quarta-feira, 30 de março de 2016

O Mundo Eterno



   A fé nos permite a suspensão do mundo. A graça a celebração e a santificação nos "desmundaniza", nos permite sublimar nossos temores e paixões e todas as agitações correntes ao nosso redor, elevando-nos acima do sufoco do dia-a-dia, das tristezas desta vida a uma esfera espiritual que permite à nossa alma demorar.

   O Caminho de Jesus Cristo é esta constante vitória das forças concorrentes deste mundo que combatem contra a nossa alma. Ele as venceu unicamente se entregando à graça, aos cuidados e ao consolo do Espírito, pois sabia que sucumbir ao mundo é lhe dar uma atenção que ele não merece.

   Não é por menos que se diz que, desprezando a afronta ele sentou-se à direita de Deus,convidando-nos também a deixar as nossas ansiedades e preocupações nas Suas mãos, tomar o seu julgo e concentrar a nossa alma na graça espiritual, no Mundo Absoluto de Deus, permitindo-nos olhar para além do horizonte limitado desta vida, que pequena é frente à Eternidade que se põe, soberana e invicta, acima de todas as coisas.

Demolição Foucautiana


   Michel Foucaut - o revolucionário francês -, disse o seguinte no livro Microfísica do Poder: "É preciso se perguntar se esses atos de justiça popular podem ou não se coadunar com a forma de um tribunal. A minha hipótese é que o tribunal não é a expressão natural da justiça popular, mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, dominá-la, sufocá-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho de Estado." (FOUCAUT, Microfísica do Poder. p. 87). 

   É óbvio que são formas - e benignas - de sufocar a "justiça popular", e é impensável que as instituições não sufoquem a justiça popular, fazendo com que haja - para dar voz ao estadista inglês, crítico da revolução "popular" da França, Edmund Burke - expiação abundante, remissões e perdão. 

   Seria ingenuidade e muito desconhecimento do homem deixar a "justiça popular" nas mão de qualquer um e não em quem experimentado nessas questões, expulsando o árbitro de campo. Seria simplesmente ingênuo da nossa parte confiar na natureza humana crua não experimentada, talhada e "cozida" em uma longa reflexão sobre a tradição jurídica que possuímos para dar lugar a uma "justiça proletária". 

   Entendam: por mais más que sejam nossas instituições, é incrivelmente pior a ausência delas. Ao dar eco às vozes revolucionárias que gritam "abaixo ao sistema", "abaixo à toda a classe política" o perigo que daí surge é justamente trocar um sistema difícil por um monstro infinitamente mais destrutivo e incontrolável - e a história humana é pródiga em mostrar o quão deletério é esfumar todo o sistema que temos em nome do "bem". Quem pensa com prudência prefere os demônios que conhece àqueles que ele não conhece.

   Foucaut, como disse em um texto passado, preferiu os demônios desconhecidos. A a conclusão que retirou desta constatação acima é justamente a de que as "instituições burguesas" atrapalhavam o livre curso da justiça e deveriam ser mandas para o ar. A revolução iraniana que ele apoiava o fez, e não muito tempo depois gays - como ele - começaram a aparecer pendurados em guindastes. Ora, mandar tudo para os ares? E colocar o quê em seu lugar? Por assim dizer, melhor um Temer do que um vácuo de incerteza, pois por possuir um CPF, dentro de um Estado reconhecível, ele pode ser criminalizado e deve se fez algo errado. E quem luta para que não haja nada disso, não nos faz crer que o que não temos é melhor do que aquilo que temos? Não nos manda o sentimento natural, que ama, quer proteger e conservar o que ama, aderir à tese contrária?

   Já dizia Platão que no político a maior das virtudes era a prudência. Isso tem um aparo na razão porque não se pode destruir tudo sem saber o que disso virá, já que o desconhecido é o incontrolável, o espaço da perdição um universo de nada a quem necessita, no mínimo, de um horizonte para ver. Mas muitos, nestes atos - já que imprudentemente consideram de maneira entusiasmada a "mudança" como fim em si mesmo -, prenhes de sede de justiça, de sede infinita pelo "bem perfeito", destruindo as bases supostamente malignas nas quais apoiamos nossos pés, pensam, como solução, nos firmar na escuridão do abismo, dizendo quem nos concedem a verdadeira liberdade.

