terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Das Categorias ao Silogismo; Ou: Reflexões sobre o Lógico e o Ontológico: Dos Elementos Supostos no Reto Pensar

A lógica enquanto disciplina repousa sobre sobre determinados fundamentos constitutivos que não podem ser ignorados por quem se dispõe a fazer uso desse ferramental indispensável para a boa ordem do pensar. O presente texto visa refletir sobre tais fundamentos segundo o que dessa disciplina foi pensada por seu fundador e sistematizador, Aristóteles de Estagira.

A lógica nada mais é do que um conjunto de regras e procedimentos que visam conferir ordem ao processo do pensar. O grande ferramental teórico sobre a disciplina que chamamos de lógica foi produzido e organizado em um conjunto de textos que hoje nomeamos de Órganon, conjunto este que contém um total de seis tratados, que são: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores, Tópicos e Refutações Sofísticas. Desconsiderando uma análise de todos esses tratados, o que pretendo aqui é colocar em foco certos fundamentos para disciplina da lógica, discorrendo sobre a relação entre as Categorias e o Silogismo.

Aristóteles define silogismo como "uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido à mera presença das suposições como tais"1, ou seja, trata-se de uma locução formada por certas premissas, ou suposições, ou mesmo juízos, dos quais uma conclusão necessariamente se segue. Um silogismo é, por tanto, constituído de premissas e premissas são orações que negam ou afirmam algum predicado de determinado sujeito. Assim, a oração, ou a premissa, pode ser classificada como universal, particular, ou indefinida. Por universal se compreende aquilo que se aplica ou não à totalidade do sujeito; por particular se entende aquilo que se aplica, ou não se aplica, parcialmente ao sujeito, ou a nada deste; por indefinida aquilo que se aplica, ou não se aplica, sem se referir universalmente ou particularmente ao sujeito. Sobre os tipos de premissas falaremos mais adiante.     Estabelecida essa questão é importante considerarmos algumas coisas importantes aqui, já que definimos formalmente o que é um silogismo, e o que são as premissas que constituem um silogismo. Tendo em mente que uma premissa é algo que nega ou afirma algo deste sujeito, devemos entender o que é um sujeito e como podemos compreender quais são os predicados que são possíveis de serem negados ou afirmados deste sujeito - e aqui já podemos determinar que a lógica enquanto disciplina repousa sobre fundamentos que dizem respeito à constituição do ser, ou seja: o uso consequente do ferramental lógico repousa sobre um fundamento ontológico, pois todo pensar é um evento que ocorre no ser.
    Quando falamos de ontológico nos referimos ao ser, e mais especificamente à ciência da constituição do ser. Aristóteles, quando refletiu sobre essa constituição estabeleceu aquilo que chamamos de Categorias, que são elementos constitutivos do ser percebidos pelos sentidos e discernidos pela razão, ou seja: a razão, a partir de notas captadas pela experiência da realidade, discerne e distingue as categorias pelas quais conhecermos os objetos e as leis constitutivos da própria realidade. Essas Categorias são em número de dez, uma se referindo à substância e nove outras se referindo aos acidentes, ou seja: dez são os tipos de categorias que podemos predicar de um sujeito. Estas categorias são:     1 - Substância: Tudo o que existe existe ou em si mesmo ou em um outro; e quando existe em si mesmo isto é uma substância, tal como homem, ou animal; se existe em um outro são acidentes, tal como é o peso, a cor, ou a qualidade (inteligência, força, sagacidade) de um homem específico. Das substâncias podemos classifica-las como substância primeira e substância segunda. Animal, por exemplo, é algo que constitui um gênero em relação ao qual Homem é uma espécie, espécie à qual pertence o indivíduo Sócrates. Destas apenas Sócrates é uma substância primeira, pois é a realidade concreta perceptível pelos sentidos em relação à qual gênero e espécie são realidades abstratas, em si mesmas impossíveis de serem captadas pelos sentidos, sendo discernidas apenas pelo intelecto, p. ex: homem (no sentido de humanidade), não é possível de ser individuado em si mesmo, mas é percebido naquele ou neste homem específico; também somente este ou aquele homem em específico pode ser delineado in concretum em um desenho e ser apresentado aos sentidos, no entanto o homem (humanidade) é captado apenas in abstractum pela razão através da predicação da substância primeira, p.ex: Sócrates ou César, que são homens in concretum e não a humanidade in abstractum (substância segunda) etc.; da mesma sorte não há exemplos do que seria um animal in genere, mas apenas aquele ou este animal daquela ou desta espécie, neste ou naquele exemplo específico, como naquele homem Sócrates, neste boi etc. Mas acerca disso falaremos mais adiante. No entanto importa saber que é na substância em que ocorrem os nove tipos de acidentes listados abaixo;
    2 - Quantidade: A quantidade é a determinação quantificável da matéria da substância, p. ex: quando identificamos pelos sentidos que um homem é alto ou baixo;     3 - Qualidade: A qualidade é a determinação da natureza ou da formal de uma substância, p. ex: quando chamamos alguém de inteligente, arguto, belo, gentil etc.;     4 - Relação: A relação é a determinação a respeito da referência que uma determinada substância, ou um acidente, tem em relação a outra substância ou acidente, p. ex: quando nos referimos a alguém como pai, mãe, subordinado, patrão, mestre, amigo, inimigo, sucessor etc.;     5 - Ação: A ação é a determinação da substância a respeito da sua capacidade de exercer poder afim de provocar um efeito em si mesmo ou em outro, p. ex: discursar, operar uma máquina, curar, apaziguar, guerrear, orar etc.;     6 - Paixão: A paixão, ou a passio, é a determinação da substância a respeito da recepção sofrida (pathos) de um efeito causado por uma cação sobre si mesma, p. ex: lesionado, curado, consolado, fortificado, ferido, amado, esquecido etc.;    7 - Quando: Quando é a determinação da substância que a posiciona no curso dos eventos extrínsecos que medem a sua duração, p. ex: ontem, na sexta-feira, no séc. x, etc.;     8 - Onde: Onde é a determinação da substância que a posiciona em relação a outras substâncias corpóreas posicionadas no entorno, mensurando e determinando o seu lugar, p. ex: no céu, na cidade, em casa, num púlpito, no beco, na Igreja, no campo etc.;     9 - Postura: Postura é a determinação da substância que indica a posição de partes da mesma em relação a outras partes, p. ex: deitado, encolhido, estirado, sentado etc.;     10 - Estado: Estado é a determinação da substância que indica o elemento (de destaque) extrínseco à substância que a posiciona em relação a outras substâncias, ou de indivíduos em relação a outro indivíduo, ou a um ou mais grupos de indivíduos - tal determinação envolve vestimentas, hábitos, armas, o ornato -, p. ex: alguém calçado, uniformizado, armado etc.

