sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Do Gnosticismo do Artista Nu ao Castelo Teórico Cristão de Tomás de Aquino


   O processo de dessensibilização progressiva levada a cabo por meio de microtransgressões vai fazendo você aceitar pouco a pouco aquilo que antes achava absurdo. Alguns tolos levados nessa onda acham que isso é um processo de esclarecimento enquanto se trata de um processo de dessensibilização moral e de um apagamento da chama da razão capaz de discernir e criticar tudo o que é grotesco.
   É interessante que nesse processo o "crítico" é justamente aquele que luta contra tudo aquilo que denuncia a sua insensibilização, taxando de "retrógrado", "fundamentalista", "moralista" todo tipo de pensamento que nos livra a todos de cairmos no abismo. O 'avant-garde du retard' nos levará para as cavernas, mas pensa estar "avançando" para um mundo melhor, e daí descobrimos que esse mundo melhor é o lugar onde uma criancinha é incentivada a tocar no corpo de um homem nu no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
   Podemos formar um símbolo interessante para esse evento, que é: da mesma forma como o corpo imolado de Cristo era o elemento da sala central do castelo teórico da vasta obra filosófica e cristã de Tomás de Aquino, o corpo nu do homem que se deixa ser tocado por uma criança é o elemento central da sala do gnosticismo moderno, que tendo insensibilizado as mentes na busca de um paraíso mundano, deu a crer que as ambiguidades, os conflitos morais e espirituais humanos já não permeiam o estado de inocência alcançado pelo avanço da mentalidade moderna.
   A mente cauterizada daqueles que venceram todas as travas e tabus é a mesma que acredita no próprio bem enquanto comete a mais grotesca barbárie. 

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Juízo Final e a Relação Entre o Tempo e a Eternidade

   Uma das dificuldades do pensamento humano é distinguir tempo e eternidade. Por exemplo, quando as pessoas ouvem falar de "Juízo Final", é difícil não haver um espanto e compreender esse evento como o ponto conclusivo no tempo.
O problema é que para o cristianismo Deus é um agente do Juízo Final e por isso Ele não está sujeito ao tempo. Mas como é que podemos harmonizar tempo e eternidade? O Juízo Final é um evento no tempo? Não e sim; não porque tem Deus como agente e sim porque Deus se encarna no tempo. Poderíamos dizer que assim como encarnação de Cristo é a plenitude do tempo , o Juízo Final também é, mas esse último o é em uma escala que eleva o mundo ao nível da imortalidade e à efetivação de Deus no tempo de tal maneira que o tempo é transcendido em Deus.
É por isso que é inútil calcular datas para a segunda vinda de Cristo, pois essa Segunda Vinda trata-se não do resultado conclusivo do tempo em si mesmo e dos eventos nele, mas da irrupção radical da realidade essencial de Deus no tempo, sendo o tempo absorvido na realidade eterna de Deus, o que leva o tempo para a sua plenitude. Calcular a Segunda Vinda de Jesus com base em catástrofes, eventos temporais e mesmo em sua intensidade é nivelar a ação da eternidade à contingência da natureza, evidenciando um desconhecimento da natureza de Deus. Os sinais e catástrofes apontam para a realidade finita e contingente do mundo e é essa fragilidade finita que implica em um sustento do mundo por parte de uma substância eterna.
Podemos concluir que é só para isso que servem os sinais, ou seja: para mostrar o caráter transitório do mundo e para mostrar que ele, por si mesmo, é inviável, assim como para mostrar que a natureza humana só pode ser satisfeita na escala da imortalidade e eternidade do Deus que prometeu irromper de uma vez por todas em sua totalidade na história.

