quinta-feira, 26 de abril de 2018

Instituições, Leis, os Votos, o Matrimônio e o Princípio

   O princípio é este: em tudo o que é digno de ter - mesmo nos prazeres todos - há uma porção de prazer e tédio que deve ser preservada afim de que o prazer possa renascer e perdurar. A alegria da batalha vem depois do primeiro medo da morte; a alegria de ler Virgílio vem depois do enfado de tê-lo estudado; o entusiasmo do banhista vem depois do choque inicial em face da gelada água do mar; Todos os votos, leis e contratos humanos são maneiras de sobreviver com sucesso a esse ponto de ruptura, a esse instante de rendição potencial.
   Em tudo o que vale a pena fazer há um estágio em que ninguém o faria exceto por necessidade ou por honra. É então que a instituição sustém o homem e o ajuda a prosseguir sobre um terreno mais firme. Se este sólido fato da natureza humana é suficiente para justificar a dedicação sublime do matrimônio cristão, isso já é outra questão; importa saber que ele é plenamente suficiente para justificar a corrente impressão dos homens de que o matrimônio é algo fixo e sua dissolução é uma falha ou, no mínimo, uma ignomínia.
   O elemento essencial não é tanto a duração quanto a segurança. Duas pessoas devem estar ligadas afim de fazer justiça uma à outra, seja por vinte minutos numa dança ou por vinte anos num casamento. Em ambos os casos é que, se um homem fica entendiado nos primeiros cinco minutos, ele precisa seguir adiante e forçar-se a ser feliz. A coerção é uma espécie de encorajamento, ao passo que a anarquia (e isso alguns chamam de liberdade) é essencialmente sufocante, porque essencialmente desencorajadora.
   Se todos nós flutuássemos no ar como bolhas, livres para vaguear a qualquer lugar a qualquer hora, o resultado prático disso seria que ninguém teria coragem de iniciar uma conversa. Como seria desagradável sussurrar as primeiras palavras de uma frase em tom amigável e então ter de gritar o fim dela porque a pessoa com que se estava conversando afastou-se, flutuando livre no informe éter. Um deve apoiar o outro para fazer justiça um ao outro [...]. Conheci muitos casamentos felizes, mas nunca um compatível. O objetivo do casamento é lutar e sobreviver ao instante em que a compatibilidade mostra-se incontestável. Pois um homem e uma mulher, como tais, são incompatíveis.

terça-feira, 10 de abril de 2018

A Ira Jacobina


   O preconceito do dia é que é imperativo reduzir a pó toda a classe política, exterminá-la de uma vez por todas. O conselho é antigo, e já foi descrito - não incentivado - por Maquiavel no seu " O Príncipe". No livro Maquiavel lembra que Agatócles, que se tornou rei de Siracusa, antes de se tornar governador plenipotenciário, exterminou os mais ricos e os senadores de Siracusa, podendo a partir de então exercer, sem atritos, o seu poder soberano.
   A revolução francesa, conduzida pelos jacobinos, e que se queria libertária, exterminou a aristocracia antiga e a realeza, reduzindo a pó toda possível oposição, deixando a "justa indignação" seguir livre o seu curso para decepar as cabeças (42 mil em dois anos) dos "inimigos do povo", pavimentando o caminho para nada menos do que o terror ditatorial de Napoleão, que, em poucos anos, faria tremer a Europa e o mundo inteiro, sendo contido apenas pelo rigor do inverno russo.
   A ideia de que o pedágio a ser cobrado pelo esmagamento de Lula seja a prisão e condenação de toda a elite política, é um desses preconceitos bem intencionados que serve para pavimentar o caminho até um futuro sombrio. Muita gente assim, no irrefreável desejo de demonstrar isentismo político, nem mesmo deixa para traz a estrutura legal que pode servir de baliza e fundamento para a proteção dos seus próprios direitos. É o vale-tudo do bem.
   Vale lembrar de que na razia institucional, ao se destruir os próprios fundamentos legais em nome da execução da vingança, os próprios vingadores se verão desprotegidos diante de uma futura ameaça. Robespierre, líder da Revolução Francesa, foi guilhotinado no período do terror que ele conduziu e fomentou. É aí também que a sombra napoleônica se projeta sobre o futuro dos próprios revolucionários. É como diz o ditado que caracterizou a ira jacobina e plebeia da Revolução Francesa: "a revolução devora os seus próprios filhos".