    Aqui identificamos acidentes com determinações, já que ambos compreendem as realidades pelas quais uma substância particular pode se tornar conhecida.     Seguindo a estruturação da irm. Mirian Joseph, as categorias podem ser organizadas em três subcategorias pelos quais podemos classificar as predicações do sujeito, subcategorias que, em ordem se referem 1. À substância enquanto sujeito mesmo; 2. Aos predicados enquanto intrínsecos ao sujeito; 3. Aos predicados enquanto extrínsecos ao sujeito. Para esclarecer essa divisão, colocarei abaixo, em itálico e negrito meus, o texto da própria Irm. Mirian Joseph, como se segue:     1. O predicado é o sujeito mesmo. Se o predicado é aquilo que o próprio sujeito é, e não o que existe no sujeito, o predicado é uma substância (Maria é um ser humano).     2. O predicado existe no sujeito. Se o predicado que existe no sujeito flui absolutamente da matéria, o predicado é uma quantidade (Maria é alta). Se o predicado que existe no sujeito flui absolutamente da forma, o predicado é uma qualidade (Maria é inteligente). Se o predicado existe no sujeito como relação com respeito o outro, o predicado está na categoria da relação (Maria é filha de Ana).     3. O predicado existe como algo extrínseco ao sujeito. Se o predicado existe em alguma coisa extrínseca ao sujeito e é parcialmente extrínseco como princípio de ação no sujeito, o predicado é então uma ação (Maria analisou os dados). Se o predicado existe em algo extrínseco ao sujeito e é o termo de uma ação sobre o sujeito, então o predicado é uma paixão (Maria foi ferida). Se o predicado existe em algo extrínseco ao sujeito e é totalmente extrínseco como medida do sujeito em relação ao tempo, então o predicado está na categoria do quando (Maria estava atrasada). Se o predicado existe em algo extrínseco ao sujeito e é totalmente extrínseco como medida do sujeito em relação ao lugar, o predicado está na categoria do onde (Maria está aqui). Se o predicado existe em algo extrínseco ao sujeito e é totalmente extrínseco ao sujeito como medida do sujeito relativamente à ordem das partes, o predicado está na categoria postura (Maria está de pé). Se o predicado existe em algo extrínseco ao sujeito e é meramente adjacente ao sujeito, o predicado está na categoria do hábito (traje, aparato, posse, provisão, habilitação, etc.) (Maria veste roupa de gala).2     O conhecimento do que seriam os predicados ou as determinações do sujeito são propedêuticos, ante-salas, preliminares, ou conhecimentos fundamentais para o prosseguimento na disciplina da lógica, pois a aquisição de regras formais básicas não é por si mesma suficiente para aquilo que chamamos de raciocinar lógico. O conhecimento da estruturação da realidade é, também, fundamental e pré-condição básica para a execução de um pensar consequente. Entendido isso, vamos discorrer sobre a constituição básica de um silogismo.     Como dito anteriormente o silogismo é "uma locução formada por certas premissas, ou suposições, ou mesmo juízos, dos quais uma conclusão necessariamente se segue". Silogismos são constituídos de premissas, e como dito anteriormente as "premissas são orações que negam ou afirmam algum predicado de determinado sujeito". E para além daquela classificação que fizermos ao dizer que as premissas podem ser tanto universais, particulares, ou indefinidas, podemos dizer que a estrutura do silogismo é constituída de três juízos/proposições, ou melhor, duas premissas e uma conclusão. Portanto, mais especificamente, um silogismo é constituído por uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão.     *Concretamente, isto é um silogismo: Premissa maior: Animal é aquilo que se move por si mesmo; Premissa menor: o homem é algo que se move por si mesmo; Conclusão: o homem é um animal.     