A filosofia estética kantiana afirma que a beleza é o símbolo da
moralidade. Obviamente a palavra "estética” está relacionada a uma noção clássica
da filosofia da arte, no entanto mais relacionada à percepção de filosofia da
arte que foi resultado da reavaliação feita pelo filósofo Alexander G. Baumgarten (1714-1762), o
qual reconsiderou o que até então se entendia por filosofia da arte, realizando
a entrada à disciplina em questão pela reflexão sobre o gosto e pela
qualidade da sensibilidade ligada à razão a partir da qual era possível
realizar um juízo de gosto. Essa reavaliação, por assim dizer, estabeleceu um
marco na histórica da filosofia e que influenciou enormemente Immanuel Kant (1724-1804).
Kant compreendia que os aspectos do belo são realidades transcendentais
a partir dos quais era possível determinar um sistema do gosto. O
belo une em si vários aspectos os quais só são inteligíveis quando pressupomos
uma unidade entre sensibilidade e razão. A beleza e a proporcionalidade não
estão distinguidas do bem e da conveniência.
Evidentemente essa noção possui várias implicações assim como várias
pressuposições, já que no fundamento dessa noção podemos encontrar a ideia
fundamental de natureza humana que vai fazer escola na obra de filósofos como
Hegel, Schelling e Roger Scruton. Vamos considerar um exemplo que explica como
a ideia de Kant que afirma que a “beleza é o símbolo da moralidade” fala mais
do que achamos que fala nesta proposição.
Você pode achar a arquitetura de influência gótica dos galpões de
Auschwitz algo belo em si mesmo, no sentido de que a arquitetura desse campo de
concentração é, abstraída da moral que a significa, algo mais bonito do que o
estilo arquitetônico de um BNH.
Mas nenhum de nós considera uma obra de arte abstraída de seu contexto
próprio, pois pelo fato de a arquitetura de Auschwitz estar relacionada a
Auschwitz, o que poderia ser considerado uma obra de arquitetura de influência
gótica bela em si mesma é, não obstante, refletida como estando significada
pelo seu contexto próprio. Podemos então achar insuficiente para qualificar
uma beleza total a consideração feita apenas pelo aspecto da harmonia e da sensibilidade que,
não obstante, compõem aspectos da beleza. Nesse sentido a arte de Aushwitz não pode ser bela,
já que não é também um símbolo da moralidade, e ainda que sobrem resquícios de
beleza, não se trata daquela beleza pela qual damos o nosso assentimento, ou
que nos apraz imediatamente, e da qual podemos obter uma fruição sem atritos na consciência moral.
A beleza está relacionada, em Kant, como foi afirmado mais acima, com um
sistema. A beleza é, por isso, reconhecida mediante um juízo estético, mas em
si mesma a questão da beleza ser um símbolo da moralidade envolve o conceito
kantiano de que o símbolo trata-se uma exposição indireta de conceitos mediados
por uma intuição sensível, diferentemente de uma exposição esquemática direta
do conceito mediante uma intuição intelectual. Quem expõe do primeiro modo,
mediante o símbolo, expõe analogicamente; e quem expõe do segundo modo,
esquematicamente, expõe demonstrativamente.
A isso é necessário acrescentar que há distinção entre intuição sensível
e intuição intelectual, distinção que é fundamental para a doutrina kantiana do
juízo. Entre da hipotipose (exposição vívida) esquemática e a hipotipose
simbólica, a distinção se dá porque na segunda há uma recorrência à intuição
sensível na qual são apresentados de forma indireta os conceitos. Lembre que
Kant também está familiarizado com a concepção escolástica que da sensibilidade
pura não retiramos razão, mas o mesmo não podemos dizer de uma representação
sensível da qual podemos, pela abstração, chegar ao conceito. Portanto tais
símbolos se referem a um conceito, mas apenas analogicamente.
A razão pela qual a beleza é um símbolo da moralidade é que, apreendida
no universo do intelecto, se pressupõe, portanto, a natureza humana como
ordenada ao reino dos fins, que é um reino intelectual per se. É
justamente por isso que o filósofo Roger Scruton diz que a arte moderna é uma
forma de destruição da humanidade, pois ela abole esse reino dos fins ao qual a
natureza humana é ordenada - o niilismo estético é o mais claro exemplo do caráter destrutivo da arte moderna (pensemos no funk carioca, na arte abstrata ou no penico de Duchamp). Portanto, se a expressão artística é fundada no
belo, que é um medium entre a sensibilidade e a razão, ela não
pode negar o reino dos fins que está, ao mesmo tempo, fundada no sumo
bem enquanto bem moral que significa a natureza humana. É justamente em função desse reino dos fins
que pressupõe o sumo bem que a natureza humana é compreendida em sua unidade e
finalidade. Ao desconsiderarmos esse reino dos fins, também desconsideramos a
moralidade e, em consequência disso, a própria humanidade.
É essa concepção que torna inteligível aquilo que Kant quer dizer como o
"belo moral", como se segue: "Agora, eu digo que o belo é o
símbolo do bem moral [que é essencialmente racional]; e também que é somente
nesse aspecto (uma referência que é natural a todos, e que também se supõe em
todos como um dever) que ele apraz com a pretensão ao assentimento de todos os
demais - onde a mente é consciente de um certo enobrecimento e elevação além da
mera receptividade de um prazer pelas impressões sensíveis, e estima o valor
dos outros [segundo a natureza boa do homem] também segundo uma máxima da sua
faculdade de julgar" (CFJ - 353). Note que Kant pressupõe uma natureza
comum humana ordenada ao reino dos fins, reino que pertence ao universo
inteligível per se, já que o belo é reconhecido por um juízo de gosto que
pressupõe a razão humana, o que seria o mesmo que dizer a natureza humana, que
é racional.
Sendo o belo moral um juízo de gosto, segue-se que essa faculdade se
refere ao inteligível, que no caso é abstraído do símbolo que se refere ao
inteligível analogicamente. É como ele diz: "É ao inteligível, como
mostrou o último parágrafo, que o gosto dirige o seu olhar, com o qual mesmo as
nossas faculdades superiores de conhecimento concordam, e sem o qual surgiriam
claras contradições entre a natureza delas e as pretensões levantadas pelo gosto"
(CFJ 352), e é por isso que tal faculdade do juízo a respeito do belo moral tem
a capacidade de integrar o universo teórico e prático, conectando liberdade e
natureza, reconhecendo que está atada à natureza um reino teleológico (ou dos fins), já que aqui a natureza
é reconhecidamente ordenada, em função do belo moral, a um fim que, em si, é
fim racional e, por tanto, ordenado ao sumo bem que, para o homem, desemboca no universo moral-prático.