Deus, Amor e Justiça em Paul Tillich

   A justiça é aquele aspecto do amor que afirma o direito independente do objeto e do sujeito na relação de amor. O amor não destrói a liberdade do amado e não viola as estruturas de sua existência individual e social. O amor tão pouco elimina a liberdade daquele que ama nem viola as estruturas da sua existência individual e social. O amor como reunião daqueles que estão separados não distorce e nem os destrói em sua união. Contudo, existe um amor que é auto-entrega caótica ou uma anto-imposição caótica; não é um amor verdadeiro, mas um amor "simbiótico" (Erich Fromm). Grande parte do amor romântico tem esse caráter. Nietzsche estava certo quando enfatizou que uma relação de amor só é criativa se entrar na relação, de ambas as partes, um eu independente.
   Mas, nesse processo, a justiça não só afirma e seduz; ela também resiste e condena. Este fato suscitou a teoria do conflito entre amor e a justiça em Deus. Os diálogos entre judeus e cristãos muitas vezes foram afetados por este pressuposto. Os ataques políticos à ideia cristã de amor não levam em conta a relação entre amor e justiça em Deus e no ser humano. E assim também se comportam muitos pacifistas cristãos em seus ataques às lutas políticas pela justiça.
   Com frequência se tem perguntado como o amor divino se relaciona com o poder divino, especialmente com o poder que satisfaz as exigências da justiça. E se tem notado um conflito entre o amor divino e a ira divina contra aqueles que violam a justiça. Em princípio, todas estas questões são respondidas pela interpretação do amor em termos ontológicos (a realidade em-si do amor) e do amor divino em termos simbólicos. Mas na teologia sistemática se exigem respostas especiais, e, embora ela não possa entrar nos problemas atuais da ética social, deve mostrar que toda resposta ética se fundamenta em uma afirmação implícita e explícita sobre Deus.
   Deve-se enfatizar que não é o poder divino como tal que se acha em conflito com o amor divino. O poder divino é o poder do ser-em-si, e o ser-em-si é efetivamente real na vida divina cuja natureza é o amor. Só se pode imaginar um conflito em relação à criatura que viola a estrutura da justiça e assim viola o próprio amor. Quando isso acontece - e é próprio da existência da criatura que que isto acorra universalmente -, seguem-se juízo e condenação. Mas não por um ato especial de retribuição divina; eles seguem pela reação do poder amoroso de Deus contra aquilo que viola o amor. A condenação não é a negação do amor, mas a negação da negação do amor. É um ato de amor sem o qual o não-ser triunfaria sobre o ser. É a forma pela qual aquilo que resiste ao amor, a saber, à reunião do separado na vida divina, é abandonado à separação e à inevitável autodestruição que a separação acarreta. O caráter ontológico do amor resolve o problema da relação entre amor e a justiça retributiva. O juízo é um ato de amor que abandona à autodestruição aquilo que resiste ao amor.
   Isso, por sua vez, possibilita à teologia o uso do símbolo "ira de Deus". Durante muito tempo, sentiu-se que este símbolo equivaleria a atribuir a Deus sentimentos humanos no sentido das histórias pagãs sobre a "raiva dos deuses". Mas o que é impossível em uma compreensão literal é possível e frequentemente necessário em um símbolo metafórico. A ira de Deus não é um sentimento divino paralelo ao seu amor, nem um motivo de ação paralelo à providência; é o símbolo emocional para a obra do amor que rejeita e abandona à autodestruição aquilo que lhe resiste. A experiência da ira de Deus é a consciência da natureza autodestrutiva do mal, a saber, dos atos e atitudes que a criatura finita se mantém separada do fundamento do ser e resiste ao amor unificador de Deus. Esta experiência é real, e o símbolo metafórico "ira de Deus" é inevitável. *