Analisemos esse silogismo: Toda a argumentação proposta acima segue certa regra básica de predicação e subordinação segundo a constituição da substância, ou do sujeito, da qual podemos concluir que tal silogismo se trata, segundo as regras básicas propostas por Aristóteles, de um silogismo perfeito. Mas para lançarmos mais luz sobre a questão, lembremos das regras básicas propostas pelo Estagira para a compreensão daquilo que nomeamos de substância. Mas antes de mais nada definamos a substância como a categoria metafísica sobre a qual ocorrem aquilo que nomeamos de acidentes. Como dizemos ad supra, as substâncias são classificadas em substância primeira e substância segunda, e isso corresponde à distinção que se faz entre gênero, espécie e indivíduo. Essa gradação da substância trata-se de uma distinção de razão fundada no exemplo concreto do qual predicamos a classificação das substâncias. No silogismo acima lidamos com graus distintos na mesma substância, como é o caso de animal e homem, e ainda posicionamos na proposição, como termo médio do silogismo, uma nota distintiva que percebemos no homem concreto, que é o auto-movimento (se move por si mesmo) . Todas essas informações são essenciais para o que vem a seguir.
    A premissa maior é aquela na qual o termo maior contém totalmente o termo médio; a premissa menor é aquela na qual o termo menor se subordina ao termo médio. Assim classificamos como animal todo aquele que é semovente (aquele que se move a si mesmo - ad supra), já que mover-se a si mesmo é algo que predicamos de animal. Da mesma forma predicamos de homem o auto-movimento, já que in concretum é nota distintiva desse ou de qualquer homem, em graus variados, o auto-movimento, caso contrário ele não teria animação, e não seria, portanto, um animal. Mas prestemos atenção na gradação da substância aqui: podemos certamente predicar animal de homem, mas jamais poderíamos, segundo a gradação da substância (gênero, espécie), predicar homem de animal. Este ou aquele homem é a substância concreta, o objeto do conhecimento do qual podemos predicar homem (humanidade) e animal, atingindo níveis constitutivos da substância cada vez mais abstratos. Assim, podemos predicar uma determinação distintiva pela qual se reconhece todos aqueles que estão, sub genere, como animais; ora, a premissa maior que contém o juízo universal, contendo totalmente em si o termo médio, é formada pelo termo mais abstrato (animal), o qual subordina a si tanto o termo menor (homem), assim como o termo médio (auto-movimento), que aqui é um duplo acidente que podemos classificar como ação/paixão - já que mover-se é provocar (reflexivamente) uma ação sobre si mesmo, sedo a substância tanto sujeito da ação, como paciente dela. Não podemos dizer que o termo menor (homem) contém em si in toto o termo médio, já que o auto-movimento não é uma determinação distintiva apenas do homem, mas também das várias espécies de animais. É por isso que dizemos que o termo menor se subordina ao termo médio. Assim dizemos que se animal (A) se aplica a todo auto-movimento (B), mas que homem (C) não se aplique a todo B, então temos um silogismo perfeito.     Em sentido contrário, se a proposição/juízo universal se referir ao termo menor, então neste caso não pode haver silogismo, p. ex: Premissa maior: Todo homem se move a si mesmo; Premissa menor: É característica do animal se mover a si mesmo; Conclusão: O animal é homem. Sublinhamos o termo médio para seguir toda a regra estabelecida em relação ao silogismo. Aqui a premissa maior, ainda que suposta como verdadeira, não contém o mais universal do termos do silogismo, já que não contém em si in toto o termo médio - pois como constatamos anteriormente, nem todo aquele que se move a si mesmo é homem, e assim se mover a si mesmo (B) não é algo que se aplique a todo homem (A). Já animal (C) em relação a homem não pode servir de termo menor, já que subordina a si tanto o semovente quanto o homem. Também na conclusão não é certo que animal seja em si homem, pois nesse caso há uma confusão na gradação da substância, subordinando o mais abstrato ao menos abstrato.     Obviamente que há outros arranjos e regras silogísticas, mas estes dois exemplos nos quais empreendemos a nossa análise evidenciaram aquilo que nos propomos no início: dizer que as regras da lógica estão fundadas em certa constituição do ser, ou melhor, que o pensar lógico está fundado naquilo que chamamos de ontológico. ____________________________________________________________________ 1] ARISTÓTELES - Orgánon: Analíticos Anteriores. ed. Edipro, 2016. p. 118.
2] JOSEPH, Irmã Mirian - O Trivium: As Artes liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica. ed. É Realizações, 2014. p. 51.

