domingo, 28 de junho de 2020

Summun Jus Summa Injuria

   O título desse texto é um provérbio do direito romano que vertido para o português fica "suma justiça, suma injúria". E para estabelecermos um ponto de contato entre esse provérbio com a nossa experiência, podemos citar aqui o texto de provérbios: "Não sejas demasiadamente justo" (Eclesiastes 10:16a).
   Tomando esses dois textos, que para as conscicências sensíveis e para as almas puríssimas pode soar um tanto quanto ofensivo, podemos afirmar que eles oferecem uma baliza de juízo na consideração da fúria justiceira, grosseira e não raro hipócrita que assombra os nossos dias, onde mosquitos são coados às custas do engasgamento com camelos.
   O que essas duas considerações clássicas sobre a administração da justiça quer nos informar é que não existe administração geométrica para assuntos humanos, e que em muitos casos uma execução furiosa da justiça pode causar mais injúria e prejuízo do que o próprio mal que se deseja reparar. Até mesmo essa sentença e esse provérbio nos convidam para uma consideração tolerante e indulgente em relação às falhas e mesmo para os crimes alheios. Todo excesso é falo, e mesmo a administração excessiva contra excessos.
   Isso não quer dizer que tal consideração tenha que necessariamente descambar em niilismo prático, descartando a ideia de uma medida nas coisas. O que está em questão é a administração madura feita de forma cordial sobre aquilo que é alvo do nosso juízo. Em muito das nossas ações agimos de forma pascaliana, onde o coração se funda em razões que a própria desconhece.
   Mas para sermos práticos, e para dizer que a justiça anda de mãos dadas à misericórdia, há casos em que uma administração radical da justiça destrói toda uma estrutura da qual dependa algumas pessoas. Não raro traições conjugais são ocultadas por amigos para evitar que uma vez traduzida à tona o caso, tal mal não gere uma destruição maior do que o mal que já é um adultério, levando em consideração os filhos etc., deixando o tratamento da coisa para a esfera privada. A geometrização do caso, como se considerássemos saídas claras e medidas explícitas para o tratamento de problemas difíceis, leva a desastres maiores do que aqueles que procuramos evitar ao suprimir o erro com base na radicalidade.

Abstração Política e Revolução

   Em política é profundamente nefasta a toada idealista daqueles que por amor a uma abstração, por amor a um futuro hipotético, por amor a uma sociedade ideal que não existe em lugar nenhum, se colocam em marcha pela destruição da sociedade que existe.
   Não se perpetra tal mudança histórica sem uma enxurrada de crimes e destruição e só a mente psicopata pode se por tal trabalho insano - já que uma reviravolta escatológica efetuada em favor da sociedade absoluta só cabe a Deus.
   Não a revolução, mas sim a reforma que é o caminho saudável de ação política, pois a reforma não abole, mas aperfeiçoa o existente, colocando a possibilidade da ruptura como possibilidade extrema do processo de renovação.

A Tirania e a Bandeira das Boas Intenções

   Dizer que alguém está "combatendo ditadura" é um flatus vocis ou, como diria Hegel, uma palavrório vazio sem determinação de conteúdo.
   Não se conhece alguém só pelas palavras, já que elas estão sujeitas ao controle do indivíduo quenas emite, mas pela ações realizadas ao longo da vida, e isso implica que, em alguns casos, mais vale a forma da ação do que as palavras propriamente ditas, já que devidamente ligadas ao seu contexto ações possuem sentido unívoco e não equívoco.
   Só para ilustrar com uma porrada histórica a questão, lembrem-se que mesmo o Fidel Castro subiu no poder dizendo que estava combatendo a ditadura, para depois inaugurar um regime insanamente pior do que aquele que combatia.
   Ninguém se torna um tirano prometendo o inferno, antes sempre leva adiante a sua sanha com as bandeiras da liberdade.
Até mesmo o caminho do inferno é pavimentado com as bandeiras das boas intenções.

O Fanático e os Afetos

   A marca mais evidente do fanatismo é a ausência de amor. A luta real e sensata não é fundamentada pelo puro ódio ao inimigo, mas pelo amor daquilo que defendemos.
   É o amor pelos nossos, pelo nosso lar, pela nossa fé, pelos nossos filhos que nos torna aptos à batalha e que põe o signo da dignidade sobre tudo aquilo que fazemos para preservarmos de forma pura e adequada as coisas que são o alvo dos nossos afetos.
   O fanático não tem nada a defender a não ser seu próprio egoísmo, porque não tem nada para amar e nada pelo qual possa ser amado, já que a eliminação é o pressuposto básico que fundamenta tudo o que faz.

A Vinculação da Igreja a Governos

   Além do liberalismo teológico, uma das razões para o declínio vertiginoso da importância da Igreja europeia foi a relação imprópria entre Igreja e Nazismo, ainda que na pessoa de alguns (Barth, Neimöler, J.Jeremias, Bonhoeffer, Authaus, Tillich etc.), a voz realmente profética da Igreja contra o Nazismo se fez ouvir.
   A união imprópria da igreja com governos foi catastrófica em vários momentos da história, e hoje a adolescente igreja evangélica brasileira ao invés de desvencilhar a sua imagem de um determinado governo, quer, na pessoa de alguns de seus líderes, um vínculo mais profundo.
   Esse desastre levará tempo para ser reparado e marca hoje o início do declínio do prestígio das igrejas no Brasil perante a opinião pública. A Igreja cresce enquanto Igreja e não enquanto braço ideológico de governo.
   Achem ruim o quanto quiser, mas discordância ou careta não muda a natureza dos fatos.