quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Supremo Bem



   Existe uma visão errada das coisas que está calcada na falta de compreensão sobre a verdadeira finalidade das nossas ações. O fim último das nossas ações é o bem e é esse bem que devemos perseguir se quisermos - obviedade das obviedades - alcançar algo bom em nossas vidas. Essa visão errada, na verdade, trata-se de um vício que persegue a grande maioria das pessoas e que se constitui na busca pela realização de virtudes ou produção de bens secundários: um é sincero, e acha que a sua sinceridade é um bem em si mesmo; outro já pensa que o bom é ser corajoso; outro é o ter saúde; outro uma boa posição social; outro já pensa que é buscar ser informado; outro visa o escrever bem; o outro o poder de convencer.
   A questão é que não sustentadas pelo bem todas as virtudes a cima listadas tendem a degenerar: o sincero pode vir a ser um inconveniente que não segura a sua língua em nome do decoro; o corajoso pode vir a ser um temerário que coloca a sua vida e a vida dos outros em risco por pura vaidade; a saúde do saudável pode fornecer amplo poder para a produção da sua maldade, algo que uma saúde fraca limitaria; a boa posição social pode fazer com que se use a influência para destruir maliciosamente adversários; o que é bem informado pode manipular informações apenas em benefício próprio; o que escreve bem pode fazer pessoas migrarem para uma segunda realidade e por em marcha delírios destrutivos; e aquele dotado de poder de convencimento pode usar de forma maligna esse poder para promover causas malignas.
   Já Platão, na República, e Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, afirmam que o bem é a ideia reguladora e que pode ser expandida ilimitadamente sem se contradizer a si mesma, e que quando todas as coisas perdem de vista esta finalidade, tudo vem a ser corrompido. O fino ajuste das coisas requer para a sua própria manutenção uma constante revisão e revisitação do olhar avaliador e imperecível do bem. Se Platão vivesse em nossos dias, enxergaria horrorizado a expansão da técnica acompanhada de um declínio religioso e moral nas áreas em que justamente essa técnica cresce. No diálogo platônico chamado Protágoras há um mito em que Zeus, após a criação do homem, vê desesperado o fato de que Prometeu concedeu a esses a posse do fogo de Hefésto e as habilidades práticas de Atenas (as virtudes técnicas e científicas), mas sem o poder moderador das virtudes cívicas, fraternais e religiosas. Prevendo a extinção do homem ele encarrega Hermes de distribuir tais virtudes para que os homens não se matassem uns aos outros. Essa intuição é de primeira ordem e abre caminho para percebermos a necessidade de uma concepção atemporal de bem, ou, como diria Russel Kirk, de uma “ordem moral duradoura” que promova um bem duradouro e infinito ao homem.
   E por fim, tal ideia do bem se harmoniza claramente com o conceito cristão de amor, que se estende para além da simples noção de afeto. Em I Co 13, o hino clássico acerca do amor cristão, temos a incrível afirmação de que nem a distribuição total dos nossos bens aos pobres e nem mesmo o entregar o meu corpo para ser queimado e nem o conhecimento total nada valem se não houver amor. Entramos, por tanto, no terreno que ultrapassa a noção vulgar que confunde amor com egoísmo e com desejo de satisfação para si. O primeiro mandamento (Êx 20:2), que ordena a colocarmos Deus acima de tudo, nos faz perceber também que sendo Deus o bem supremo sem o qual nada do que existe poderia vir a ser, então, ou tudo é orientado n’Ele ou nada pode vir a ser bom para os homens. É por isso que não há diferença substantiva entre amar a Deus, amar o próximo e amar a si mesmo, como nos ensinou Jesus (Mt 22:37-40).

Corrupção e Equívocos



   Há uma visão equivocada de que a corrupção é o maior mal de uma República. Definitivamente não. Um exemplo claro disso é o que ocorreu com a Petrobrás, onde a corrupção causou um prejuízo muito menor do que a política de preços de combustível, na insistência do Governo Dilma de não repassar o aumento de preços e fazer a empresa arcar com os custos - o que ocorreu também com a Eletrobrás, quando Dilma baixou o preço da energia, incentivando o consumo, o que acabou por precipitar o país na crise energética, pois não haviam fontes de energia suficientes para suprir a demanda. Foi justamente esta política de preços desastrada que levou o país à ruína, ao desemprego em massa e à maior recessão da sua história. Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a vã filosofia dos puritanos escandalizados que imaginam que a corrupção é o maior mal em um país. Não, a estupidez também é um imenso mal, e o pior disso é que o estúpido - como a Dilma - pensa que a sua estupidez é ao mesmo tempo o clímax da virtude, já que um indivíduo assim está plenamente convencido da sua própria bondade. Não é difícil prever que um governante assim está predestinado a levar o país à ruína.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Elementos do Direito Natural