sexta-feira, 6 de abril de 2018

A Transgressão da Ordem do Ser

   Platão dizia que o Estado, ou a Pólis, era constituído por uma hierarquia de virtudes que correspondia a uma hierarquia de ocupações no Estado. Aristóteles fez uma divisão entre o bios teorétikos (filósofo da vida contemplativa) e o estadista, que para Platão deveria ser um só: o Rei Filósofo. Como Aristóteles, separei ambos.
   Essa era a ordem: 1°) A sabedoria que corresponde à existência do filósofo que julga o certo e o errado (bios teorétikos), e que contempla a Lei Natural e por isso ele é o professor natural do homem público; 2°) A fronésis ou a prudência que é a virtude do político e do homem de Estado que faz e julga as leis com isonomia, o que corresponde também à lei positivada; 3°) A andreia ou coragem que é uma virtude da classe guerreira e que se institucionaliza nas forças armadas; 4) A moderação que é natural ao homem de negócios e, de resto, à sociedade civil livre e que se mantém livre pela moderação.
   Nesse sentido, a Lei é sim necessária, não sendo o campo de ação de idealistas, mas sim daqueles que devem se servir da prudência, pois quando esta falta o que ocorre é uma fratura da ordem do ser, trazendo a catástrofe para a sociedade como um todo.
   Agir apenas com paixão, coragem e convicção, deixando de lado a moderação, a prudência e a sabedoria, é o que faz a sociedade descarrilar em direção ao caos. Mas hoje o que há é um enxame barulhento e convicto de si mesmo e que confunde o bem com aquilo que eles pensam sobre o bem.

Registro Sobre Tempos Obscuros

   Eu lembro que no ano passado um punhado de direitistas berrou quando os esquerdistas diziam "Diretas Já", pedindo a antecipação das eleições para colocar Lula no páreo. Onde os direiteens se refugiaram, desesperados? Lógico, na Constituição, a mesma que no que diz respeito à antecipação de eleições da forma que os esquerdistas queriam é impassível de emenda ou reforma, ou seja: trata-se de uma cláusula pétrea. Agora que é para jogar Lula no esgoto esse povo quer que se exploda a Constituição e as cláusulas pétreas, inventando para isso as desculpas mais incríveis como a "lei de Deus", ou que "quem faz as lei são os políticos", ou sobre "a lei que não cumpre a função de justiça" e tudo por causa de um homem... São aqueles que glorificam o Lula pelo caminho inverso... e também aqueles que quando a Constituição lhes agrada eles abraçam ela violentamente, mas quando lhes desagrada eles, com a mesma violência, a mandam para a lata do lixo... No fim, são petistas com sinal invertido, esse espírito do Assolador que nos chega através das asas da Abominação Ilógica e oportunista. São pessoas que não vale um jogo de damas, ou um acordo, que estão lá eles, na hora que convém, mudando as leis em favor de si mesmos.
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   Esse negócio de que a concessão de um HC gerará "mudanças estruturais" no Brasil, soltando pedófilos, traficantes, assassinos etc. é um negócio tão fraudulento e desonesto que tem gente que se esquece (Oh, generosidade!!! Na verdade nem sabem disso) que prisão preventiva de traficantes, pedófilos e notórios assassinos é possível até sem a existência de processos, quanto mais durante os processos. Ora, o Marcelo Odebrecht, que nem condenado foi, ficou mais de UM ANO em prisão preventiva. O Cabral, ex governador do Rio, está PRESO até agora aqui no Paraná sem estar condenado e com processo em andamento. Existem casos e casos, juízes e juízes... Pois então, concessão de HC, que é um instrumento previsto e cabível segundo determinadas condições, não pode alterar a lei - a não ser que você seja um Barroso, o ídolo dos direitistas, que legalizou, contra a lei, o aborto em qualquer circunstância até o terceiro mês - santa e jejuada ironia. Mas como esse julgamento do HC será feito pelo pleno (pelos 11 ministros), então convenhamos que isso seja impossível.
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   Essa questão do HC, se ela vingar como os direitistas querem, será o fato mais explorado pelas esquerdas no futuro. A história costuma trazer boas vinganças. Esse pessoal da esquerda chamará a coisa de perseguição das elites, perseguição contra os pobres, ou seja: a narrativa perfeita e ainda ancorada em lei... Quem criará o mito não serão os petistas ou a esquerda - na verdade eles foram os que destruíram a imagem do Lula -, quem criará o mito será esse povo que confunde justiça com rancor e com vingança descerebrada. Políticamente falando, Lula e as esquerdas não poderiam, nem nos sonhos mais idílicos, ter inimigos tão bons assim, tão generosos em não entendere práticamente nada do que fazem, trazendo ao Lula e às esquerdas vantagens não sonhadas. Esse é o pessoal que é uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia.
   Mas não sou político, sou só um pastor com a consciência do mal que essa gente justiceira e do bem criará para o futuro
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   Um dos crimes segundo o direito nazista era a ofensa ao sentimento do povo germânico. Nada de razão, nada de princípios legais fundamentados. Sem exagerar no ponto, essa é uma das possibilidades do direito criativo que a todo momento foi ventilada por Barroso - sentimento de justiça e nada de constitucionalidade. O direito que cedeu ao apelo das ruas é o direito constitucional da gritaria e o direito penal do linchamento. É isso que esse povo histérico quer para esse país. Como diria um jornalista: "a fúria justiceira dos bons é tão perniciosa quanto a justiça seletiva dos maus'. 
   E tenho dito!!!

