sexta-feira, 23 de março de 2018

O Brasil entre Leviatã e Behemoth

Os símbolos podem esclarecer a história. Isso ocorre porque tanto símbolos como mitos são transcrições da própria natureza, ou, como diria Schelling, o autodesvelamento histórico do Absoluto ao homem. Hoje, Behemoth e Leviatã, os monstros do livro de Jó, estão em guerra e, ao mesmo tempo, estreitados em um abraço insano. É incrível que alguém, a essa altura, ainda lute por meio do exercício da força ou da persuasão rasteira contra as instância cuja finalidade é tornar a vida menos cruel e bárbara, ou seja, a Lei.
No Brasil existe algo sui generis: o direito constitucional da gritaria. Quem levanta a voz mais alto leva o prêmio. E que prêmio? Lula. Os esquerdistas mais fanáticos afirmam: "eleição sem Lula é fraude", ou que "o povo provou a inocência do Lula por meio dos votos", como se urna absolvesse ou condenasse alguém. Os direitistas, por sua vez, salivam querendo caçar Lula de qualquer jeito, entendendo que a finalidade da justiça é encarcerá-lo. Entre uma briga e outra, essa triangulação do desejo desemboca em uma coisa só: a ruína da Lei, a instância da razão a arbitrar os nossos conflitos.
A transformação do desejo de um lugar melhor ou de justiça em ódio e caça é a célebre transmutação a que está sujeita todo bom desejo não dirigido - e no fim das contas nem tão bom desejo assim. O tempo tende a trazer à luz a verdade das coisas e hoje vemos onde pode dar esse embate em que o esclarecimento só está sendo deixado para o fim do processo, para quando o céu já estiver desabado. A Lei, a instância que pode arbitrar conflitos, é vista como um empecilho para a justiça. Contudo, quando não temos por árbitro a Lei, a instância superior passa ser a força, a luta de todos contra todos onde só o mais forte pode se impor.
Mas a situação não foi criada do dia para noite, e para isso temos vários culpados: os esquerdistas capitaneados pelo PT que, na esteira do pensamento da esquerda radical entendem a lei como uma mera formalidade burguesa e que ainda que contenha uma necessidade para a ordem, acaba por produzir outra necessidade que é a da sua superação para a implementação da verdadeira justiça; os direitistas anti-liberais que acabam por enxergar a lei e as instituições como um impeditivo para a justiça, devendo essas irem ao chão (o STF, o Parlamento e o Executivo); o Ministério Público que no afã de fazer justiça vai à caça de políticos cometendo uma penca de ilegalidades, pois para gente como o Dallagnol, a lei dificulta o fazer justiça (é possível ver isso em suas reivindicações absurdas nas 10 Medidas); o juiz que condena com provas fracas (como o Moro) e o STF, que na pessoa de alguns ministros (Barroso - o petista anti-petista -, Fux - que queria beijar os pés da mulher do Sérgio Cabral - e Fachin - o maluco do MST) - estão atendem ao direito constitucional da gritaria e da agenda mais progressista da casa, mas que incrivelmente, estão sendo adorados pelos ditos conservadores - oh, santa e macabra ironia.
O incrível é perceber o quanto todo mundo só quer o "bem", a "justiça" e o "melhor para todos nós". Chegou a hora de paramos de pensar nesse "melhor" para pensarmos naquilo que é certo. E o desejo de caça ao Lula ou do livramento incondicional do mesmo são os extremos de quem não está dando ouvidos à razão. Não devemos ser adeptos do "meio termo" como se ele fosse um absoluto correto, pois isso é um clichê irracional. A questão é que os dois lados, nessa questão, possuem erros, como os já citados. Mas o dogmatismo partidário e surtado desse pessoal que não consegue furar a bolha da opinião e chegar à razão é o que ainda acabará por nos levar para a vala comum.
Minha oração é essa: que Deus nos ajude.
P.S: Os leitores do Olavo de Carvalho saberão exatamente do que estou falando quando uso o símbolo desta figura que retrata Deus, Leviatã e Behemoth.