   A ideia de direito natural afirma a existência de uma justiça fundamental que é passível de ser captada pela razão. Tal ideia se baseia no fato da existência da verdade. As dificuldades não são poucas na tarefa de afirmar tal hipótese, já que logo surge a objeção de que há uma variedade de noções de verdade e uma variedade de noções de justiça. Mas logo após a constatação desta pluralidade de concepções de verdade e de justiça - ou mesma da afirmação de que não existe a verdade e nem mesmo a justiça -, surge assim mesmo o estupor, já identificável no surgimento da filosofia, de que é justamente esta pluralidade que exige da nossa razão a resposta concernente à Verdade e à Justiça. 
   A aventura humana pela busca de uma unidade da razão com uma verdade fundamental permeia toda a história da religião e da filosofia. Essa é uma busca que nos parece estar vinculada à essência do animal  reflexionante que é o ser humano e na busca da compreensão pela realidade das coisas tal como são. O choque da existência, ou a ameaça do não ser, o afundamento do homem na mais absoluta contingência, o que parece fazer do homem alguém plantado em pântano movediço que escoa para o nada, onde tudo é incerto e aniquilação, parece levar o homem à pergunta pelo Ser. O estupor gerado pela barbárie violenta que nos cerca e que cerca a história leva o homem a perguntar pelo fundamento eterno da própria realidade. A aniquilação violenta perpetrada pelos homens e pela natureza, ainda que nos leve a pensar e acreditar que estamos vendidos à aniquilação e à violência, provoca no homem a necessidade de uma resposta que é ao mesmo tempo uma experiência que justifica uma ordem no interior da história. 
   Ainda que se possa afirmar que todo o processo racional do homem na busca pela verdade e pela justiça seja um derivado do seu medo diante da violência da natureza, é fato que entre todos os animais o homem é o único que se faz a pergunta pela verdade, pela justiça ou pelo sentido da vida. A agonia da razão, ou as dores de parto do raciocínio lutam no homem para colocar no mundo uma verdade final e um sentido que justifique a  existência do próprio homem no mundo.
   Mas não é apenas as relações entre o homem e o mundo que o leva à pergunta pelo Ser. Também, e principalmente, é a relação dos homens entre si que leva à pergunta pela ordem verdadeira e pela pergunta pela justiça. A constatação do fato da existência de homens se matando, roubando uns aos outros e oprimindo uns aos outros o leva o homem à pergunta pelo ser. Não é pequena a dor que desencadeia o lamento doloroso e a busca de sentido entre homens que se ferem e que agonizam uns nas mãos dos outros. A terrível experiência de barbárie mútua, o temor pela vinda do tempo do levantar a mão de todos contra todos é o que também leva o homem pela pergunta com relação à perspectiva correta sobre a vida. Aqui também temos que constatar que a peculiaridade atordoante do fato de que o homem chora e geme por causa do sofrimento físico e que encarando esta desordem como algo não natural ou mesmo como uma violência ao seu ser, o leve também a perguntar pela ordem justa de todas as coisas. Essa intuição da ordem pode ser que seja a busca dos seus alívios existenciais. Mas o mais admirável de tudo é que penetrando pelo véu do sofrimento homens excelentes viram uma luz de ordem por meio da qual puderam enxergar a própria ordem da existência cuja dignidade não só serve ao fim do sofrimento físico, mas que também se constitui como o mundo da realidade fundamental que encerra a resposta à desordem do mundo existente e que, por isso mesmo, é a realidade mais sagrada de todas as realidades possíveis.
   Ao recorrer a livros de filosofia e à literatura das grandes religiões percebemos que essa experiência de ordem tem os traços da experiência mística, pois é essa própria experiência: a experiência da ordenação da alma por meio do vislumbre de uma ordem espiritual transcendente. À filosofia platônica temos a afirmação surpreendente da existência do suporte de um mundo noético não visível pelos olhos humanos, mas apenas aos olhos da mente. Não é a vulgar experiência racional, mas sim uma experiência de uma Razão ordenada pelo Ser e que revela o próprio Ser e que confere forma e ordem a tudo o que existe. A visão dos traços racionais na natureza por meio da filosofia e da experiência cristã com o Lógos está no início da empreita científica, pois essa supõe uma ordem de existência acessível à razão humana. E ainda que a ciência moderna tenha praticado um parricídio, seus antecedentes na filosofia mística dos gregos e na teologia monoteísta cristã é algo que não pode ser negado. 
