quinta-feira, 4 de julho de 2019

Diálogo Sobre Schelling, Hegel, Eric Voegelin e a "Terceira Era do Espírito" de Joaquim de Fiori

Eu: Eu tenho aqui em casa o livro "Filosofia da Revelação" onde Schelling fala dessa teoria das três igrejas. Em certo sentido, é um teoria paralela à teoria do Joaquim de Fiori - não idêntica, mas paralela. E essa ideia é, de fato, maravilhosa.
Amigo 1: Mas Schelling criou essa teoria tendo por base a de Fiori?
Eu: Não necessariamente ou diretamente. No movimento romântico alemão já havia uma ideia assim ventilada por Lessing no "cartas para a educação estética da humanidade" onde ele periodizava a história em 5 grandes momentos. Mas a teoria de Schelling ainda é mais complexa, pois envolve a teoria das três potências que forma, por assim dizer, a ossatura da filosofia dele. Ele sempre dizia que de uma legislação mais rígida se seguia a um período mais ameno (coloque aí as duas igrejas), e da tensão dialética desses dois momentos se seguiria uma espécie de momento absoluto. Desde a filosofia da arte, à filosofia da identidade e seguindo para a filosofia da natureza, tudo é caracterizado por esses três momentos. É um negócio de gênio. Contudo, nessa filosofia da história dele, Schelling busca uma síntese dialética entre a igreja de Pedro e a de Paulo, sendo que a Igreja de Paulo, a da liberdade, dizia ele que era uma Igreja necessária em razão do movimento do espírito, pois era o resultado de uma cobrança do espírito pelos direitos da liberdade do homem. É interessante notar como nesse período houve uma valorização do Evangelho de João, sendo que o próprio Dawson dizia que o "Evangelho Joanino" dava o tom da "Era do Espírito" como foi chamado esse terceiro período. Sendo que esse terceiro período, o período do Espírito, era o período da liberdade que também foi reclamado pela própria teologia liberal. Dawson dizia que essa "quinta era" de Lessing, ou a "Terceira Idade do Espírito" não era a negação do Evangelho, mas a sua plenitude, e coincide coma profecia de Jeremias que vaticinou a aliança da "nova lex" inscrita no coração do homem. Há aí um paralelo com Joaquim de Fiori pois o franciscano dizia que a história era dividia em três períodos: a era do Pai, correspondente ao Antigo Testamento; a era do filho, correspondente ao período sacerdotal da igreja institucionalizada; e a era do Espírito, correspondente ao período monástico, onde os monges dotados do espírito já não necessitariam do peso da autoridade, pois eles seriam autoridades para si mesmos, já que haviam internalizado em si mesmos a "nova lex" - e também poderíamos periodizar assim: a era dos "servos de Deus", dos "Filhos de Deus" e dos "Amigos de Deus" . Essa foi uma especulação famosa na Idade Média.
Você não ficou triste não, né? Pois se se fala de Fiori, tem gente que dá três pulos para trás.
Amigo 1: Muito bom. Vou pesquisar mais sobre.
E não fiquei triste não. Na verdade eu tenho dificuldades em fazer a associação que Eric Voegelin faz do Fiore com o gnosticismo.
Eu: Mas o Eric Voegelin aceita, na verdade, essa teoria do Joaquim de Fiori "schelinguianizado". Ele não aceitava, na verdade, a especulação de Hegel, pois ao contrário de Schelling Hegel colocava o momento absoluto, ou a "Terceira Idade do Espírito", como algo atual no período da sua própria filosofia.
...
Amigo 2: Caro Juliano Chaves Baptista, vi que o senhor tinha comentado em outro lugar que nesse caso do Schaff, que adere à teoria da Igreja tripartite de Schelling, não se está com o problema que Voegelin aponta em Fiori. Pode comentar mais sobre isso?
Eu: Fiz o comentário em relação a dois autores, que foi o Dawson e o Voegelin. A observação do Voegelin é que Schelling fez suas especulações em paralelo com Fiori. De certa forma, ele não é contrário em sentido estrito à especulação que não torna a efetividade da terceira era como algo atual, como Hegel e, seguindo o mesmo espírito, Marx (ainda que em Marx isso é menos acentuado que em Hegel ainda). Isso é sintomático da especulação voegeliniana porque o sentido das considerações que Voegelin faz de Bodin no História das Ideias Políticas corre também em paralelo com suas especulações sobre o profeta Jeremias no Ordem e História. Em ambos os casos, o que ocorre é o mesmo que sucede com o filósofo místico: em épocas de degradação o Espírito se contrai das esferas públicas, não encontrando aí a sua representação, e encontra acolhida na alma do profeta, do filósofo ou do santo, lá onde o profeta o filósofo ou o santo se encontram imediatamente sob Deus. Voegelin foi acusado de "pietista extremado" por causa dessa sua noção de "imediatidade sob Deus", e há de se considerar, por outro lado, o espírito dessa crítica a Voegelin porque ela nos informa muito mais do que aparenta. A questão é que é reconhecida a influência do pietismo alemão sobre luminares do movimento romântico, como no caso Hamman - a fonte de muitas especulações schelliguianas - e Schelling. Nesse caso o pietismo acusava a formalidade árida em que havia caído a piedade da época muito em função - assim se afirmava - do racionalismo luterano em razão do seu período escolástico (o período ortodoxo). Eles reclamavam que a formalidade da doutrina não provocava a vivificação por si mesmo (e isso marcou para sempre a piedade luterana e protestante também) e deu início aos grandes eventos de avivamento.
