domingo, 29 de julho de 2018

O Preço do Combustível e a Bandeira Solitária da Economia na Crise da Província

   No Brasil a ciência da Economia é uma voz que clama no deserto. Tal como o neonato de Freud cuja mãe é a única totalidade na qual se encontra imerso, o brasileiro em seu presente estado político não desenvolvido ainda acha que governo e economia são uma coisa só. Mas a realidade estrutural do país ajuda nesse equívoco com o seu acúmulo de "serviços".
   O mal de uma estatal como a Petrobrás é justamente a degeneração da percepção da realidade por parte das pessoas que vivem sob sua sombra, ou sob a sua totalidade. Isso também revela, ainda que as avessas, a arraigada mentalidade paternalista de gente que acredita que tudo pode vir do governo - desde os males até a redenção salvadora.
   Se não houvesse a Petrobrás como estatal em que os políticos poderiam atuar sobre ela com o dirigismo de preço (como a Dilma fez, levando o país para a sua maior recessão já registrada), veríamos as coisas de forma diferenciada, entendendo que o mercado tem leis próprias e que os produtos devem se adequar a elas, sendo refratário à ação de governos que desejam criar magicamente os preços - como bem se evidenciou na crise gerada pela Dilma.
   Agora que a política de preços da empresa segue o padrão dos preços internacionais - o que está correto -, as pessoas se equivocam achando que a alto preço do combustível é algo derivado das "falcatruas do governo", como se por mágica o governo pudesse remediar todas as situações pela simples vontade política - segurando o mar da realidade em suas mãos, como o bebê freudiano exige que sua mãe faça.
   O aumento do preço dos combustíveis por causa do rompimento por parte de Trump do acordo com o Iran e a crise na Venezuela são fatores externos que auxiliam no aumento dos preços. Se, por exemplo, o Iran deixa de vender petróleo, o aumento do preço será instantâneo pela variação da realidade da oferta e procura. Com menos produtos disponíveis em meio a uma demanda alta por eles, o preço subirá.
   Nem tudo é simplesmente política local e o fato de reduzir tudo à "vontade política" do governo (como se ele tivesse a fórmula da salvação) é o sintoma de uma patologia profunda gerada pela incapacidade de realizar um leitura adequada e abrangente da realidade.
   Por isso esse provincianismo de pensamento, aliado com a presente fúria justiceira a aos demagogos oportunistas, se não remediado, ainda irá acabar com todos nós.

A Degeneração Moral e a Destruição do Entendimento

   Quando as palavras e o raciocínio faltam o que resta é apelar para caretas, bufos e indignação afetada. Esse é o modo costumeiro de persuasão do incapaz, mas também é o resultado da degeneração moral e da destruição da educação.
   Quem teve, por motivos vários, a inteligência destruída, não consegue ir além de jargões, frases de efeito, imagens e figuras mentais, e apreender a unidade de sentido dos seus respectivos conteúdos, se perdendo em uma pasta mental de confusões e angústias geradas pela incapacidade de por em palavras aquilo que se percebe pelos sentidos.
   Uma das razões pelas quais a educação e a leitura são fundamentais é justamente o seu potencial de destravar a língua e de potencializar a imaginação, o que torna possível colocar em palavras os pensamentos mais abstratos e as experiências mais sutis.
   Contudo esse é um caminho fechado para um povo acostumado à fúria como método de persuasão, com a embriaguez, com a sensualização excessiva, e comportamento malicioso.
   Esse é o sentido da mensagem bíblica no livro dos Provérbios que afirma que ao degenerado é impossível o alcance do entendimento.

Consciência e Verdade

   Existe uma coisa particular que se estabeleceu como lei na cabeça de gente que se fez em um ambiente universitário e que por isso anda numa onda incapacitante meio existencialista e meio niilista. Essa coisa é a descrença na ideia da existência de fatos e a crença em narrativa. Tudo isso deriva do vício presente na metodologia de pesquisa acadêmica hegemônica onde vigora a distinção entre fatos e valores e a crença historicista de que a "verdade" pertence a cada estrutura do tempo histórico do qual emerge.
   Não é por acaso que pessoas assim se escandalizam diante da reivindicação de um juízo de fato com pretensões absolutas de verdade. O que pode parecer uma atitude mística de humildade diante do inabarcável é, na verdade, a abdicação do testemunho da consciência como um tribunal que se percebe como o órgão participante na realidade do ser, e como essa parcela do ser que capta, pela consciência, a luminosidade da sua própria verdade.
   O choque escandalizado pode vir em forma de protestos contra o "narcisismo" de sua atitude, o "totalitarismo" da sua reivindicação e a "soberba pretensiosa" da sua forma de pensar. Contudo, ao mesmo tempo, o problema do autoritarismo não desaparece diante dessa atitude intelectualmente niilista de quem tira do seu próximo o poder de afirmar o que viu com os seus próprios e testemunhou com a própria consciência.