   A revolução francesa pensava em adquirir homens perfeitos mediante a abolição do "sistema" que - diziam - tornava-os imperfeitos, e quando percebeu que não os tinha, cabeças começaram a rolar. Sendo assim, é preciso que façamos, com seriedade de coração, com desejo de mudança, reconciliação e expiação abundantes a seguinte pergunta: o que da destruição das instituições políticas, jurídicas e religiosas, em nome do bem, se seguirá? 

sábado, 26 de março de 2016

Abolição da Liberdade


   Para fazer um pequeno exercício de reflexão nestes tempos sombrios, vamos lembrar de 1968, quando Michel Foucaut instruía jovens maoístas (aqueles apegados à revolução chinesa de Mao Zedong) sobre a verdadeira justiça proletária.

   Na ocasião Foucaut ensinou que para que houvesse justiça de fato, havia a necessidade de abolir as instituições jurídicas da nação para que os vícios burgueses fossem extirpados, já que na visão marxista a justiça também fazia parte da superestrutura - o "véu" cultural - que era sustentada pela infraestrutura, constituída basicamente pelas relações exploratórias de trabalho e pelos modos de produção capitalista baseados na divisão de trabalho.

   Deixar tudo para traz, fazer terra rasada do mundo, abolir as instituições, colocar em curso a marcha revolucionária cujo intuito é se desfazer de todas as estruturas de ordem do mundo, da história e de um patrimônio resultado de séculos de tradição de reflexão e raciocínio que buscou compreender o homem, e que possui as marcas dos tempos que como um espelho nos dá a entender a nossa forma, em nome da libertação escatológica do proletariado. Eis o quadro do futuro comunista, onde reina a liberdade ... na casa dos corações partidos - para fazer uma breve referência ao poeta anglo-americano T. S. Eliot.

   Existem coisas que só os intelectuais tem a capacidade de acreditar e inventar. E como diz o ditado, o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções, sendo a destruição do direito penal - e pasmem, coisa obscena que floresce entre a cabeças inventivas do direito - uma delas. Imaginem só um mundo de liberdade ilimitada, onde cada qual, ao seu modo, buscasse a sua forma de fazer justiça sem um terceiro poder para arbitrar entre as partes? Não seria isso dar curso para a justiça do mais forte? Imagine só como seria também submeter à justiça gente de poder e influência - o mais poderoso, por exemplo? Imagine um mundo onde a vontade do rei é a lei e a lei é a vontade do rei? Mas alguém pode objetar: "Há, mas serão todos iguais!" Mas quem disse isso? Quem garante algo assim? A julgar pela história - e é mais fácil conhecer o ser humano pelo que ele já foi, do que por aquilo que ele será, já que o "será" é o mesmo que nada -, a ideia de igualdade social - queira nós desejemos isso ou não - é totalmente absurda. Não existe este mundo dos joelhos onde "todo es igual, nada es mejor".

   O poder é o componente necessário da vida humana, pois poder é liberdade e capacidade de ação. Mas é óbvio que ele precisa ser contido. O homem necessita de regras e leis e isso não depende e jamais dependerá de uma estrutura econômica, mas é algo que se faz a partir do interior para o exterior do mundo - da mente para a história, por assim dizer. E qualquer um que viva a vida comunitária sabe disso - sabe que de coisas comuns é necessário que alguém consagrado que as cuide - que arbitre no mundo pelo bem de todos. Mas se é o homem a arbitrar é óbvio que ele mesmo deve ser restringido, pois não é a vontade humana só a medida de todas as coisas. É nisso que nascem as instituições, leis, ritos etc. A razão - que especula (se coloca como reflexo da verdade universal) -, sabe que o bem de todos está nas mãos de verdades de validade universal, que sejam válidas para um eu e para um tu com a mesma força, imparcialidade e isenção, e que prescindir disso é dar margem para exageros, desproporções, injustiças e arbitrariedades. Em nome de quê? De poder? De um ódio universal às coisas que aí estão para as quais não prestamos a nossa sujeição em nome da "liberdade". Mas a liberdade mata - e que seja dito! O uso da liberdade não é boa em si - e nos parece que intelectuais de todos os calibres querem que assim creiamos neste delírio. Pois sem leis o que teremos é a mão de todos contra todos - já dizia Moisés e Thomas Hobbes. As prisões e os grilhões são os filhos legítimos da autonomia. Ela não existe como um bem em si mesma, a não ser que seja incondicionada, mas aí ela é metafísica e não somos capazes para tanto, pois a nossa autonomia sofre a resistência daquele que está à minha frente, pois existir é resistir.