*Paul Tillich - Teologia Sistemática. p. 287,288

O Amor Concreto

   Existem duas maneiras de animalizar o homem: ou agir com brutalidade sobre ele ou agir com sentimentalismo. Nem a violência extremada e tão pouco afagos piegas podem ser confundidos com amor, já que ambos são as condições na existência onde o sentimento humano se encontra em estado de ruptura com o fundamento eterno da vida, o que acaba por gera um conflito entre dois elementos do amor, que é a firmeza espiritual e a doçura natural do sentimento humano.
   O homem é um ser completo e por isso só pode ser compreendido em sua completude e não por partes isoladas. A realidade do amor no tempo nos fornece um exemplo da fratura ontológica do homem que a sofre por estar voltado contra o Ser (Deus em linguagem teológica). Nesse sentido, em nome do amor, as mais perversas confusões podem se manifestar em uma unilateralidade que enxerga o amor ou como "aceitando tudo o que é humano" ou como "excludente do homem por amor ao correto". Em épocas de trevas excludentes o Amor se manifesta como reconciliador; e em épocas de pieguismo sentimentalóide e pedante o Amor se manifesta como o divisor reclamando seus próprios direitos em meio à mentira que destrói o espírito. Tanto a "violência por amor" tal como o "pieguismo" são degenerações humanas cujo sentimento natural se encontra adoecido por causa da ruptura do homem com o seu fundamento eterno.
   Hoje em dia, sem dúvida, vivemos tanto uma espécie de degeneração quanto a outra. Mas em ambas as degenerações existe algo em comum: a ausência do intelecto. Por isso a razão fornece a estrutura inteligível do amor sem o qual tudo se degeneraria em uma irracionalidade que rebaixaria o status ontológico do homem ao nível de bichos. Tanto o pieguismo kitch quando a violência brutal estão em confronto com a razão humana e invariavelmente é na ausência do intelecto que a desestruturação do homem mais se manifesta. Podemos ver um homem que em nome de sua paixão joga tudo para o ar, abandonando filhos e esposa e em consequência destruindo a sua vida e a dos outros; também vemos o homem brutalizado destruindo tudo aquilo que lhe poderia encaminhar a uma vida plena, machucando os outros e a si mesmo por meio de uma reação desproporcional a uma injustiça sofrida, sendo essa falta de proporcionalidade em sua ação o que gera o desequilíbrio e o aprofundamento ao nível da crise de uma injustiça que ele visava vingar.
   Contudo nem o amor exclui o sentimento e nem mesmo a reação enérgica à injustiça sofrida. Na verdade ambas, quando integradas ao intelecto, se manifestam como a essência do amor na história. A realidade concreta do amor é tanto integradora quanto excludente, já que o amor não está nem a cima e nem a baixo da justiça. Um amor é justamente excludente quando nega a negação do amor. A condenação tem raízes plantadas no amor que não tolera a injustiça transformando-a em não-injustiça, pois se assim fosse tal amor seria um salvo conduto para a manifestação do caos que aniquilaria o homem, ou a livre ação do não-ser que aniquilaria o ser. Nesse sentido tanto o ódio ao homem como o amor degenerado e leniente por mais que pareçam distintos à percepção vulgar, produzem os mesmos efeitos devastadores sobre o homem - e na verdade não pode haver a livre circulação da injustiça sem a presença da tolerância degenerada que "deixa correr". Que a "tolerância" dê espaço à ação desenfreada da injustiça é algo que não é historicamente desconhecido.
   Por tanto o amor é condenatório e excludente, mas o amor salvífico, não negando a ira e a condenação, mas pressupondo-a, é aquilo que se manifesta por meio do sacrifício criando uma segunda chance. A sabedoria Bíblica afirma que não pode haver perdão sem a verdade e a misericórdia. A verdade é aquilo coloca o transgressor de frente para o seu erro e de frente para a verdade que o confronta eternamente; a misericórdia é o desejo que afirma a vontade por parte do agravado de que o transgressor continue a viver. Se olharmos para a estrutura clássica do entendimento cristão sobre a redenção sabemos que nenhum erro fica sem custo. No casso da teoria da redenção mais importante, que é a de Santo Anselmo, vemos que a redenção necessita da vingança para produzir seus efeitos sobre o pecador. Cristo é aquele que sofre a ira divina que deveria cair sobre todos os homens, abrindo espaço para o perdão humano quando esse assume o seu erro diante de Deus. Nesse caso nem a misericórdia de Cristo exclui a justiça e nem a justiça de Deus exclui a misericórdia, pois ambas são assumidas de forma inteligível no sacrifício produzindo assim a satisfação que é apropriada pelo homem mediante o arrependimento penitencial.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Pecado, Alienação e Redenção