Golpe Militar

   Ainda que possamos nos solidarizar com o sentimento de insatisfação geral e clamor por justiça - e isso é o máximo que podemos conceder -, não dá para deixar de fazer a constatação de que o pessoal que está pedindo intervenção militar está, nesse assunto, com a cabeça literalmente na lua.
   O Brasil não é uma ilha para viver, mais uma vez, e de forma fácil, um golpe militar. Temos acordos jurídicos estabelecidos mundo afora, acordos comerciais e por isso não estaríamos isentos de embargos na área econômica por parte de países importantes. Isso significa desemprego, perda de benefícios sociais por causa da queda de arrecadação de impostos, prejuízos na saúde etc.
   Aqueles que deitam os cabelos e que estão surtados na choradeira de aumento de preços nem imaginam o que seria um país sem estabilidade jurídica e política. Corte em exportação, perda de parceiros comerciais e aumento de preços, certamente, seriam parte da crise.
   Por outra, não estamos na década de 60 onde a informação corria à velocidade de tartaruga, onde a grande parcela da sociedade nem tinha acesso à comunicação telefônica. As pessoas mal se comunicavam por cartas e hoje temos mais celular do que gente no Brasil.
   Como um governo assim iria quebrar o fluxo de informações sem prejudicar o comércio, por exemplo? Aqueles que ficam dando provas de seus delírios na internet criticando a política teriam, por falta da liberdade de criticar o governo, que se recolher aos seus aposentos para secretamente dar uma babada afim de obter alívio para a crise de abstinência.
   Queridos, se estou sendo ácido nos meus comentários, não se esqueçam de que há outros que estão sendo loucos.
   É claro que vivemos em tempos de crise, e como disse, eu me solidarizo com todos vocês. Mas isso não significa que a raiva seja a boa solução somente por que conduzida na crista de determinados desejos pesados de justiça. Não!
   É como disse um certo autor: "O caminho para o inferno é pavimentado pelas boas intenções".

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Judas

   Quando a voz da profecia deixa de ser o critério de juízo que guia a Igreja, a moral do presente século passa a ser o substituto necessário da voz de Deus. Quem busca obedecer a Voz do Alto deve estar preparado para demolir em si ou fora de si toda a crença vã, toda a vaidade e fingimento e disposto a se contrapor radicalmente ao espírito do presente mundo.

   Ao contrário disso, vemos gente transformando a palavra divina em clichê, e convencido de agir em nome do "amor", da "liberdade", da "pluralidade", estão na verdade de joelhos dobrados diante de uma imagem de Baal.
   Esses são os profetas de corte desse século, pois ao invés da fidelidade ao seu Deus, decidiram se aliançar com as conveniências desse mundo, mimetizando bons sentimentos enquanto na verdade agem na base do fingimento, desejando ser queridos e amados, nem que para isso seja necessário prostituir a própria consciência e apontar como criminosos seus próprios irmãos.
   O Judas desse tempo ainda cumpre o mesmo expediente: vende Jesus por algumas moedinhas de prata, trocando a eternidade com o Seu Senhor por uma pequena hora de gozo e glória enquanto trilha o caminho em direção à sua própria destruição.

Heidegger e Hitler, o Homem Incapaz

   Segundo Mark Lilla, essas foram as perguntas que K. Jaspers fez a Heidegger, a estrela filosófica que brilhava no céu da cultura alemã do seu tempo, sobre o seu apoio a Hittler.
   Quando foi interpelado por Jaspers sobre o antissemitismo, essa foi a resposta:
   Heidegger: "Mas existe uma perigosa rede internacional de judeus".
   Já com relação à capacidade de governar, o que vai a baixo ilumina todo um horizonte de questões.
   Jaspers: "Como pode um homem sem cultivo como Adolf Hitler governar a Alemanha?"
   Heiddegger: "A cultura não importa. Simplesmente veja suas maravilhosas mãos".
   