   Daqui surge outro importante tema que é o da tradição de pensamento. "Sacudamos os seus grilhões", já dizem os mais afoitos, ansiosos por liberdade. Mas as coisas não são tão simples, como um não de mãe não é tão simples. Já dizia a sabedoria bíblica no quarto mandamento: "honrarás pai e mãe". E não somos órfãos quando recebemos um mundo por herança. E mais: todo o dom do mundo é algo a ser conservado, assim como aperfeiçoado - jamais destruído. Por mais que façamos a grita contra as "estruturas de morte", herança do velho pecado do mundo, não é possível que vejamos o que recebemos de maneira tão macabra e sombria. Há mais motivos para conservar o mundo do que destruí-lo, e o sentimento de gratidão de quem anda por essa vida, acompanha todos aqueles que contemplam o homem e o mundo como uma criação boa. Implodir tudo em nome de um futuro sem traços passados, sem arte, língua ou estátuas é a materialização do ódio. E é impossível que sobre essa base construamos algo melhor. E estrutura da tradição é eterna, pois se rompemos com algo hoje imprimimos nas mentes dos descendentes que eles deverão romper amanhã - e uma tradição de ruptura não pode, por mera questão lógica, ser eficiente na construção do pensamento, já que qualquer construção de pensamento é trabalho para mais de trinta vidas, é é justamente isso que faz da tradição, ao invés do monstro que se prega, uma cadeia de amizades e consensos, assim como de paz. São amizades construídas para além da vida - sinal que aquilo que pensamos foi o certo a ser feito. A tradição é o único vestígio da unidade da razão e da unidade da humanidade. É o elo de comunhão mais poderoso que pode haver. Já a ruptura, sem exceção, é inimizade - seja isso para bem ou para mal -, pois constitui a diferença - diferença que pode ser considerada apenas à luz do juízo divino - é denegar o que quer que seja como inútil.

   Mas voltando para a revolução, é óbvio que quem pouco faz de mais de séculos de reflexão incorre certamente em erro. E qual não seria o empobrecimento da humanidade na abolição de todas as coisas? O depósito da cultura não é para ser desprezado, pois nele sempre há algo da essência divina. Imagine mentes sem referência para o juízo, sem a orientação do passado e sem as instituições que basicamente se constituem dos sinais impressos dos tempos, nos livros, registros e homens. Ao abolir estruturas de juízo damos certamente o livre curso à besta, cuja vontade livre só pode nos fazer afundar na morte. O direito é hostil, em sua essência, à destruição, e a ruptura do direito penal só poderia ser a quebra das barreiras daquilo que impede o avanço do pior daquilo que pode haver no mundo. Pois sem o que nos deter, nos reprimir e nos restringir, o que é que nos deterá, nos reprimirá e nos restringirá?


   Mas, trazendo mais para perto, imaginem só mais uma vez, desfeitas as instituições jurídicas, o poder de ação daqueles que, aqui no Brasil, fazem este agravo do qual se espanta o que ele vê? Por isso aqueles que pedem em excesso por liberdade nada mais vazem do que suprimi-la - e isso parece que em sua ingenuidade e paixão irracional, Foucaut não compreendeu.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Dilma e a Vontade de Pontência

   


   Não é atoa que a evolução da pedagogia em nossa história foi uma escalada decrescente de uma realidade mais ou menos translúcida para um abismo total e indiscernível - a começar por fazer de Nietzsche um pensador da civilização. 

