domingo, 27 de setembro de 2020

O Aniconismo de Agostinho em "A Fé e o Símbolo"

     Cremos também que esteja assentado á direita do Pai. Assim também não se deve pensar em Deus Pai como delimitado em forma humana, de modo que, refletindo sobre ele, nos venha em mente um lado direito e um lado esquerdo; e também não se deve pensar que Ele, que se assenta à direita do Pai, o faça com os joelhos dobrados, para que não caiamos no sacrilégio que o Apóstolo execrou naqueles que transformaram a glória de Deus incorruptível em uma imagem de homem corruptível. É coisa nefasta colocar em um templo cristão tal imagem de Deus; é ainda mais nefasto colocá-lo no coração, que é onde está o verdadeiro templo de Deus, se é purificado da cupidez terrena e do erro. Deve-se atender à expressão "à direita como se fosse dito "na suma beatitude", onde há justiça, paz e alegria; assim como se diz que à esquerda são colocados os bodes, isto é, na miséria, devido às iniquidades, desgraças e tormentos. Logo, quando se diz que Deus está sentado, não se refere à posição dos membros, mas ao poder de julgar, do qual sua majestade nunca carece, concedendo sempre coisas dignas aos que são dignos, ainda que no juízo final muito mais se manifestará entre os homens a claridade do Filho unigênito de Deus, juiz dos vivos e dos mortos. 

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AGOSTINHO - A Fé e o Símbolo. VII.14

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Bem-Vindo Meu Filho

 


   Meu filho nasceu (27/08/2020), e a alegria segue junto com um sentimento de esmagamento. O sentimento é que tudo escapa das nossas mãos, pois não nos sentimos à altura do evento e da responsabilidade que exige tal evento; mas ao mesmo tempo ficamos imensamente gratos, ainda que tensos, o que nos leva a transformar a tensão e a gratidão a Deus em oração para que tudo vá bem, para que o nosso filho seja embalado e abraçado por Deus afim de que ele não experimente ausência alguma.

    Sim, a sensação é de impotência, e de uma certa humilhação por ser o que sou, por saber que há trevas em meu coração e que mesmo assim estou sendo alvo da visitação desta imensa bondade, que é ter um filho; e tendo isso em vista o que me vem à mente é que preciso desesperadamente de Deus para que eu dê conta de tudo isso. Mas raciocinando mais um pouco chego à conclusão sobre a ousadia e a confiança de Deus em estabelecer as coisas como são. É por isso que tenho a certeza de que tudo dará certo, e mais certeza de que por ser Deus quem é, que essa vida vale a pena ser vivida. Sim, meu filho certamente está ingressando em uma vida que, apesar de todas as coisas, vale a pena ser vivida.
    Te agradeço Deus; e que o Senhor nos ajude.
    Bem-vindo Daniel, meu filho querido.

Immanuel Kant e a Beleza como Símbolo da Moralidade

 


    A filosofia estética kantiana afirma que a beleza é o símbolo da moralidade. Obviamente a palavra "estética” está relacionada a uma noção clássica da filosofia da arte, no entanto mais relacionada à percepção de filosofia da arte que foi resultado da reavaliação feita pelo filósofo Alexander G. Baumgarten (1714-1762), o qual reconsiderou o que até então se entendia por filosofia da arte, realizando a entrada à disciplina em questão pela reflexão sobre o gosto e pela qualidade da sensibilidade ligada à razão a partir da qual era possível realizar um juízo de gosto. Essa reavaliação, por assim dizer, estabeleceu um marco na histórica da filosofia e que influenciou enormemente Immanuel Kant (1724-1804).

    Kant compreendia que os aspectos do belo são realidades transcendentais a partir dos quais era possível determinar um sistema do gosto. O belo une em si vários aspectos os quais só são inteligíveis quando pressupomos uma unidade entre sensibilidade e razão. A beleza e a proporcionalidade não estão distinguidas do bem e da conveniência.

    Evidentemente essa noção possui várias implicações assim como várias pressuposições, já que no fundamento dessa noção podemos encontrar a ideia fundamental de natureza humana que vai fazer escola na obra de filósofos como Hegel, Schelling e Roger Scruton. Vamos considerar um exemplo que explica como a ideia de Kant que afirma que a “beleza é o símbolo da moralidade” fala mais do que achamos que fala nesta proposição.

    Você pode achar a arquitetura de influência gótica dos galpões de Auschwitz algo belo em si mesmo, no sentido de que a arquitetura desse campo de concentração é, abstraída da moral que a significa, algo mais bonito do que o estilo arquitetônico de um BNH.

