sábado, 4 de março de 2017

Cristo a Filosofia e a Ciência

Na Bíblia o livro dos Provérbios, no capítulo de número 8, temos os famosos versículos sobre a eternidade da sabedoria, sendo que por ela Deus mesmo criou todo o Universo e fixou nele LIMITES. Ao mesmo tempo temos uma exortação no livro a buscar em nossa vida, sobre tudo, a sabedoria. No Evangelho de João, no capítulo de número 1 temos a informação de que TUDO foi criado por meio do VERBO (que é Cristo), e a palavra VERBO é a tradução do grego da palavra LOGOS, que significa a RAZÃO ESTRUTURANTE, ou o princípio de compreensão de todo o Universo. No livro do apostolo Paulo aos Colossenses (1:13-19) temos a afirmação de que em Jesus tudo foi criado e que tudo subsiste nele, assim como em 2:3 afirma que todos os tesouros da sabedoria e da ciência estão nele, e que isso foi conferido à Igreja.
Os Escolásticos Medievais e os Pais da Igreja (do período nomeado Patrística) levaram isso a sério, elaborando - no caso dos escolásticos - o método de exposição geométrica da teologia, onde dos axiomas da unicidade de Deus toda a teologia era derivada juntamente com a revelação bíblica em um discurso racional coerente e sistemático sobre a fé. A união entre a Filosofia e a Teologia criou o direito e a doutrina dos Estados na Idade Média, assim como formulou todos os princípios da investigação científica. A ideia de que há uma RAZÃO ETERNA no Mundo e nos corpos físicos, ou seja, a ideia de uma ordem pré-estabelecida que é a justificação própria das ciências modernas, foi retirada da teologia cristã e das filosofias platônica e aristotélica, que afirmavam que todas as coisas são guiadas por processos inteligíveis à RAZÃO (algo possível por causa da compreensão de que o homem é capaz de entender por sua razão a RAZÃO DO MUNDO), e que se são verdadeiros são verdadeiro permanentemente, ou melhor, eternamente.
Diante disso, vemos que muito do progresso científico tem um pé calcado em princípios teológicos que mesmo após a secularização da cultura são ainda necessários para a possibilidade das ciências - pois se isso não é verdadeiro, como a ciência pode crer na razão humana se ela não consegue entender, pelos métodos da ciência experimental, o que é a razão? Uma ciência niilista é um absurdo em termos, e é, por assim dizer, a razão de destruição da própria ciência. Mas não é só isso, o ódio anti-intelectual que impera na Igreja é, também, uma das razões da queda da importância da própria Igreja, quando esta decidiu entender que tudo é moral e razão prática (não que isso seja totalmente errado), acabando, no fundo, com os fundamentos da própria razão prática - pois, no fundo, de onde é que retiramos a nossa ideia de bem ou de mal a não ser por meio daquilo que os cristãos escolásticos ou os pais da igreja chamavam de razão natural, ou da capacidade do espírito humano de experimentar diretamente (intuir) no real o Fundamento da Estrutura da Própria Realidade? Se assim não fosse seria um absurdo a Bíblia exigir, no livro dos Provérbios, a buscar sabedoria para a nossa própria vida prática.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Teologia Anti-Teológica

Qualquer um que em nome de uma "vivência direta com Deus", que em nome da "fé viva", nega a teologia, no fundo está também fazendo teologia, pois teologia é discurso sobre a fé ou comentário às Escrituras Sagradas ou às experiências com Deus. O resultado prático é o seguinte: anula-se todo tipo de teologia e, no lugar delas, colocamos a opinião do teólogo que DIZ que a "experiência direta" é a mais importante (que nada mais é do que uma afirmação teológica).
Essa é a mesma dinâmica que inunda a ideia de que a fé é antagônica à religião, pois se anula toda espécie de religião em nome de uma ideia que está cravada na cabeça daquele que diz que fé é antagônica à religião - e ao fazer isso aquele que ouve essa maravilha de ideia cria uma observância fiel e estrita à ideia, ou seja, caindo no processo religioso que (ou pseudo-religioso) que ele dizia negar - haja "çabiência".
Mas é claro, hoje o mundo é movido na base do clichê, do jargão, pois no fundo no fundo ninguém mais sabe o significado real daquilo que diz ou daquilo que diz acreditar. Invalidado está o preceito cristão de "fides quaerens intellectum", ou seja: a fé que busca a compreensão de si mesma.

O Domínio do Espírito: Da Educação Moral ao Amor ao Próximo


Entre os seus maiores doutores e mestres, o cristianismo sempre foi compreendido como o caminho que pretende proporcionar uma vida no Espírito. E isso quer dizer de uma vez por todas: o domínio da mente sobre as paixões e a exaltação dos bem eternos acima de quaisquer bens terrestres. O ascetismo cristão é, por tanto, a busca por uma vida na mente, e por isso vale dizer: uma vida sensata, sábia, fundada na razão e nas leis eternas que uma vez possuídas tornam possível o abrir de olhos para o verdadeiro propósito da vida humana. Do contrário o próprio cristianismo não seria o que ele arroga ser: universal e atemporal.

A reforma e o seu irracionalismo buscou, em parte, destruir essa universalidade ao tentar sobrepor um sobrenaturalismo absoluto à fé, retirando-a dos campos da razão, ciência, das artes etc - proibindo, por assim dizer, de Cristo encarnar na cultura. Este foi o lamento de Erasmo: "onde quer que o luteranismo chegue as letras caem"; este foi resultado da ira de Lutero ao chamar de prostituta a própria Razão. O resultado político do luteranismo foi, por exemplo, a cisão entre a moral e a política - lembrando a doutrina dos dois governos de Lutero -, que deu para a política uma espécie de liberdade absoluta, sendo uma das primeiras vítimas desse pensamento o próprio Lutero, que em seu escrito "Da Autoridade Secular", reclama de um efeito da sua própria doutrina quando os príncipes confiscavam os seus escritos: dar liberdade absoluta aos estados seculares.