   Mas vamos para os possíveis resultados práticos, sendo a materialização exemplar do engodo realmente esta: quando vemos Dilma Rousseff dizendo de maneira monomaníaca que o impeachment é golpe, ela passa como um rolo compressor sobre a história do país, das leis, do STF, da OAB, e das milhares de consciências que afirmam com uma evidência solar e visível aos olhos de qualquer zé-mané que o impeachment é uma instituição válida - fazendo isso com o intuito de que, livre das amarras "moralistas" das leis que grudam na plebe, ela possa respirar livremente o ar fresco na solidão das montanhas. 

   Mas o que importa, se no universo nietzscheano o que vale é, para quem nele atua, a contrapelo dos fatos, a vontade de potência que faz validar os valores, criando-os, e não se submetendo a nenhum deles? O que Dilma busca fazer, na verdade, é operar uma verdadeira transmutação de todos os valores afim de validar a sua "soberaníssima" vontade para se safar da perseguição dos fatos gerados em sua própria história .

   Sem o saber, Dilma é a encarnação da "ética" "libertadora" do maluco alemão. E nem precisa saber disso, pois somente alguém dotado de uma cabeça de jerico pode simplificar de maneira tão acachapante as leis e o nosso velho mundo.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Ideologia e Corrupção


   Russell Kirk afirmou que a ideologia era a corrupção do dogma e dos símbolos de transcendência, pois ela propunha soluções eternas para o nosso hoje. No entanto, dizia ele, ela age como que ao contrário disso, pois na sua corrida pela salvação terrena ela abole justamente os valores que protegem a nossa frágil vida:

   "A ideologia é uma religião invertida, negando a doutrina cristã de salvação pela graça, após a morte, e pondo em seu lugar a salvação coletiva, aqui na terra, por meio da revolução e da ação violenta [assim como de crimes também]. A ideologia herda o fanatismo que, algumas vezes, afetou a fé religiosa e aplica essa crença intolerante e preocupações seculares" (KIRK, Política da Prudência. p. 95) - e arrematando com Voegeling: "A ideologia é a existência em rebelião contra Deus e o homem. É a violação do primeiro e do décimo mandamentos [pois afirmam os ideólogos que podemos cobiçar coisas alheias em nome do "bem", ou mesmo ROUBÁ-LAS e DESTRUÍ-LAS para um fim "justo" e desconsiderar valores], se quisermos empregar a linguagem da ordem israelita; é a 'nosos', a doença do espírito, para empregar a linguagem de Ésquio e Platão." (VOEGELING, Ordem e História, Vol. I, p. 32).

  O que a cima vai escrito nada mais é do que aquilo que qualquer um que vá ao mercado consegue compreender, ou seja, que não é possível estabelecer algo justo quando vamos em uma prateleira e vemos um peço, e acabamos pagando outro no caixa, pois ultrapassamos a lei do compromisso – ou a Lei Natural da Razão -, que aponta limites justos nos quais é possível estabelecer uma determinada igualdade em nossas negociações com outras pessoas, impedindo a fraude, ou uma vantagem indevida, ainda que tendo feito isso em nome do “bem”.

   Por isso não é possível que possamos arbitrariamente destruir as regras de convívio, ou mesmo não é possível que subvertamos leis às quais nos encontramos sujeitos como homens e mulheres – mesmo que por um pequeno momento –, pensando que com isso podemos gerar um “bem coletivo”, porque é justamente aqui que isso pode se voltar contra nós, criando o perverso costume onde cada qual, ao seu modo, suspender uma regra comum em nome daquilo que ele supostamente ache bom.

   Não é estranho que na história promessas de redenção cujo método que pavimentava o caminho para o “paraíso terrestre” era justamente composto de ideias de libertação dos costumes, das tradições, dos formalismos, dos tribunais, da noção de bem e mal, dos códigos sociais, da moral, da religião, da “dominação opressora” dos pais e mães, da “família”, dos compromissos firmados criaram justamente uma situação ou regime político infinitamente mais opressores do que aqueles dos quais eles prometiam livrar.
   Isso não é apenas uma questão de palavras ou de raciocínio, mas de história humana, demasiadamente humana.