   Mas a natureza da experiência mística convence de que ela é a mãe de todo ordenamento no mundo por supor que há uma ordem fundamental e imperecível para o mundo. Essa ordem pressupõe uma substância divina, pois só a ordem eterna é uma ordem segura a um mundo ameaçado pela desordem destrutiva. Não por acaso, o terror niilista que ameaça com o afundamento do mundo na contingência é o medo básico de todo homem. Com isso não afirmamos que esse seja o nome usualmente dado para as experiências de terror do homem. No entanto, o medo da loucura, da morte, da guerra total, da violência generalizada no seio familiar e na cidade, o medo da miséria absoluta e a destruição das pedras de sentido são basicamente o medo da manifestação atroz da contingência através da negação do ser com o afundamento da realidade no não ser. Em fim, temos medo do triunfo do mal. Contudo o medo, como medo, deve ter como característica uma ameaça à integridade humana e assim ser isso a resposta definitiva para o homem no mundo. A radicalização do pensamento sobre a integridade nos leva ao vislumbre de uma realidade sempre íntegra. Contudo essa experiência de integridade perfeita não seria o que é a não ser por meio de um fato posto pela própria realidade eterna a que nos referimos. Ao nos darmos conta da distância qualitativa entre nós e a realidade eterna, devemos chegar à consideração de que ela é um dado presente sem o qual a ideia de eternidade não seria possível. Assim também, não teríamos a experiência do mal se já não tivéssemos tido a experiência do bem e se essa experiência não fosse um fato dado antes mesmo da experiência do mal. 
   Chegamos aqui a um ponto crítico e decisivo da nossa reflexão: o que começou por uma reflexão sobre a experiência do sofrimento se revelou como a reflexão sobre uma realidade secundária por sua própria natureza. Refletimos sobre o espanto cósmico do homem por meio das inúmeras ameaças da natureza; refletimos também sobre o espanto do homem frente ao homem e as terríveis experiências de sofrimento e dor que os homens causam uns aos outros; refletimos sobre o anseio por uma ordem sem sofrimentos do homem e o vislumbre desta ordem na própria ânsia pelo não sofrimento; assim chegamos à espantosa afirmação de que em todas essas coisas o bem era algo pressuposto na própria reflexão sobre o sofrimento do homem. Partimos da constatação sobre o sofrimento e vimos que não há sofrimento sem a experiência de integridade violada e que não há integridade violada sem uma realidade precedente da integridade em si. Tal vez o registro mais marcante de que "no princípio era o bem" seja o relato do paraíso presente no Antigo Testamento. Aqui afirmamos a mesma coisa. Também afirmamos a nossa hipótese otimista justamente pelo fato de que a experiência de ordem eterna para a razão humana é uma experiência de fato. E sabemos que não existe busca pela justiça que não esteja alicerçada nesta ideia de uma justiça ideal e eterna sem a qual seria impossível a pergunta pela própria justiça. Assim também afirmamos que sem essa realidade primordial de uma justiça eterna a barbárie e a violência estão justificadas e o fundamento do mundo não é nada além do que um caos aniquilador.

domingo, 9 de julho de 2017

Sentido e Sacrifício


   A relação entre sentido e sacrifício é absoluta, pois tudo o que faz sentido para a gente é também aquilo pelo qual podemos nos entregar plenamente em sacrifício afim de tornar efetiva a objetivação desse sentido no mundo.

   Se o sentido e a vida do cristão estão em Deus, então essa vida é marcada pelo signo da renúncia da cruz que se carrega com o objetivo de manifestar a glória de Deus. Se o sentido da vida é a glória e o poder pessoal, essa vida é vivida sob o signo do egoísmo, e então se sacrifica a honra, a verdade e mesmo a vida de quem se ama em nome da satisfação desse objetivo.
   Dois caminhos e dois sentidos de vida nos são propostos aqui: ou renunciamos a nós mesmos, buscando o sentido em Deus, renunciando o eu em nome de uma Verdade que nos é superior, ou nos fechamos em nós mesmo e sacrificamos o mundo e tudo o que existe para que possamos ser soberanos sobre todas as coisas.
   O primeiro caminho é o caminho de Jesus Cristo, que por Deus e pelo homem se entregou a si mesmo, pois tinha em vista aquilo amava; e o seguindo caminho é o do demônio, que vê o mundo como meio para a realização da própria glória.