Amigo 2: Ah sim! Não era tanto sobre Schaff. Pois então, essa questão da influência pietista é bem interessante.
Eu: Então, ao que parece, nessa luta entre pietismo e ortodoxia se estabeleceu um dualismo entre "vida" e "forma", ou entre "forma e dinâmica", duas polaridades ontológicas que pessoas como Shcelling tentaram reconciliar, o que seria reconciliado na na intuição absoluta no universo da arte. Contudo, Schelling na última fase do seu desenvolvimento filosófico, o período da filosofia positiva, argumentou que a suposta síntese absoluta de Hegel entre a forma e os movimentos da vida era uma ficção mental, e é interessante notar que o próprio Hegel colocava as figuras da religião e da arte não no universo do pensamento puro ou absoluto, restando um hiato na religião entre a essência e aparência, na figura final da coisa tal como ela era, coisa que havia sido reconciliado em sua própria filosofia (ele realmente achava que havia suprassumido o cristianismo, ou o elevado a uma configuração superior), e não pelo aperfeiçoamento pela graça depois da morte, como se afirma no pensamento cristão. Hegel, por tanto - como eu costumo dizer -, andava por aí no mundo com o absoluto na cabeça - para ele a terceira era do espírito era atual na sua própria filosofia, repetindo em si, na verdade, a encarnação do Verbo. Schelling via a falsidade nessa colocação hegeliana - pois a história continuava depois dele - e contra isso desenvolveu toda a sua "filosofia positiva" que se encontra em obras como "Filosofia da Mitologia" e a "Filosofia da Revelação". A ideia do "positivo" tem que ser bem considerada, pois é diferente do "idealismo positivo" do último hegel, e defende, por tanto, o hiato entre essência e aparência, já que o "momento absoluto" ainda não veio na história - e é daí onde Kierkegaard encontrou toda a base teórica do seu existencialismo cristão. O período da filosofia positiva em Schelling, portanto, afirmava essa disjunção ou esse hiato entre razão e fé no homem atual, cuja unidade foi tão enfatizada em Hegel, dizendo que a fé comporta um elemento característico de desconhecimento. Voegelin usaria aí a ideia de Schelling de que a fé deu ao homem o conhecimento da transcendência absoluta em relação a si mesmo, e que por isso Deus excederia a razão meramente finita, por ser Deus infinito, varrendo do mapa os deuses intracósmicos. Com isso a imediatidade do homem sob Deus mediante a revelação pneumática israelita - ou o salto no ser - concedeu aos israelitas a liberdade de entenderem a absoluta transcendência de Deus em relação ao mundo e que voltar ao imanentismo tirânico e estreito dos deuses intracósmicos era o mesmo que retroceder - a queda no ser (cujo símbolo é satã) -, finitizando Deus (seja em proposições ou dogmas políticos, filosóficos, científicos e até mesmo eclesiásticos), e desumanizando o homem. No Filosofia da Revelação Schelling diz que o evento de Cristo deu um upgrade na história da consciência justamente porque a transcendência de Deus encontrou acolhida na consciência de Cristo. É a partir daí que vemos que Schelling realiza suas especulações paralelas a Fiori, não porque acredita na atualidade da "Terceira Era", mas porque a joga para um futuro, para a "Igreja de João" - seguida da Igreja Petrina (Católica) e Paulina (Protestante), lá onde há a unidade de essência e aparência por meio da unidade do homem com Deus - que é a realidade de um momento de qualidade escatológica. Cristopher Dawson dizia que a "Era do Espírito", a era da nova lex inscrita no coração do homem, tal como vaticinou o profeta Jeremias (lembre do que eu disse que Voegelin especulou sobre Jeremias ser o representante do Espírito) ou a terceira era que tanto despertou os espíritos na Alemanha do XIX, não era a negação do Evangelho, mas sim a sua plenitude.
Amigo 2: Juliano Chaves Baptista, excelente explicação!
E seguindo esta linha e unindo ao texto sobre Schaff, podemos dizer que o último escapa da crítica de Voegelin? (Já que se baseia em Schelling e diz que a era joanina ainda está por vir, se bem que no plano terreno, com a Unidade da Igreja - num sentido pós-milenista).
Eu: Olha, eu acho que sim - ainda que é suspeito se isso se dará no plano histórico ou não. Tenho que ver isso.
Amigo 2: Pois é, eu mesmo teria que ler mais dos dois para saber. Esses temas de "Teologia da História" são muito interessantes!
Eu: São mesmo.

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