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   Existem determinados procedimentos baixos que a insensibilização dos tempos não permite discernir. Um deles é o "argumentum ad baculum", mais conhecido como o argumento da porretada. É o argumento que se serve da ameaça para forçar o "convencimento", ou seja: se não for com a gente, pau! É quase infalível. Se ameaça Ministro com isso, com golpe de Estado, com "intervenção militar" (como se o exército fosse ceder). Trata-se de um procedimento usado por quem não sabe perder e nem ganhar. Aqui morreu a razão, a argumentação - e os favoráveis ao HC do Lula têm excelentes argumentos -, a mediação. Entra-se aqui na fase da ruptura, da ameaça, e todos esses direitistas manifestam o melhor de si ao mundo. São com esses fundamentos que essa ralé deseja construir uma nação melhor... Parafraseando Sun Tzu, par ver o mostro basta contemplar o gérmem.

A Oferta do Diabo; Ou: A Magia Hermenêutica e o Direito

   Bem, depois de tudo é só esperar para ver o MST invadir uma propriedade e dessa confusão sair um direitista invocando ou brandindo em punhos a Constituição em defesa fervorosa dos seus "direitos inalienáveis", fundamentando o seu discurso em uma cláusula pétrea.
   Ou pior, espero a hora em que o Supremo se colocará novamente acima da Constituição com uma Súmula, dando direito ao Estado de confiscar propriedades por força de "princípios" ou por uma hermenêutica histórica qualquer dizendo tais e tais motivos de "interesse social" para autorizar a estatização de grandes empresas, desapropriação de casas e terras o quanto o Estado desejar.
   Aliás, a nossa constituição não é lá generosa com a propriedade. Mas quem se arrisca à feitiçaria jurídica, criando o direito penal do inimigo, não pode ser ingênuo o bastante para achar que reduzir o direito do outro, por mais inimigo que esse outro seja, não seja, ao mesmo tempo, reduzir o próprio direito.
   Os bucaneiros jurídicos, os piratas morais, a tribo legislativa, pensa que pode se dar o direito de assaltar o vizinho e, ao mesmo tempo, de ficar escandalizado quando o vizinho lhe devolver o favor o assaltando também. Esses são os falsos conservadores plantados nessa terra roubada e que em nada diferem dos inimigos que atacam.
   Mas Lula é apenas vítima da escola que patrocinou por achar, junto com o PT, que o direito é uma doutrina "deles", algo para favorecer as "elites" e que por isso poderia ser desprezada (desprezada com o punho esquerdo levantado, como bem mostrou José Dirceu e José Genuíno).
   Aliás, é essa redução de tudo à política que gerou esse espetáculo horrendo do qual os esquerdistas são também culpados. Ao exercitar o direito da gritaria, como por exemplo no caso do Impeachment que eles interpretam como "Golpe", cegados e surdos para a lei, os squerdistas fabricaram também o fél que agora bebem, pois enquanto se desconsidera a letra da lei, tudo fica reduzido à política, sendo a verdade apenas a verdade de quem derruba o adversário.
   O vale tudo, a desconsideração das regras, o partidarismo dogmático que cegou as pessoas à verdade, o desejo de vingança e a ausência de abertura para a consideração imparcial das coisas, a manifestação da lei como a lei do mais forte, isso não é o prenúncio do melhor dos mundos. A incapacidade de se elevar acima do dogma político é o que lançou a razão para fora do debate, submetendo tudo a um clima de trincheira.
   O diabo passou diante dos pseudoconservadores e ofereceu Lula, e lá foram eles lançar para o abismo os seus ditos princípios para caírem alegremente em tentação.