   A redenção só tem significado diante da lei, afinal: de quê somos salvos? A primeira resposta é: de nós mesmos e das consequências das nossas ações que nos levam ao abismo.
   A lei de Deus é a tradução da consequência inevitável do nosso desejo de autonomia, do desejo de sermos deuses para nós mesmos e a consequente alienação da qual padecemos por estarmos separados de Deus, que é o fundamento eterno da nossa vida.
   Se nos decidimos nos voltar contra Deus, a morte é o que nos espera, pois sem ele a nossa vida é insustentável. Cristo é quem vence, por meio da Cruz e da Ressurreição, essa alienação ou essa separação abismal que o nosso pecado provoca entre nós e Deus.
   Experimentar a redenção é experimentar a reconciliação amorosa por meio da qual vencemos a ameaça da morte para vivermos a fé na promessa de uma amizade invencível com Deus.

Tolerância Destrutiva

   A "tolerância" sem regras que disciplinem a conduta e a relação entre pessoas pode levar a um conflito assimétrico que tende a aniquilar justamente os moralmente comprometidos. Guerra assimétrica é isso: promover a tolerância ilimitada entre lobos e cordeiros, deixando lobos serem completamente lobos e cordeiros completamente cordeiros.
   É óbvio que a "não intervenção" que deixe livre a relação entre a "lobidade" do lobo e a "cordeiridade" do cordeiro acabará matando o coedeiro. Ah sim, mas é preconceito e intolerância falar que a "lobidade" do lobo é perigosa para a "cordeiridade" do cordeiro. Bom é sermos tolerantes e respeitarmos "diverside" e deixarmos liberalmente correr pois sabemos que a "harmonia pré-estabelecida" dará conta de tudo.
   Esse é tipo de principiologia assassina que confunde amor com liberdade e tolerância ilimitados, e que é levada dianda em nome das "boas intenções", dos "bons sentimentos" e - Santo Deus! - do cristianismo. Mas como dizia o velho Marx: "o caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções".

O Paradoxo da Tolerância e o Evangelho

   Um amor real nunca "aceita tudo". A confusão entre amor e tolerância se dá justamente por causa da incompreensão do paradoxo da tolerância, onde a elevação desta ao nível do princípio acaba por dar espaço ao seu contrário.
   Mas vamos entender: será que a tolerância é boa quando, em nome da diversidade, colocamos em um mesma cercado lobos e cordeiros? O mesmo se dá com a liberdade ilimitada: a liberdade igual entre lobos e cordeiros é sentença de morte aos cordeiros.
   O amor é o equilíbrio justo e hierárquico das diferenças e não a tolerância elevada ao nível do princípio. A tolerância só é possível com uma estabilidade consensual sustentada por regras: a diferença é um aspecto permanente da humanidade, mas ela deve ser equilibrada por um justo meio onde as pessoas aceitem determinadas leis que subjugam a todos por meio de um contrato social.
   Esse tem sido o consenso político do ocidente, cuja base cultural é tanto cristã como iluminista e cuja junção se deve mais a um arranjo pragmático do que a um motivo principiológico. Mas a tolerância cristã só se ajusta a isso porque fundada no amor do Evangelho que apregoa a paciência de Deus que leva o homem ao arrependimento e à salvação, e não por causa de um nivelamento acrítico de todas as diferenças que é uma caricatura diabólica do amor para quem "tudo é bom ao seu modo".