Não nos surpreende que o estado prussiano tenha confeccionado uma constituição que se orgulhava de fazer uma separação entre moral e direito - pois dada a atmosfera religiosa e intelectual da Alemanha, o que a razão e a religião poderia dizer ao governo, quando este se tornasse absolutamente autônomo, livre de todas as peias morais? Ou outra: se a própria razão era incapaz de captar as leis eternas, em que a razão do legislador poderia se apoiar para conhecer tanto o bem quanto o mal? Não nego que o puritanismo luterano tenha fundado uma moral rígida entre os nórdicos. A questão foi justamente que Lutero legou uma crítica da razão que se levada a sério, em sérias circunstâncias, torna a defesa contra políticas irracionais algo substancialmente impossível. E um triste capítulo da história da Alemanha - que possui sim uma história gigantesca e venerável - não nos deixa enganados sobre isso.

No livro "A Abolição do Homem" de C. S. Lewis, há uma defesa fundamental da Razão Natural que não é de forma alguma negligenciável, perfazendo as condições para a compreensão e a defesa da fé, ou a preambula fidei, tal como se encontra na própria estrutura do livro "Cristianismo Puro e Simples", onde uma análise da razão natural capaz de compreender o bem e o mal constitui o ponto de partida para provar a mensagem universal do cristianismo. E aqui é importante lembrar que Lewis era um fiel da Igreja Anglicana, um ramo da Reforma que não aceitou o divórcio entre razão e a fé, dando continuidade à grande linhagem da filosofia espiritualista cristã que, grosso modo, dominou soberana em toda a história do cristianismo desde os Padres da Igreja até à Idade Média, assim como na Idade Moderna.

Mas onde desejo chegar? A minha busca é por colocar em evidência o matrimônio feliz entre a razão e a fé, sendo que a única possibilidade de uma compreensão profunda e relevante do cristianismo se encontra nessa união feliz, assim como a possibilidade de entendimento próprio do cristianismo e a razão de sua mensagem ser o que é, ou seja, universal. Da mesma forma, a possibilidade de uma educação cristã passa totalmente pelo crivo do poder da razão que, submetida à fé, é capaz de captar a sua essência e transmitir em palavras inteligíveis o que é um cristianismo.

Dizia no início do texto que o cristianismo é uma vida na mente, e que a vida na mente é aquele que, compreendendo, por meio da graça, as Leis de Deus, busca se submeter a estas Leis, sendo esta VIDA EM DEUS o bem mais precioso que um homem pode querer em vida, um bem que, ao seu possuído, torna todos os outros bens ou negligenciáveis ou submissos a este bem supremo que é a posse da vida em Deus. Nisso temos em mente também a ordenação da vida em meio ao caos do mundo. Trata-se daquele domínio puritano da alma que não permite ao homem se tornar escravo das coisas desta vida, mas senhor das mesmas. Nesse sentido não é o sexo, o dinheiro, o poder, a glória, o desejo de fama ou o estômago que nos dominam. Na verdade dominamos, por meio do auto controle, todas essas coisas. Pois é o pecado, a desordem na alma, que traz a desordem no mundo até o seu fim, que é a morte.

Por outro lado é a vida sob o domínio da mente ou do espírito que traz ao homem a possibilidade do amor, já que se domino os meus desejos, repartir o que tenho com o meu próximo é um ato de soberania que exercemos sobre nós mesmos. Por isso podemos dizer que só o homem espiritual, que entende a efemeridade do mundo e a eternidade de Deus, pode desfrutar verdadeiramente daquilo que possui, pois dar seus bens ao próximo é a característica de um homem que realmente possui e não é possuído pelo que tem. E somente aquele que possui seus bens pode dar a eles o destino que deseja, pois ao abrir mão do que se possui para ajudar a quem precisa, declaramos a soberania da nossa vontade para livremente, sem dor ou peso no coração, destinar o que é nosso a qualquer necessitado. É justamente aqui que Jesus Cristo se mostra verdadeiro, pois amar - que é a razão do próprio cristianismo - não é uma virtude possível ao avarento, mas sim para aqueles que se desprenderam dos pesos, do egoísmo e da ganância desta vida. Por isso, virar as costas para o mundo é a única possibilidade de amar a Deus e ao próximo, pois com isso conferimos ao mundo o seu devida valor na hierarquia dos valores.

E quem pode, com a sua própria razão, atribuir um valor diferente a tudo o que dizemos? A difusão da fé cria toda uma rede de costumes os quais são a causas de muitas leis e das instituições em nosso mundo ocidental. Na literatura, nas artes, nas ciências e por todos os lados podemos enxergar um vestígio de Cristo, e é causando essa ordem moral no mundo que podemos ver, também, um bem concreto desta fé no mundo. Mas o caos é sempre presente onde faltam a razão e a irradiação dos valores, dos quais participamos e não apenas conhecemos. Nunca é demais enfatizar aquilo que é óbvio: seja a razão prática do cristianismo, seja razão teórica no casamento entre a fé e a filosofia, a ordenação da alma do homem e o conhecimento desta ordem conferiram em muito as razões fundamentais das relações humanas presentes hoje; e é por isso mesmo que ensinando aos homens o domínio do espírito sobre a vida é que podemos espalhar valores que nada mais são do que o amor ao próximo, pois a educação cristã é o próprio amor ao próximo.