quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

O Mundo e o Conhecimento de Deus: Contra o Idealismo e o Panteísmo

    Quando se fala que o conhecimento do mundo começa com Deus seria bom, antes de tudo, pensar por qual tipo de Deus se começa a pensar o mundo nesse sistema, porque há de se levar em consideração que a ideia de Deus pela qual se começa a pensar o mundo nem é a do Deus cristão propriamente dito (ao menos, não se trata de sua ideia completa), pois alguns atributos a partir dos quais pensamos Deus também são atribuídos a doutros deuses. Aliás, pelo fato de os próprios atributos divinos serem atributos variados para a nossa razão (pois os atributos dizem respeito também aos fins distintos dos atos de Deus no mundo), até mesmo a formação da nossa noção de Deus, a princípio, demanda certa tarefa de predicação que não ocorre a não ser tendo em vista certos objetos da nossa experiência com o mundo.

    É por isso que na teologia clássica, mesmo na teologia reformada clássica, a ordem temporal é chamada de "ordem predicamental", pois o início do trabalho de predicação (pelo qual conhecemos certas qualidades dos objetos e infitizamos para atribuí-las a Deus - p. ex., quando chamamos Deus de Todo-Poderoso - porque o poder conhecemos como um fenômeno no mundo) pelo qual discursando a respeito de Deus é impossível sem o conhecimento do mundo. Assim também a ordem divina é chamada de "ordem transcendental", pois ela está acima da nossa capacidade natural, e tal ordem se reflete na ordem do mundo e se faz conhecer também pelos atos especiais de Deus no mundo. Nem podemos ir com os idealistas que falavam de um dado natural da razão pelo qual temos uma notícia complexa de Deus inata em nossa mente devido a tudo o que está acima - e nem podemos começar com a noção de que a nossa razão é um prolongamento físico ( i. e., natural) de Deus como pensam os panteístas.

    Obviamente que quando se entende que o conhecimento real do mundo só se completa com o conhecimento real de Deus, conhecimento que se dá no fim do processo do conhecimento (a ordem do ser é distinta da ordem do conhecer), entendemos que o sentido completo do mundo só pode vir à nossa mente quando entendemos que ele possui um fundamento eterno que é Deus. Mas nem por isso começamos a conhecer a Deus por si mesmo, a não ser na medida em que isso nos é possibilitado pelas informações de Deus refletidas no mundo cujo conhecimento nos é mais próximo, e, mais propriamente, na sua revelação. Ambos são conhecimentos de tipo objetivo, conhecimento que é complementado com o conhecimento subjetivo que se dá na iluminação do Espírito que precisam certos dados desses conhecimentos objetivos na nossa mente, nos auxiliando na formação de uma noção mais perfeita de Deus.

Fanatismo e Juízo

    Hoje compreendo que o fanatismo é um juízo de Deus; e dos juízo é um dos mais severos, porque cega quase ou completamente aquele que por ele é afetado - pois esse alarga a sua convicção perturbada até às raias do infinito.

    Aqueles que assim enlouquecem são gente que, como diz a escritura, será quebrantada sem que haja cura, ou perceberá sua insensatez tarde, quando se chocar violentamente contra a parede da realidade.

    Uma convicção errada, em nome de Deus, pode se prolongar indefinidamente, e todos os prejuízos reais a que isso leva, para a mente do fanático, podem ser redimidos pela ideia de que assim se sofre por causa de Deus e de sua vontade.

    Quase pouca coisa pode acordar aquele que assim pensa do seu delírio incontrolável, pois esse não é um delírio comum, mas sim um do tipo que em sua raiz encontra a sua própria justificação, encontrando aí um circuito inquebrantável.

    A graça é a única coisa que pode pode quebrar no fanático a sua cadeia mental - e essa graça é só Deus quem pode conceder.

Espírito e Discrição: Ou: A Verdade e a Condução Amorosa

    Um espírito rico jamais se permite o hábito de falar abertamente, senão com certa discrição. Cristo mesmo disse que do muito que ele tinha para falar aos seus discípulos, nada ele poderia comunicar por não ter achado entre os seus ouvidos capazes de ouvir.

    A verdade é que a comunicação aberta pode ser destrutiva, e o cuidado pastoral de Cristo esteve em conduzir pouco a pouco a consciência dos seus, coberta com várias camadas de falsos pensamentos, falsas imagens do mundo e de si mesmos, à luz - algo que não poderia ser feito sem certa cura e trato mais refinado.
    A nossa mente em geral se cobre de vários sistemas de crença falsos que servem, por vezes, de uma camada protetiva. Não é por acaso que a hipocrisia é como que a substância da moral pública e seu escudo de batalha. Muitas vezes nós mesmos não conseguimos certa paz sem empunhar certa mentira, ou sem ocultar certa verdade.
    Neste cenário, a simples franqueza se transforma em um tratamento de choque - por vezes necessário -, e como coisas assim não vem sem certo desagrado, sendo muito fácil e provável tomarmos a franqueza como ofensa e como razão do alargamento da ferida.
    A situação revela aqui um verdadeiro paradoxo: a verdade que a tudo pode salvar, porque a tudo orienta, é aquela que, dadas as atuais condições, também pode a tudo destruir: a face de Deus à luz da qual tudo vive é aquela que ninguém pode olhar e ao mesmo tempo continuar a viver.
    Como resolvemos esse paradoxo? A única resposta possível é a condução amorosa. Mesmo que não pudesse falar tudo, Cristo não deixou de dar segurança aos seus, confirmando-os como seus. A verdade por ser algo descarnado deve se revestir de um coração humano e assim vir até nós, e a verdade deve se estreitar com um beijo à misericórdia para que nossos ouvidos possam ouvi-la.
    É assim que a nós veio a verdade do nosso Deus e o Evangelho do nosso Senhor.