quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O Testemunho de Orígenes sobre o Culto Cristão Antigo no Livro "Contra Celso"

    Em seguida ele [Celso o filósofo] declara que evitamos construir altares, estátuas e templos; pois ele acredita que é palavra de ordem combinada de nossa associação secreta e misteriosa. É ignorar que para nós o coração de cada justo forma o altar de onde sobem na verdade e em espírito, incenso agradável odor, as preces de uma consciência pura. Por isso diz João no Apocalipse: "O incenso que são as orações dos santos" (Ap 5,8), e no Salmista: "Suba minha prece como um incenso em tua presença" (Sl 140,2). 
   As estátuas, as oferendas agradáveis a Deus não são obras de artesãos vulgares, mas do Lógos de Deus que as delineia e forma em nós. São as virtudes, imitações do "Primogênito de Toda Criatura", no qual estão os modelos da justiça, da temperança, da força, da sabedoria, da piedade e das demais virtudes. Por tanto, todos os que, segundo o Divino Logos, edificaram em si mesmos a temperança, a justiça, a força, a sabedoria, a piedade, e as obras-primas das demais virtudes, trazem em si mesmos estátuas. É por meio delas, como sabemos, que convém honrar o protótipo de todas as estátuas, a "Imagem do Deus invisível" (Cl 1,15), o Deus Filho Único. Além disso, os que se despojaram do "homem velho com as suas práticas e se revestiram do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador" (Cl 3.9,10) recuperando continuamente a imagem do criador, edificam em si mesmos estátuas dele, assim como o Deus supremo deseja*.
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*]Orígenes - Contra Celso, Paulus. p. 623

Agostinho e a Entrega do Coração como Graça e não como Obra do Livre-Arbítrio

    Pelágio prossegue e diz no livro antes citado: "Aquele que faz bom uso da liberdade, entregar-se totalmente a Deus, mortificando sua vontade de modo que pode dizer com o apóstolo: 'Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim' (GL 2,20); e deposita seu coração nas mãos de Deus para que ele 'o incline para qualquer parte que ele quiser' (Pr 21,1)".
   É grande ajuda da graça divina, sem dúvida, que ele incline o nosso coração para onde quiser. Mas essa grande ajuda nós a merecemos, conforme ele disse na sua loucura, quando, sem outra ajuda, que a do livre-arbítrio, corremos para o Senhor, desejamos ser dirigidos por ele, submetemos nossa vontade à dele e, aderindo-lhe constantemente, constituímos com ele um só espírito. E Ester bens tão extraordinários, segundo ele [Pelágio], nós os conseguimos somente pela liberdade do arbítrio. E assim, com estes méritos precedentes, conseguimos que ele incline nosso coração para onde quiser.
   E como pode chamar-se graça, se não é dada de graça? Como pode chamar-se graça, se é pagamento do que é devido? Como dizer que é verdade o que diz o apóstolo: 'E isso não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se encha de orgulho'? (Ef 2,8-9). E novamente: 'E se é por graça, não é pelas obras ; do contrário, não é mais graça'? (Rm 11,6).

Santo Agostinho. Graça (I). A Graça de Cristo e o Pecado Original. p. 237, 238

A Graça de Cristo

   Desse modo, fica bem clara a afirmação de Pelágio concernente à doação da graça de acordo com os méritos, qualquer que seja o significado que lhe dê, embora não se expresse com clareza. Pois, ao dizer que hão de ser recompensados os que fazem bom uso da liberdade e, por isso, merecem a graça do Senhor, confessa ser ela (a graça) pagamento de dívida.
   Nesse caso, onde fica o dizer do Apóstolo: 'E são justificados gratuitamente por sua graça?' (Rm 3,24). E esta outra sentença: 'Pela graça fostes salvos'? E para não se pensar (ser salvo) pelas obras, acrescentou: 'Por meio da fé'. Evitando que se pense numa atribuição da própria fé sem a graça de Deus, diz: 'E isso não vem de vós, é dom de Deus' (Ef 2,8). Assim, o que marca o início de tudo o que dissemos receber por merecimentos, recebemos (a graça) sem eles, ou seja, recebemos pela fé.
   E se alguém negar que nos é outorgada (ou que nos é dada como direito), o que significa o que foi dito: 'De acordo com a medida da fé que Deus dispensou a cada um'? (Rm 12,3). E se alguém disser que é retribuição pelos merecimentos, então não é dada. O que significa o que diz novamente: 'Pois vos foi concedida, em relação a Cristo, a graça de não só crerdes nele, mas também por ele sofrerdes'? (Fl 1,29). Testemunhou que ambas as coisas foram concedidas: o crer em Cristo e o parecer por Cristo. Os pelagianos, no entanto, atribuem a fé ao livre-arbítrio em tais termos que a fé parece ser uma graça devida, e não um dom gratuito. Assim não é graça, nem gratuita; não é graça.

Santo Agostinho - A Graça de Cristo e o Pecado Original. Ed. Paulus, p. 246,247

A Condenação, a Razão, o Arrependimento e o Amor

   A operação racional que tem por conteúdo o dogma cristão do inferno não é tarefa para incapazes. Somente uma mente imparcial capaz de refletir sobre a justiça ela mesma, e que é apta a se colocar sob o julgo desse mesmo juízo, é capaz de entender a racionalidade e a necessidade da existência do dogma.
   Não se trata, antes de tudo, de mandar o outro ou quem quer que seja para lá - coisa que nenhum cristão sério faz -, mas se trata, antes, da abertura da consciência daquele que assim reflete, diante da verdade da justiça ela mesma, para a possibilidade de que ele mesmo vá para lá. É o que o cristão individualmente DEVE fazer em TODO ato de análise da consciência, não sendo outro o fundamento próprio de TODO arrependimento verdadeiro.
   Quem nega a justiça eterna, nega também o juízo e a necessidade própria de arrependimento dos pecados, negando a própria existência de uma justiça a castigar os maus e a recompensar os bons - o que Kant mesmo dizia ser um postulado da moralidade. É isso mesmo que os liberais fazem quando, ao mesmo tempo que negam a existência do inferno, justificam toda perversidade e pecado (ainda que a discordância em relação ao pensamento deles seja um pecado imperdoável).
   Enfim, todo amor de fato é fundamentado no juízo (como diz o provérbio, não devemos ser a mula para quem não existe razão), pois tendo em vista este mesmo juízo, aqueles que amam tentam desviar os que erram do caminho da morte certa (que é o salário do pecado). É como diz o adágio: "quem avisa amigo é", e só pode avisar quem possui antevisão da desgraça que se abate sobre aqueles que estão em flagrante oposição à vontade de Deus. Aqui está a essência de TODA profecia cristã e bíblica.