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Anotções nos Analíticos Anteriores: 2ª Anotação

    Em I.IV Aristóteles inicia dizendo que embora toda demonstração seja um silogismo, nem todo o silogismo se trata de uma demonstração. Portanto a demonstração está para o silogismo assim como a espécie está para o gênero.

    6) TERMO MÉDIO: Já indicamos que termo é a conclusão do silogismo, ou aquilo em que o silogismo se resolve, seja em relação ao sujeito ou seja em relação ao predicado e isto no que se refere ao seu ser ou ao seu não-ser. Entendido isso o termo médio é aquele que contém em si um outro termo ou que está contido em um outro termo, ocupando a posição mediana, p. ex: B está contido em A, como contém C, embora A e C não estejam totalmente contidos um no outro. 

    7) EXTREMOS: Se refere aos termos nos quais há uma predicação total de termos limites, ex: se A é predicado totalmente de B e B de todo C, A será necessariamente predicado de todo C. Sendo assim, se A não é predicado de nenhum B e B é predicado da totalidade de C logo se segue que A não será absolutamente predicado de C

    * De 6 e 7, se diz o seguinte segundo Aristóteles: Se, contudo, o primeiro termo se aplica a todo o termo médio [B, no caso] e este a nada do último, não haverá silogismo entre os extremos, pois nenhuma conclusão é necessariamente deduzida dos dados apresentados, visto ser possível para o primeiro termo se aplicar a ou a tudo ou a nada do último, não resultando assim necessariamente nem uma conclusão particular nem uma universal; e uma vez que não resulte nenhuma conclusão necessária de premissas, não pode haver nenhum silogismo (26a5). 