Feitiçaria Política

   Esse negócio de manifestação pela prisão do Lula é coisa de gente insana. A droga que alguns discípulos do Olavo de Carvalho estão produzindo com a sua militância é um negócio boçal - e até indo contra algumas coisas que o próprio Olavo disse.
   Eu aprendi com o Olavo que as nações mais prósperas são aquelas que possuem estabilidade constitucional. Só que é o seguinte: ao mesmo tempo, o Olavo, infelizmente, decidiu incitar o inferno com a ideia de que o estamento burocrático tem que cair. Veio até um barrilzinho iluminado, e barbudo, dizendo que o STF deveria ser fechado. Que coisa linda!
   Essa galera está flertando com o capeta - e quando o invocam, ele vem. Não entram na discussão sobre o porquê da liminar e o porquê do habeas corpus - pois não são capazes disso. Essa galera imita os próprios revolucionários que ela tanto condena e vê apenas nos outros. Esse é o extremo-lixo que produz o ódio que se transforma em caça.
   O problema do petismo é que, na esteira do pensamento marxista, ele transgride a lei para fazer aquilo que pensa ser justiça - o Mensalão foi isso. Mas essa galera faz o mesmo: quer afundar a lei e até - santo Deus! - o habeas corpus para jogar o Lula na cadeia.
   Mas eis aqui a ironia para a qual esse pessoal deve atentar: o Lula hoje é vítima de uma escola que ele mesmo patrocinou (a ideia de que se deve transgredir a lei para fazer justiça); e com esses direitistas pode ocorrer o mesmo, pois quando se despreza a lei não se despreza ela apenas contra o desafeto, o outro, mas também contra si mesmo.
Enfim, essa gente não está pensando, está trabalhando com feitiçaria política.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Execução sob a DIalética das Trevas

   A morte da vereadora Marielle Franco do Rio tem todos os traços de execução, de barbarismo e de covardia. Contudo, a insensibilidade de fazer uma ideologia triunfar sobre o seu sangue é o que de mais grotesco pode haver para Marielle, pois o que se tenta neste caso não é resolver e esclarecer o assassinato, mas fabricar às pressas um símbolo artificial para lufar uma ideologia, dando azo à gritaria fanática que confunde a realidade com aquilo que se pensa dela.
   Não se faz justiça a Marielle com a gritaria. Ela pode sim ter morrido justamente por ser mulher, por ser contra a intervenção federal no Rio, por ser negra e militante dos direitos humanos segundo a interpretação do espírito do tempo. Contudo poucos pensaram ser ela, por essas coisas, um alvo ideal do próprio tráfico que poderia ter enxergado na morte dela esse potencial explosivo para fazer tremer a confiabilidade na própria intervenção.
   É horroroso ver alguém se assentar sobre a memória de Marielle de saída para fazer respingar o crime cometido contra ela sobre o exército e sobre a polícia. Isso é, por um lado, amadorismo de pensamento e por outro má fé grotesca - e mesmo se alguns policiais forem os responsáveis, quem diz que a polícia aliada ao tráfico no Rio não pode enxergar nisso um bem para si mesma? A deslegitimação da intervenção é o que pode ter tornado Marielle um alvo preferencial para os traficantes levantarem sobre a morte dela um símbolo de resistência contra a intervenção e a ação policial.


   Mas isso que é uma hipótese, é dialética demais para um cérebro desvitaminado que é, por isso mesmo, instrumento útil para quem quiser levar adiante uma guerra que hoje se trava também na mente das pessoas. Se a intervenção cair em descrédito - ou perder o seu eros -, então o tráfico terá triunfado sobre o corpo de uma militante oferecida em sacrifício ao demônio da desinformação. Precisamos de mais ceticismo em um país de crédulos que gritam ao primeiro estímulo. Mais atrapalha do que ajuda aquele que confunde sua paixão com a justiça ela mesma.