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Assassinatos de LGBT: Mais Matemática, Por Favor

O assunto está ficando chato demais. Mas existem erros de metodologia que simplesmente me deixa assustado... Ligar protesto contra a exposição do Santander com assassinato de travesti é simplesmente desonesto. É aquela perguntinha incendiária que amplia a nossa visão: Será que todo assassinato de travesti é homofobia? Conheço não poucos assassinatos de homossexuais que fazem programa, por exemplo, que foram causado por pessoas que faziam programas com eles.
Alguns dizem que a população LGBT é de 11 milhões de pessoas, ou algo próximo de 5% da população. Dizem que algo em torno de 347 LGBT's morreram assassinados por motivo de homofobia em 2016, certo? Morrem, aproximadamente, 55 mil brasileiros por ano por assassinato. Vamos lá: se 5% da população corresponde a 343 assassinatos, e se multiplicarmos esse número por vinte - que dá a proporcionalidade de 95% de brasileiros héteros -, então teremos 6.940 assassinatos proporcionais aos 95%. Isso significa que sobram aí 43.060 assassinatos proporcionais para que o grupo LGBT alcance o tanto de assassinato de héteros.
Isso quer dizer que existe uma epidemia de heterofobia, se morrem proporcionalmente mais de héteros no Brasil? Não, pois no Brasil morre muito todo mundo. O Brasil é um dos países que mais mata, e nenhuma classe sai ilesa. O que contesto é essa narrativa incriminatória que, no fundo, visa cercear a opinião, meter medo e, no fundo, anseia poder político por meio de uma calúnia que se quer verdade porque aqueles que se servem dela sabendo que podem ganhar com isso. O vitimismo é algo altamente lucrativo no mundo contemporâneo.
Por tanto, mais honestidade e matemática, por favor.

Mais Sobre Arte: A Crítica da Faculdade de Julgar

   Para palpitar sobre arte, leia esse livro em especial - se você aguentar e se não for um teologuinho incapaz.
   Aqui está a tese maravilhosa de Kant - esquecida de todos os pós-modernos por causa daquele estranho gosto que os fazem ter o coração devotado ao lixo -, que é: "A Beleza é o Símbolo da Moralidade". Não será possível entender o porquê de Hegel ter afirmado que a destinação da arte é semelhante a da religião e da moral sem esse livro. Também sem esse livro é impossível compreender algumas proposições de Schelling.
   Mais do que qualquer outra obra o romantismo alemão se fundou aqui... E sinceramente eu me pergunto a razão pela qual a modernidade aceitou o urinol de Duchamp, inaugurando a militância destrutiva na Europa contra toda a tradição estética do ocidente, tendo esse livro de pouco mais de cem anos nas suas costas.
   Mas é isso aí. Se você não quer ser demolido quando fala de arte, leia essa obra de Kant - que, repito, não é acessível ao incapaz.

O Dom do Conhecimento



   Hoje eu fico com cada vez mais espanto quando busco compreender de onde as pessoas tiram a ideia do bem e mal, do certo e do errado.
   Se eu fosse um relativista ou um historicista radical diria que essa compreensão está relacionada com o modo de compreender o mundo de cada época e de cada povo, e que cada qual está certo ao seu modo. Mas como eu posso saber que "cada um está certo ao seu modo" se esse relativismo esvazia a própria ideia de bem e mal, e que, por isso, nunca atingimos com a nossa mente o que sejam essas coisas de fato? 
   Por mais que gente sabida ache superstição a ideia de iluminação eu não consigo não constatar realmente que quem nos esclarece o certo e o errado é a presença divina sem a qual não seria possível um bem no mundo, já que o bem, necessariamente, deve ser sempre o mesmo, eternamente igual a si e perdurar assim por todo o sempre. 
   Sendo o mal o que é, qual não seria a ignorância de quem nunca soubesse o que essa coisa é, sendo impossível o discernimento sobre o certo e o errado? Que vida degenerada não viria daí? Já afirma o cristianismo que o mal é o afundamento radical na contingência, pois privados da referência da luz do ser a mente humana é enterrada nas trevas do não-ser, onde não há definição mas apenas trevas, degeneração e ignorância.

Antes de Palpitar Sobre Arte


   Antes de palpitar sobre arte ou expressão, leiam esses livros, por favor:

 
Benedetto Croce: Estética como ciência da expressão e linguística em geral.