    8) AS TRÊS PROPOSIÇÕES/JUÍZOS CONSTITUTIVOS DE UM SILOGISMO: Um silogismo é constituído de 3 juízos ou proposições, cf. Nota 77 da ed. Edipro 2016. Assim, segundo Aristóteles, as três proposições são nomeadas como se segue: 1) premissa maior, 2) premissa menor, 3) conclusão. Assim entendemos a constituição do silogismo: A premissa maior (primeira premissa) sempre será universal e suposta como verdadeira; A premissa menor (segunda premissa) sempre será suposta como verdadeira também; e a conclusão é deduzida das premissas. Aristóteles também nomeia essas proposições de juízos. E então temos, ex: 1) Premissa Maior: Todos os bípedes são animais; 2) Premissa Menor: Todos os homens são bípedes; 3) Conclusão: Todos os homens são animais. 

    9) DO TIPO DE RELAÇÃO ENTRE AS PRESMISSAS DA QUAL NÃO SE SEGUE UM SILOGISMO: Se a premissa maior se aplica a todo o termo médio e este a nada da premissa menor menor, então não haverá silogismo. Também: se A se aplica a todo B, e este a nada do C, logo... 

    *Acerca do Termo Médio: A noção de termo médio é de fundamental importância, e acerca dele podemos dizer o que se segue: O termo médio contém em si totalmente a premissa maior e a premissa menor se subordina inteiramente ao termo médio, mas não está presente na conclusão, já que sua função é exercida como mediador entre a primeira e segunda premissas, p. ex: na primeira premissa, ou na premissa maior (A), à qual nos referimos em 8, dizemos que Todos os bípedes são animais - ora, animal contém em si todo o bípede -; já na segunda premissa, ou na premissa menor (B), dizemos que todos os homens são bípedes - Ora, bípede é algo que se aplica a homem, pois todo homem está contido em bípede, já que todo homem é bípede, embora nem todo bípede seja homem, pois há bípedes que não são homens. Portanto vemos que nas duas premissas bípede serve de termo médio, pois o primeiro termo, necessariamente universal, que é animais, contém em si todo bípede; já o segundo termo, que é homens, está contido no termo bípede, e se submete a ele, pois há bípedes que não são homens, embora todo homem seja bípede. O termo médio tanto está contido no primeiro termo de A, quanto contém todo o último termo de B, mas está excluído de C, que seria a conclusão:
Todos os homens são animais.   

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Anotações nos Analílicos Anteriores: 1ª Anotação

     O livro inicia dizendo que se trata de um estudo a respeito da demonstração, e que para o prosseguimento do estudo é necessário definir o que significa premissatermo e silogismo, sendo ainda necessário a distinção entre silogismo perfeito e silogismo imperfeito, assim como definir em que sentido realmente se diz estar e não estar um termo inteiramente contido num outro e o que se pode compreender por ser predicado de todo ou de nenhum, ou melhor, o que significa afirmado universalmente assim como negado universalmente. Temos aqui, para compreendermos o que significa demonstração, basicamente dez tarefas, o que inclui esclarecer o significado da própria demonstração. 

    1) PREMISSA: A começar com a explanação do significado de premissa, Aristóteles afirma que esta se trata de uma oração na qual se afirma ou se nega algo e determinado sujeito. Segue-se que a premissa ou a oração tem a sua aplicação a todo o sujeito (seja na negação do todo ou na afirmação do todo), a algo particular desse sujeito (seja na negação de algo particular ou na afirmação de algo particular do sujeito), ou na premissa/oração indefinida, que é aquele se aplica ou não ao sujeito, sem referência à universalidade ou particularidade do sujeito. Assim, Aristóteles expõe que há distinção certa entre a premissa silogística, demonstrativa e dialética - algo a respeito do qual se falará mais tarde. 

    2) TERMO: Aristóteles define de forma criticamente breve o sentido de termo, que significa exatamente "aquilo em que a premissa se resolve", ou seja, aquilo em que a premissa conclui, seja com referência ao sujeito ou ao seu predicado, naquilo que dela se conclui do seu ser ou do seu não ser. Podemos verificar o sentido da palavra no uso comum que fazemos da expressão chegar a termo, se referindo à conclusão do ato, ou no caso aqui em questão, se referindo a sentido limite do silogismo, ou a sua conclusão.

    3) SILOGISMO PERFEITO: Assim podemos entender que o silogismo é constituído de certas suposição, que uma vez feitas, algo distinto das próprias suposições se seguem, levando ao seu termo necessário, ou seja, a certa conclusão. Assim, o Silogismo Perfeito é aquilo que conduz ao termo sem que nada além das próprias suposição concorram para que se alcance o termo das suposições.

