, aos acordos e ao respeito ao labor de terceiros - e um amor desmensurado a si mesmo - só pode degenerar em anarquia, um estado de coisas onde a vida torna-se basicamente impossível: a guerra de todos contra todos.
Todas as relações sérias se tornam institucionalizáveis, vindo a ser: Igreja, Estado, casamento, empresas, escolas, hospitais, partidos, fundações, grupos de estudo, agências financeiras etc. Todos fogem de um determinado estado primitivo para vir a ser potencializado pela razão e pelas descobertas do funcionamento das leis que guiam as relações e realizações humanas nos mais diversos campos da vida. Elas se tornam instituições em favor do bem e não do mal humano - e findam-se aqui as tolices de Jean Jacques-Rousseau.
A unidade entre os homens só pode resultar de um acordo formal e de um pacto que leve em conta a unidade da natureza humana descoberta ao longo da história. Quem possui um desprezo pelas instituições como princípio ama a desintegração das relações - e, por tanto, a desintegração dos homens -, e geralmente não sabe o que está falando, ou possui, no fundo, um desejo resoluto por destruir e de se auto-destruir.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Sentimentos Demais e Juízo de Menos


O nosso mundo presente é extremamente guiado pelo afeto, pela sensação visual e por tudo aquilo que se pode perceber de forma mais direta possível - à semelhança dos animais que são débeis na utilização do intelecto. O mundo da razão e o conhecimento dos valores que julgam nossas sensações, com isso, é deixado de lado. Não é difícil ligar esse estado de coisas à situação absurda na qual vivemos. A destruição da inteligência, a redução de todo o mundo ao prazeroso - a plena floração da existência "estética", como dizia Kierkegaard -, a moda sentimental do multiculturalismo que afirma a inexistência de coisas superiores e inferiores no mundo (um pensamento para não deixar ninguém ofendido com as suas misérias), é, ao mesmo tempo, a destruição de toda a capacidade de juízo das ações mínimas na nossa vida concreta.

Uma mente humana comum sabe que diante de escolhas é necessário que optemos pelo mais urgente quando necessário, e pelo lúdico quando possível. A possibilidade mesma de julgar o "bom para o momento" é uma das coisas que caracterizam a inteligência humana e que impedem que caiamos em uma existência amorfa, o que seria algo simplesmente anti-humano - pois aqui, em sentido radical, a vida não vale mais do que a morte. O senso de hierarquia de prioridades é aquilo que possibilita que eu opte gastar o meu salário com a minha família ao invés de gastá-lo com jogos de azar. Toda escolha moral é uma escolha que envolve coisas com as quais estou envolvido de forma irredutível. É justamente isso também que me faz irresponsável quando não cumpro com o meu dever, distribuindo os custos de minhas irresponsabilidades com outros que acabam arcando com as consequências dos meus atos, não obstante não serem responsáveis por isso. É nesse sentido que a vida é inteligível; e é isso mesmo que forma a base de juízo para qualquer espécie de conduta humana, pois nenhuma ação humana está isenta de juízo.

Para a nossa própria orientação o universo moral deve ser evidente, e a política de terra rasada de todo universo moral só tende a beneficiar, em último caso, o imoral. Mesmo o antropólogo que observa uma cultura estranha com "isenção" faz isso em nome de um certo "respeito" e uma "superioridade científica". Mas devemos nos perguntar se até aí a própria atitude de isenção por parte do antropólogo não é algo que parte de um juízo de valor sobre a melhor atitude diante do seu ofício. Nesse sentido a sua imparcialidade é um posicionamento que ele crê ser superior ou adequada ao ofício, se servindo, por tanto, de uma hierarquia de valores e de um tipo de juízo moral que considera "inadequada" a parcialidade ou inferior a atitude de julgamento moral sobre as culturas, algo que não se deveria esperar de um antropólogo. Também é aqui que o multiculturalismo - que apela para uma indiferenciação valorativa de todas as culturas - se coloca como uma espécie de filosofia superior àquelas que julgam que um juízo de valor sobre as culturas - que define o inferior e o superior - não seja apenas adequado, mas imprescindível para conduta humana normal. Por tanto o sistema moral do multiculturalismo - que é sentimentalista e politicamente correto - é destruído em sua própria base.