F. W. J. von Schelling: Filosofia da Arte (Obra Genial).

Roger Scruton: O Rosto de Deus (esse livro tem um itinerário semelhante ao de Hegel: passa da realidade espiritual e abstrata para a concretização do espírito no mundo). 

Roger Scruton: Coração Devotado à Morte - O Sexo e o Sagrado em Tristão e Isolda, de Wagner (veja aqui qual é o lugar do sexo na arte, pois ele está ligado à redenção, e não à profanação).

Fichte: Sobre o Espírito e a Letra na Filosofia (é aqui que começa a investigação filosófica da arte ligada ao romantismo alemão).

Ângelo Monteiro: Arte ou Desastre (Crítica deliciosa à arte moderna. Livro de formação para barsileiros).

Theodore Darlrymple: Nossa Cultura... Ou o que restou dela (Os primeiros 12 ensaios falam exclusivamente sobre arte e na segunda parte existem insights sobre arquitetura, como em "Como Ler uma Sociedade". O 12° ensaio fala sobre o niilismo estético).

Santo Agostinho: Cidade de Deus (Nos primeiros capítulos Agostinho apresenta uma hipótese para a decadência romana: os teatros. A argúcia do pensamento de Agostinho é de espantar).

G. W. F. Hegel: Curso de Estética (A visão de arte de Hegel apresentada através do seu método dialético e da sua filosofia da consciência é edificante e maravilhosa).

Platão: República (Aqui está a crítica fundamental da arte que se tornou modelo para a filosofia).

S. A. Kierkegaard: O Desespero Humano (como uma categoria da consciência isolada do seu fundamento pode levar o homem, através da atividade frenética da imaginacão, ao desespero do infinito e sem formas? Com uma visão cristã Kiekergaard aponta aqui a doença das doenças da modernidade: a ausência das limiações ou, em linguagem filosófica, de um limite ontológico, algo que desemboca no niilismo estético).

C. S. Lewis: A Abolição do Homem (Como o subjetivismo pode destruir a sua Humanidade e até a sua nação? Não tratando diretamente da arte, Lewis toca, não obstante, em um ponto fundamental da compreensão da arte: o fundamento objetivo da experiência humana).

Nortorp Frye: Imaginação Educada (Qual o alcance da literatura bíblica e grega na formação da literatura, do padrão linguístico e mental do Ocidente?). 

Imannuel Kant: Observações Sobre o Sentimento do Belo e do Sublime (Sendo um livro de antropoligia filosófica, Kant parte dessas duas categorias estéticas para explicar até a diferenciação entre os sexos. Você já ouviu falar do "Belo Sexo" se referindo ao gênero feminino e o "Sexo Sublime" se referindo ao gênero masculino?).

Edmund Burke: Investigações Filosófica Sobre a Origem das Nossas Ideias do Sublime e da Beleza (Investigação profunda sobre os fundamentos do gosto).

Roger Scruton: Beleza (Uma obra brilhante para compreendermos a destinação da arte e do porquê da degradação do gosto ser também a degradação homem e do mundo). 

René Girard: A Conversão da Arte (Como a arte pode revelar a verdade fundamental da inveja como um dado estrutural da cultura humana e a consequente escalada aos extremos apocalípticos da violência que invariavelmente são canalizados a um bode expiatório? Girard sustenta a tese de que toda a literatura é essencialmente a recontagem da narrativa da paixão de Cristo, o seu modelo fundamental, ou é uma farsa que oculta o homem do próprio homem) 

Werner Jaeger: Paideia - A Formação do Homem Grego (Qual era a ideia de formação grega? Contando a história do ideal pam-educacional da civilizacão grega, que ia da ideia de educação à política, família, religião, filosofia, artes em seu mais amplo alcance e mesmo à estética corporal, Jaeger explica a dimensão, profundidade e alcance da cultura grega).

   Não vá na ideia de ideologuinho ou teologuinho. Leiam isso e aprendam o que é arte.