      4) SILOGISMO IMPERFEITO: Assim, podemos chamar de Silogismo Imperfeito a oração que requer que outras suposições estejam presentes para chegar a um termo, termo esse que não se segue necessariamente das premissas supostas no silogismo

        5) DA ESTRUTURA DA CONVERSÃO: Aristóteles segue expondo a questão da conversão das premissas nos termos. Assim, entendemos que algum atributo se aplica, ou tem que se aplicar, ou possivelmente se aplica a algum sujeito. Assim, os tipos que se mencionou são divididos em afirmativos ou negativos, conforme o modo de predicação. Assim, no campo da predicação universal, a premissa negativa é necessariamente convertível em seus termosEntão Aristóteles dá o exemplo: Se nenhum prazer é bem, tampouco será alguma coisa boa, prazer. Entendamos a questão mediante análise: Se é um termo que eleva o diálogo para a esfera do hipotético. O início da sentença a caracteriza como hipotética. Prazer é sujeito, e bem é um atributo, e como ou tal está no gênero de coisa que se predica de um sujeito. Portanto, se de forma alguma se predica o bem  desse sujeito, que é o prazer, então se conclui que universalmente não é possível, ex hypothesi, que algum bem seja também prazer. E diferentemente da premissa negativa, cuja conversão em seu termo é universal, a premissa afirmativa é necessariamente conversível, porém não universalmente, ex: Se todo bem é prazer, algum prazer também será bem. Em relação às proposições particulares, a premissa afirmativa tem que ser convertível como particular, ex: Se algum prazer é bem, algum bem será também prazer. E em relação às proposições particulares negativas, elas não são necessariamente convertíveis, pois, como diz Aristóteles, não se segue que se homem não se aplica a algum animal, tampouco se aplicará animal a algum homem.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A Filosofia Moral Kantiana e a Questão da Humanidade Como Paradigma da Moralidade