Mas o que viria a ser a decadência da inteligência com base na orientação meramente sentimentalista das decisões? Muito se ouve falar de que devemos buscar ser "felizes"; contudo só um louco ou Deus podem ser felizes o tempo todo. A vida é mesclada com a infelicidade que nos caracteriza e que também nos humaniza. Não há bem verdadeiro no contexto desta vida que não esteja marcado pela realidade do sofrimento. Esperar ser "feliz o tempo todo" só pode ser um objetivo de vida de uma pessoa mimada. Não é sem razão que hoje, nesta busca desenfreada pelo prazer da felicidade, essa ideia tenha colocado em xeque instituições tão veneráveis com o casamento, e prostituído coisas tão importantes como a Igreja. Tal vez levada também pelo sentimento democrático, a verdadeira literatura e a verdadeira religião que tendiam a confrontar radicalmente o homem de maneira viril, acabou por ser rebaixada em sua verdadeira missão de servirem como o aguilhão da consciência ao nível das propagandas. O menor custo e o maior lucro parecem ser a tábua de juízo em um mundo onde a popularidade é o maior índice de valor que as coisas possuem.

Ao contrário disso, muitos esforços foram empreendidos para a descoberta do verdadeiro Bem para o homem. Sócrates inaugurou uma tradição de reflexão sobre a justiça que até hoje não cumpriu o seu papel de esgotar o assunto. Já o seu pupilo Platão remeteu a solução para o mundo das ideias eternas, cuja reflexão exata sobre essa realidade só poderia alcançar o ponto máximo quando atingisse o infinito, quando o pensamento e o espírito humano se elevassem à identidade absoluta com a Ideia Eterna. Mas os filósofos sabiam - ao contrário dos utópicos e radicais políticos de hoje - que vivemos no mundo da finitude, por isso o filósofo só poderia vislumbrar a totalidade da Ideia Eterna após a morte, quando desobrigados e desembalados da finitude que nos cerca. Da mesma forma o cristianismo prometia a bem-aventurança da Visão de essência eterna de Deus quando nossa alma estivesse em eterno matrimônio com o Eterno após a morte e o Juízo Final. Nessa escola filosófica espiritualista ficava clara a mensagem de que o mundo das paixões atrapalhavam a nossa Visão, ou contemplação da Realidade Absoluta. Por isso forças descomunais foram empregadas pelos intelectuais místicos para a compreensão da realidade, pois eles sabiam que no campo dos sentidos e das paixões - sejam eles afetos sentimentalistas ou o ódio brutal - não existe entendimento.

Falávamos dos afetos. E esses são, porque corrompidos, uma das partes do problema, e não a solução. Com isso não quero afirmar que nossos afetos não possuam um lugar especial na vida humana, pois é deles que nascem os nossos sentidos mas básicos de pertença e compromisso sem os quais nada importaria em nosso mundo. Contudo eles podem, quando deixados a si mesmos, nos transformar em piegas de um sentimentalismo barato ou em monstros ressentidos. A operação da inteligência nesse campo se torna necessária pelo simples fato de que é o intelecto humano que realiza juízos de valor e que estabelece hierarquias por meio dos quais julgamos nossas ações práticas e os nossos sentimentos como bons ou maus no contexto da realidade das nossas relações com o mundo. É por isso que em um país tão entregue aos sentimentos de euforia e de tristezas inexplicáveis - como se as sensações fossem tudo - como o Brasil, algo de sombrio se anuncia no horizonte. Somos muito habituados e ter grandes sentimentos; o problema é que ainda não sabemos explicar o que isso significa.