A Arte como o Último Covil


   A escultura, arquitetura, poesia e demais áreas da arte jamais são neutras. Todas são expressões simbólicas de realidades que militam em nosso espírito ou são coisas para as quais damos o nosso assentimento e que se estabelecem em uma relação dialética com o eu daquele que as contempla. Nunca a arte não diz nada, pois impõe por si mesma uma informação à realidade pelo próprio fato de existir.
   Todas as expressões da arte passam informação e podem, como já disseram Platão, Santo Agostinho e Hegel, elevar o homem, sendo veículo das mais altas realidades do espírito, ou podem fazer degenerar o coração humano e enterra-lo em pensamentos vis ou incitá-lo à violência e ao dilaceramento. Sem essa crítica não haveria nem mesmo aquele violento movimento iconoclasta do protestantismo cristão, o qual enxergava em qualquer arte uma degeneração do espírito. Mas não precisamos ir tão longe.
   O que vimos no espaço cultural do Santander não foi algo neutro. Em sua apresentação o curador disse quais eram as intenções do evento: quebrar o significado patriarcal de museu, quebrar a imposição normativa da moral sexual vigente, abolir os parâmetros normativos do cânone artístico e se presentar como campo de batalha. Mas vale lembrar o que aformou Dalrymple quando sabemos da manipulação da imagem infantil: o que é quebrado no nível simbólico também será quebrado na realidade.
   Antigamente se poderia dizer em épocas de vigência máxima do jingoísmo que o nacionalismo era o último refúgio do canalha. Hoje, sem medo de errar, podemos dizer que na vigência geral de uma existência estética de corte sartreano não comprometida, onde ninguém quer dizer aquilo que realmente diz ao dizer, que a arte tornou-se o último covil dos criminosos.

Hegel e a Finalidade da Arte


   Já se foi o tempo de G. W. F. Hegel em que, considerando o destino, a finalidade e a essência da arte, era possível definir assim a essência da arte: 
   "O seu mais alto destino, tem-no a arte em comum com a religião e com a filosofia. Como estas, também ela é uma expressão do divino, das necessidades e exigências mais elevadas do espírito."
   "Despertar da alma: este é, dizem-nos, o fim último da arte, o efeito que ela pretende provocar. Quando sob este apecto consideramos o fim último da arte [...] logo verificamos que o conteúdo a arte compreende todo o conteúdo da alma e do espírito, que o fim dela consiste em revelar à alma tudo o que a alma contém de essencial, de grande, de sublime, respeitoso".
   "A arte teria por fim , sobre tudo, l'aduciment de la barbarie [suavização do bárbaro], e é certo que, para um povo que mal entrou na vida civilizada, esta suavização dos costumes constitui, com efeito, o fim principal que a arte se destina. Acima deste fim, situa-se a moralização, que durante muito tempo se considerou como o mais elevado."
   Contudo, nem tudo são luzes, pois o filósofo alemão também afirma:
   "[A arte] Tem o poder de nos experimentar em todas as infelicidades e misérias, de nos tornar presentes o mal e o crime. Graças a ela temos o poder de sermos testemunhas pávidas de todos os horrores, experimentar todos os pânicos, podemos ser revolvidos pelas emoções mais violentas. Pode a arte erguer-nos à altura de tudo o que é nobre, sublime e verdadeiro, arrebatar-nos até a inspiração e ao entusiasmo, como pode mergulhar-nos na mais profunda sensualidade, nas paixões mais vis, abafar-nos em uma atmosfera de volúpias, e bandonar-nos desamparados, esmagados pelo fogo de uma imaginação desenfreada."
   Nesse caso temos o niilismo estético, a quebra absoluta de valores levada a cabo em nome de uma pretença liberdade por meio da qual se deseja expressar a animalidade mais vil do homem como um valor entre outros. O igualitarismo vigente que incita ao nivelamento por baixo de tudo o que é humano, associado a uma liberdade ilimitada só pode resultar na degeneração tal como vimos no espaço cultural do Santander, a anti-arte concreta.