A Convenção Batista Brasileira e um Santo para Chamar de Seu

   Ah, não, alguém tem que ensinar para o pr. Roberto Silvado, o presidente da Convenção Batista Brasileira (CBB), o que é uma cláusula pétrea, e que não é jogando a Constituição no lixo que iremos fazer justiça. Prisão imediata após julgamento em segunda instância viola o princípio da presunção de inocência, já que a declaração de culpa se dá apenas após o trânsito em julgado. Senhor, quem é aquele que tem lhe soprado essas coisas nos seus ouvidos?
   Agora que a CBB tem um Dallagnol para chamar de seu - ele é um cristão Batista -, tendo a chance de brilhar de baixo da estrela do seu menudo, parece que ela perdeu um pouco da razoabilidade e do o juízo. Vou dar um livro do Edmund Burke para o pr. Silvado!!! Com Burke aprendemos que da estabilidade legal depende a paz de uma nação.
   Ah, mas quem é que pode contraditar quem está lutando pelo bem, não é mesmo? O Dallagnol tornou-se a divisa entre os bodes e os cordeiros, entre os bons e os maus, entre os justos e os injustos... Cadê o trono branco de isopor? Vamos logo ser julgados pelo apocalipse de Curitiba... Sim, a Lava-Jato tem as suas virtudes, mas ela tem, evidentemente, os seus erros, como o Dallagnol os tem.
   Cometo, agora, um sacrilégio? Não tenho esse santo para chamar de meu. Aliás, que santo caro: quando se propôs a reforma da previdência que iria cortar privilégios do setor público, por exemplo a aposentadoria integral de juízes e procuradores, ele foi contra - porque o seu privilégio estava em jogo. O mesmo se deu com o auxílio-moradia de 4 mil concedido por liminar a mais de 25 mil agentes (grupo que ganha um salário de mais de 20 mil, incluindo ele), e que ele nunca se manifestou contra, o santo ilibado que agora jejua por uma prisão dúbia - o coroamento do seu próprio trabalho.
   Contudo Lula se tornou um troféu, tanto para a irracionalidade de direitistas quanto para a irracionalidade de esquerdistas. Mas quanto se dá esse tipo de triangulação do desejo (leiam a antropologia de René Girard), quando grupos antagônicos se esmurram pelo mesmo troféu, se valendo até dos mesmos meios, no caso em questão a transgressão da lei (e daí o nome "teoria mimética" a esta antropologia), a primeira coisa que se aniquila é a razão, e é o totem bagunceiro (no caso o Lula), que tende a ser santificado no fim das contas, como o coroamento da irracionalidade da massa.
   Estou falando da razão corporificada nas leis não porque a lei é a razão-em-si, mas porque em nosso meio ela cumpre a função sociológica de mediação dos conflitos como a representante e manifestação da própria razão. Não estamos em um contexto de colapso institucional para passar por cima da lei com desprezo, embora o colapso esteja sendo invocado com essa confusão toda.
   Que fique claro: não servirá aos mais fracos ou aos injustiçados o enfraquecimento da lei, e já esse desvanecimento dela é um sinal de torpor do juízo e também do fortalecimento da justiça conduzida pelo arbítrio, algo que tende a privilegiar apenas o mais forte. O mundo não é tão simples como parece e, como dizia a minha avó, nem tudo o que reluz é ouro. Existem camadas de significado mais profundas que não devemos negligenciar sob pena de trazer prejuízos para nós. Mas é isso o que tem ocorrido nessa luta infantil do suposto bem contra o mal, luta essa que tem cegado muita gente, de resto correta e honesta em seu proceder, como o pr. Roberto Silvado.