    Mas nenhum de nós considera uma obra de arte abstraída de seu contexto próprio, pois pelo fato de a arquitetura de Auschwitz estar relacionada a Auschwitz, o que poderia ser considerado uma obra de arquitetura de influência gótica bela em si mesma é, não obstante, refletida como estando significada pelo seu contexto próprio. Podemos então achar insuficiente para qualificar uma beleza total a consideração feita apenas pelo aspecto da harmonia e da sensibilidade que, não obstante, compõem aspectos da beleza. Nesse sentido a arte de Aushwitz não pode ser bela, já que não é também um símbolo da moralidade, e ainda que sobrem resquícios de beleza, não se trata daquela beleza pela qual damos o nosso assentimento, ou que nos apraz imediatamente, e da qual podemos obter uma fruição sem atritos na consciência moral.

    A beleza está relacionada, em Kant, como foi afirmado mais acima, com um sistema. A beleza é, por isso, reconhecida mediante um juízo estético, mas em si mesma a questão da beleza ser um símbolo da moralidade envolve o conceito kantiano de que o símbolo trata-se uma exposição indireta de conceitos mediados por uma intuição sensível, diferentemente de uma exposição esquemática direta do conceito mediante uma intuição intelectual. Quem expõe do primeiro modo, mediante o símbolo, expõe analogicamente; e quem expõe do segundo modo, esquematicamente, expõe demonstrativamente.

    A isso é necessário acrescentar que há distinção entre intuição sensível e intuição intelectual, distinção que é fundamental para a doutrina kantiana do juízo. Entre da hipotipose (exposição vívida) esquemática e a hipotipose simbólica, a distinção se dá porque na segunda há uma recorrência à intuição sensível na qual são apresentados de forma indireta os conceitos. Lembre que Kant também está familiarizado com a concepção escolástica que da sensibilidade pura não retiramos razão, mas o mesmo não podemos dizer de uma representação sensível da qual podemos, pela abstração, chegar ao conceito. Portanto tais símbolos se referem a um conceito, mas apenas analogicamente.

    A razão pela qual a beleza é um símbolo da moralidade é que, apreendida no universo do intelecto, se pressupõe, portanto, a natureza humana como ordenada ao reino dos fins, que é um reino intelectual per se. É justamente por isso que o filósofo Roger Scruton diz que a arte moderna é uma forma de destruição da humanidade, pois ela abole esse reino dos fins ao qual a natureza humana é ordenada - o niilismo estético é o mais claro exemplo do caráter destrutivo da arte moderna (pensemos no funk carioca, na arte abstrata ou no penico de Duchamp). Portanto, se a expressão artística é fundada no belo, que é um medium entre a sensibilidade e a razão, ela não pode negar o reino dos fins que está, ao mesmo tempo, fundada no sumo bem enquanto bem moral que significa a natureza humana. É justamente em função desse reino dos fins que pressupõe o sumo bem que a natureza humana é compreendida em sua unidade e finalidade. Ao desconsiderarmos esse reino dos fins, também desconsideramos a moralidade e, em consequência disso, a própria humanidade.

    É essa concepção que torna inteligível aquilo que Kant quer dizer como o "belo moral", como se segue: "Agora, eu digo que o belo é o símbolo do bem moral [que é essencialmente racional]; e também que é somente nesse aspecto (uma referência que é natural a todos, e que também se supõe em todos como um dever) que ele apraz com a pretensão ao assentimento de todos os demais - onde a mente é consciente de um certo enobrecimento e elevação além da mera receptividade de um prazer pelas impressões sensíveis, e estima o valor dos outros [segundo a natureza boa do homem] também segundo uma máxima da sua faculdade de julgar" (CFJ - 353). Note que Kant pressupõe uma natureza comum humana ordenada ao reino dos fins, reino que pertence ao universo inteligível per se, já que o belo é reconhecido por um juízo de gosto que pressupõe a razão humana, o que seria o mesmo que dizer a natureza humana, que é racional.

    Sendo o belo moral um juízo de gosto, segue-se que essa faculdade se refere ao inteligível, que no caso é abstraído do símbolo que se refere ao inteligível analogicamente. É como ele diz: "É ao inteligível, como mostrou o último parágrafo, que o gosto dirige o seu olhar, com o qual mesmo as nossas faculdades superiores de conhecimento concordam, e sem o qual surgiriam claras contradições entre a natureza delas e as pretensões levantadas pelo gosto" (CFJ 352), e é por isso que tal faculdade do juízo a respeito do belo moral tem a capacidade de integrar o universo teórico e prático, conectando liberdade e natureza, reconhecendo que está atada à natureza um reino teleológico (ou dos fins), já que aqui a natureza é reconhecidamente ordenada, em função do belo moral, a um fim que, em si, é fim racional e, por tanto, ordenado ao sumo bem que, para o homem, desemboca no universo moral-prático.