    A filosofia moral kantiana concorda que um imperativo deve ser aquele que liga a vontade à razão, entendendo que a volição humana deve ser determinada por uma lei apriori da qual só a razão é capaz. Essa razão prática apriori também ordena que se deva considerar a humanidade como que pertencendo ao reino dos fins, o que significa dizer que a humanidade (em mim ou no próximo) deve ser levada em consideração na determinação material da ação, ou seja, a humanidade como princípio apriori deve determinar a vontade de tal forma que o termo da ação realize o propósito da humanidade, já que meu dever nesta realização da humanidade é incondicionado, pois a humanidade é humanidade racional, e o padrão absoluto de tudo o que podemos chamar de moralidade.     Poderíamos nos perguntar a que tipo de humanidade se refere Kant, pois obviamente ele se refere aqui a um ideal de ação fundada em uma idéia absoluta de humanidade. E levando em consideração que a ideia em Kant se trata de uma regra universal abstrata que subsume uma ação determinada, ação que uma vez conformada à ideia se converte como um ideal, então temos que concluir que ao fundar a sua noção de ideia aprioristicamente, Kant assume a humanidade como a medida total pela qual se mede todo conceito de moralidade. E entendendo, por tanto, que a fonte de todos os valores é antropológica – já que fundada na própria natureza humana -, há de se perguntar o que é esta humanidade a partir da qual podemos formar o cânone da razão e da própria moralidade.     A questão aqui é evidentemente difícil, pois se pressupõe que a humanidade é a regra de sua própria razão, pertencendo, como natureza racional, ao reino dos fins. Obviamente se desejamos afirmar a razão prática como a fonte pela qual formamos o cânone da moralidade, só podemos estar nos referindo a algo que se queira como absoluto, válido por todos os tempos e em todos os lugares. Não falamos da humanidade e da razão enquanto pertencente ao reino do contingente e relativo e sim enquanto pertencente – ou constituindo – à esfera do absoluto. Não se trata de um homem em particular afetado pelas suas inclinações, vícios e pela sua arbitrariedade, pois esse seria o exemplo sensível do anti-homem, mas sim do Homem enquanto cânone da humanidade, sendo esse acessível à razão e do qual podemos provavelmente não dispormos de exemplo sensível algum, posto que homem ideal determinado de forma absoluta em todos os seus atos particulares pela ideia de humanidade.     Kant lidou de forma profunda com a questão da moralidade, respondendo a essa questão aos moldes de uma filosofia platônica que não mais conhecia a ideia de homem ou de moral no céu das ideias abstratas, mas sim no reino da razão apriori. Podemos dizer que as ideias não são realidades constitutivas extra-nós, mas sim intra-nós. O homem seria assim como que o fundamento da sua própria humanidade, pois dotado de algo extremamente estável como é a razão. Devemos investigar aqui o quanto o conceito de imortalidade da alma – que é a única que pode oferecer tal conceito à filosofia kantiana –, em seu molde critão-escolástico, influenciou Kant em seus postulados. Obviamente pode surgir a objeção de que mesmo o pensamento escolástico não é tão aprioristico como o pensamento de Kant. Mas ainda que concedamos isso, esse ponto não influi em nada na questão proposta, já que esta depende de outra, que é se é possível ao homem ter um conceito de si a partir da intuição de sua própria natureza, mesmo que em grau ínfimo.     A dificuldade da questão kantiana ainda se impõe a nós se chegarmos à conclusão de que a afirmação de que o homem não é fundamento de si mesmo é, ainda hoje, não raramente posta de modo absolutamente dogmático e não epistêmico. Digo modo dogmático como são dogmáticas as opiniões postas com base na autoridade e na opinião comum, e não em conformidade com uma asserção racionalmente fundada. Para ilustrar a questão, vamos nos remeter à opinião antiga de que Deus, e não o homem, é o fundamento do homem. Deus, por tanto, é o fim, e a sua vontade é o fim como prima causa in causado. Essa questão teleológica implica necessariamente que a humanidade deve, como princípio material, ser conformada à vontade divina. O cânone da razão prática que deve conformar a vontade, lhe fornecendo não apenas o princípio, mas a forma absoluta da ação, é aqui a sabedoria divina a partir da qual todas as coisas foram estabelecidas. Temos a vontade divina como princípio intelectivo de conformação da vontade humana, percebendo-a a razão humana participante na razão divina participada. Dessa forma teríamos uma forma universal que serviria como que o padrão universal da conformação da vontade. Em Kant vemos que quem faz as vezes desse princípio formal absoluto é a ideia de humanidade. No pensamento antigo temos o princípio divino como padrão absoluto de conformação da vontade, e em Kant temos a ideia de humanidade como princípio formal absoluto desta conformação. Esses dois princípios aqui, evidentemente, servem de base para dar estabilidade à noção de moralidade.     Nesse sentido a questão, ao que parece, não pode ser revolvida na confrontação direta desses princípios, já que ambos assumem a mesma forma na discussão e servem aos mesmos fins. E a dificuldade se alarga ainda mais quando nos damos conta que, assim como Kant, a filosofia/teologia moral antiga também se agarrava ao conceito de imortalidade da alma – a fonte da qual podemos abstrair o conceito do homem. Mas mesmo seguindo o ceticismo kantiano, podemos nos perguntar em qual medida podemos afirmar uma mesma natureza racional, e não várias, para tudo aquilo que chamamos de humano; assim também podemos nos perguntar se a própria natureza humana racional, tal como Kant a concebe, está devidamente adequada à verdade. Outra questão que poderíamos levantar é sobre a etiologia da razão: De onde provém a razão humana?; ou mesmo: Podemos garantir uma adequação absoluta entre a razão humana e a natureza? Ou: A origem da razão humana não deveria ser idêntica à origem da natureza exterior, já que a percepção das leis da natureza não exige princípios idênticos partilhados entre natureza e razão? Ou melhor: Se a ideia de natureza conforma as categorias imanentes pelas quais se organiza a minha experiência àquilo que está fora da minha mente, então não seria o caso de que, compartilhando a mente e a natureza exterior fora de mim de leis conformes à razão, estaremos compartilhando leis e princípios que não estão apenas antropologicamente confinadas à mente, mas sim exteriormente presentes e que independem da mente humana para ser o que são?     Aqui apresentamos questões que certamente constituem uma longa discussão a respeito da filosofia kantiana, discussão essa que deve ser encarada certamente, mas não é neste texto que vou exaurir essa questão, deixando para outros textos uma tentativa de resolução desses problemas.