   Mark Lilla - A Mente Imprudente

   OBS: Para quem sabe ler e entender, o significado desse trecho é quase oracular.

Heidegger, o Romantismo e o Desespero

   Incrivelmente Heidegger também foi contra o mundo moderno, e contra a mortificação gerada pelas máquinas, pela indústria, pela política "burguesa", e pelo modo vazio da vida moderna, ou seja: Heidegger era uma alma romântica encantada pela vida prosaica do campo e aterrorizado com um mundo que escapava de suas mãos.
   À decepção de sua alma com o mundo corresponde a sua atitude de vislumbre da possibilidade de cura do mesmo na emergência de um novo "Ser" na história, ou um reatamento ao "Ser", e nisso ele aderiu ao nazismo que prometia um retorno radical à essência espiritual do homem, oferecendo uma barreira contra a degradação da democracia e da cultura de massas.
   Sua mente ditatorial e radical que oscilava entre a concepções de grandeza e de desespero acabou por aderir a uma proposta também radical, onde a possibilidade de cura da "degeneração do mundo" lhe foi plausível. Seu desespero também explica o seu romantismo e a busca de uma síntese totalizante que vai do espírito à política.
   Heidegger não é o primeiro curandeiro totalitário da realidade e infelizmente também não será o último.

O Deus Totalmente Outro

   Todas as divindades que ficam aquém da linha divisória estabelecida pela ressurreição, que moram em templos feitos e servidos por mãos humanas, todas as divindades que "necessitam de algo", i. e., do ser humano que julga conhecê-las (At 17.24,25), não são Deus. Deus é o Deus desconhecido. Como tal ele dá vida, alento e tudo a todos. E assim seu poder não é nem poder da natureza, nem da alma, nem qualquer um dos poderes maiores ou extremos dos quais temos ou possivelmente poderíamos ter conhecimento, nem seu poder supremo, nem sua soma, nem sua origem, mas a crise de todos os poderes, o totalmente outro, comparado ao qual eles são algo e nada, nada e algo, aquilo que os move em primeiro lugar e o seu último repouso, a origem que a todos eles revoga e o objetivo que a todos fundamenta. O poder de Deus não se encontra de forma pura e superior ao lado nem ("supranatural") sobre, mas além de todas a forças condicionadas e condicionantes, não devendo ser confundido ou alinhado, mas só ser comparado a elas com extrema precaução. A força de Deus, a investidura de Jesus como Cristo, é, em sentido estrito, pré-suposto, livre de todo conteúdo acessível. Ela ocorre no Espírito e quer ser reconhecida no Espírito. Ela é autosuficiente, não condicionada e verdadeira em si. Ela é o novo por excelência, que se torna fator decisivo e de mudança na reflexão do ser humano sobre Deus.

Karl Barth - Carta aos Romanos; Sinodal. p. 80.

A Pregação e o Desejo pela Realidade Eterna


   Não dêem ouvidos aos medrosos que que em meio a lamentações nos admoestam a que não tornemos séria a situação, que não passemos de repente a utilizar balas, ao invés de só dar tiros com pólvora seca! Esta não é a voz da igreja de Deus, a que ali se faz ouvir! A seriedade da situação entre nós está em que as pessoas querem ouvir a palavra, ou seja: a resposta à pergunta, se é verdade, a qual está movendo, quer saibam, quer não. A situação no domingo pela manhã (no culto) é, no sentido mais literal da palavra, histórico-final, escatológica, também sob a perspectiva das pessoas (...); isto é, quando surge esta situação, a história, a história no mais está no fim, passando ser decisivo um anseio último da pessoa por um evento último. Se não compreendermos esta aspiração última, se não levarmos a sério as pessoas na existência aflitiva que as trouxe até nós (...), nós não devemos nos surpreender que a sua maioria, sem que se transformem em inimigos da igreja, aos poucos vai deixando a igreja de lado, vai nos deixando sozinhos como aqueles bem-intencionados e medrosos.
Karl Barth - A Palavra de Deus como Encargo da Teologia - Dádiva e Louvor. p. 53