A Verdade do Espírito entre o Realismo e o Idealismo

Não temos uma experiência de outros mundos, temos, apenas, a experiência do nosso mundo e da realidade que nos pressiona por todos os lados a partir de onde nos encontramos. A verdade do realismo consiste na constatação que fazemos do impacto exterior da realidade na qual nos encontramos comprimidos. Contudo essa realidade seria demasiadamente pobre e também tirânica se o mundo se resumisse a esse impacto. A desolação geral do mundo e da inteligência, o caos político e também religioso, o fixismo sufocante que reduz todo a uma necessidade inexorável seria, no fim, o mesmo que um não viver se essa realidade não fosse contraposta ao idealismo que nos mostra o mundo não tal como ele é, mas sim tal como deveria ser.
A formidável capacidade que o homem tem de se elevar em seu espírito acima da realidade dada - do ser aí - e configurá-la à imagem do seu pensamento - ou realizar a aproximação entre o mundo e o pensamento - constitui a grandeza do homem. A virtude espiritual do homem consiste em não permanecer simplesmente ao que é dado, mas também em transformá-lo e, ao mesmo tempo, em saber quando é necessário deixá-lo ao seu ser-aí, ou deixá-lo tal como ele se encontra. Dialeticamente podemos afirmar que o transformar algo e o deixá-lo em seu estado fazem parte da própria transformação do algo, são momentos do mesmo e único processo, já que a transformação vai até um ponto em que não se avança, pois continuar avançando em uma transformação é diluir o objeto no nada, já que nunca se chega a uma forma determinada prosseguindo infinitamente. A forma final, ou a Ideia, é o fundamento da ação espiritual do homem no mundo pois permite ao homem mediar a Ideia para o mundo, dando à Ideia a concreticidade absoluta.
A tensão experimentada no homem entre a mudança e a permanência é aquilo que faz a consciência ser o que é e a síntese entre a mudança e a permanência é o que constitui o próprio Espírito e o Absoluto Fundamento de tudo. O homem é, por tanto, essa tensão entre o mundo e a Ideia, é, por tanto, o espírito que é contrário ao fixismo ou o dinamismo excluídos um do outro. Aqui se revela o espírito concreto e também a dinâmica própria da existência humana em todas as suas esferas de interesse, seja a esfera ética, política, artística, cultural ou religiosa. Essa constituição ontológica reclama a sua vigência em todos os domínios ônticos da vida, pois o ontológico, segundo as relações dialéticas entre os dois bastões basilares do espírito que são a forma e dinâmica, liberdade e necessidade, está presente em tudo, pois o ser é tudo, e segundo as medidas dos bastões dialéticos constitui a qualidade das coisas no nível ôntico. Por exemplo: na pedra a forma é mais predominante do que a dinâmica, ainda que ali a dinâmica não deixe de estar presente; na água a dinâmica predomina sobre a forma, ainda que a forma não deixe de estar presente também.
É próprio da consciência humano captar essas constituição das coisas por via da experiência contemplativa e, por isso, agir sobre elas. A consciência humana fica suspensa entre o céu e a terra e é na personalidade que são efetivados os valores e medidas através das quais se age no mundo, o que confere ao mundo uma mutabilidade, ao mesmo tempo que também se vê aqui o mundo como receptáculo e recipiente da Ideia, tendo a natureza a sua própria dignidade e constituição, sendo possível a contemplação do homem. Contemplação e ação dos homens em relação às coisas e em determinadas culturas a ação prevalece sobre a contemplação (como em culturas protestantes) e a contemplação prevalece sobre a ação (como em culturas predominantemente católicas). Mas nem em culturas protestantes a contemplação está ausente e nem mesmo a ação está ausente em culturas católicas. O médium entre contemplação e ação é aquilo que consiste no equilíbrio efetivo do espírito. A ação protestante é satânica se coloca o mundo num mal infinito de mudanças sem fim (e essa é a doença da modernidade), assim como a ação católica é satânica se se prende a um fixismo sufocante que comprime o espírito com blocos de realismo diante das quais o indivíduo desaparece e o espírito se apaga.

sábado, 10 de março de 2018

Herbert Marcuse, Sexualidade e Desordem

   Herbert Marcuse é uma espécie de Balaão redivivus, um charlatão sofisticado e poderoso que com o seu sofisma elegante atrai pessoas que se satisfazem com uma aparência de profundidade e complexidade, mas que desprezam aquilo que poderia orientá-las no mundo. Para essas o diletantismo corruptor de Marcuse é um baquete farto e pernicioso, como os doces bocados que penetram no mais profundo do ventre.
   A teoria "filosófica" de Marcuse era de que a continência sexual dos países altamente industrializados (e ele tem em mente, principalmente os EUA) influenciados pela moral puritana dos protestantes, os tornavam violentos. Então, conclui ele, a continência sexual leva a um comportamento rigoroso que recalca as energias psíquicas e por isso, tal como na teoria hidráulica, essa energia recalcada provoca irrupções e rupturas em outros pontos, no caso em questão em guerras, no desejo de domínio e na destruição industrial dos países avançados.
   Diante desse mal conclui Marcuse que a cura é a liberação das energias eróticas contidas. Se essa contenção era necessária no estágio mais primitivo da sociedade, onde a energia psíquica era canalizada para a força de trabalho, já nas sociedades avançadas a liberação das energias sexuais é uma questão de sobrevivência. A sacanagem geral proposta por Marcuse é a pedra de tropeço ou a trapaça para fazer o burguês que ama ser iludido pela moda do dia virar pó diante de gente mais esperta do que ele.
   Marcuse é o pai ideológico de várias anomalias que vem nos corroendo desde a década de 60. Foi dele o respaldo ao movimento Hippie, que tinha como seu mote durante a Guerra do Vietnã o "faça amor, não faça guerra". Também é nele que encontramos o fundamento das ideias que compreendem a teoria "Queer", a liberação sexual, a liberação das drogas e o apoio de qualquer excentricidade como uma tábua de salvação contra a "moral burguesa" ou contra a "moral cristã", de onde - dizem eles - vem todo mal do mundo moderno que substitui o princípio do prazer pelo princípio da realidade - como se ninguém no contexto do sexo livre tivesse matado por ciúme e como se a liberação sexual ou das drogas não fosse um fator de desordens e desintegração da personalidade e das relações humanas.
   Vale lembrar que Herbert Marcuse, que residia nos EUA, era aliado do Partido Comunista em plena Guerra Fria. Isso me faz lembrar da história bíblica de Balaão, o profeta que deu conselhos para que o rei Balaque enviasse prostitutas para o arraial dos israelitas para corrompe-los, já que não podia lidar com o seu poderio militar - o que quase causou a ruína dos israelitas. Por isso, para quem quer se orientar no mundo, Marcuse não passa de uma trapassa ou de um lançador de armadilhas aos inimigos.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Deus e a Ciência

 
A fundamentação da ciência moderna - como já afirmada por muita gente - tem a sua pedra angular no monoteísmo - ou o seu repouso necessário - e, em especial, em sua afirmação da onisciência divina. Afirmamos o conhecimento de tudo por parte de Deus e, consequentemente, como que em um refluxo dialético, que tudo pode ser conhecido, o que implica a existência de uma razão estrutural em todas as coisas a partir da qual, e somente a partir da qual, o conhecimento é possível.
   A fé da ciência moderna na possibilidade do conhecimento se aplica apenas a uma parcela mínima da realidade, ao aspecto fenomênico da natureza, ao que se revela a nós pelos sentidos, enquanto expulsa a realidade do espírito, entre outras realidades, do seu universo de compreensão.
   Contudo a própria razão humana não pode ser compreendida como uma derivação de arranjos químicos e muito menos se pode compreender como é que antes do desenvolvimento da ciência o homem tinha fé na sua concreção, antecipando a realidade da ciência em sua própria mente.
   Teríamos que chegar ao absurdo escandaloso para um cientista de imaginar uma pedra vidente, ou um conjunto de átomos entrando em conselho sobre o futuro da humanidade e do universo, ou um escândalo para a razão de imaginar um caos amorfo inicial tomando por acaso a forma de uma complexa estrutura de DNA sem uma razão estrutural anterior a tudo a ser obedecida - do caos não pode vir a ordem.
   Nada é ao acaso e tudo o que é possível, tanto para o homem como para a natureza, já era conhecido no próprio interior de Deus eternamente, ou ainda antes da fundação do mundo, ou em sua razão, o seu Logos e Verbo (nome que é dado pelo apóstolo João a Jesus no início do Quarto Evangelho e que em grego significa razão estrutural ou estrutura da realidade). Aqui está o verdadeiro e único fundamento de qualquer ciência que se nomeie no presente e que se pode nomear no futuro.