terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

G. K. Chesterton - A Demolição da Igreja e a Destruição de Si Mesmo

   Esse é o fato supremo e mais aterrador envolvendo a fé: que seus inimigos usarão qualquer arma contra ela, as espadas que cortam os próprios dedos e as tochas que queimam as próprias casas. Homens que começam a combater a Igreja em benefício da liberdade e da humanidade terminam jogando fora a liberdade e a humanidade só para poderem com isso combater a Igreja. Não é exagero. Eu poderia encher um livro com exemplos disso. 

   O sr. Blaschford iniciou, como um demolidor bíblico comum, querendo provar que Adão não teve culpa em seu pecado contra Deus; manobrando para defender essa ideia, ele admitiu, como mera questão secundária, que todos os tiranos, de Nero ao rei Leopoldo, não tiveram culpa em nenhum de seus pecados contra a humanidade. Conheço um homem que tem tal paixão por provar que ele não terá uma existência pessoal depois da morte que recorre à tese de que ele não tem uma existência pessoal agora. Invoca o budismo e diz que todas as almas desaparecem uma na outra. Para provar que não pode ir para o céu ele prova que não pode ir para a cidade de Hartle-pool.

   Conheci pessoas que protestavam contra a educação religiosa com argumentos contra qualquer tipo de educação, dizendo que a mente da criança deve crescer livre ou que os mais velhos não devem ensinar os jovens [!]. Conheci pessoas que demonstraram que não poderia existir nenhum julgamento divino mostrando que não pode haver nenhum julgamento humano, nem mesmo em prol de objetivos práticos. Eles queimaram o próprio trigo para atear fogo à Igreja;
destruíram as próprias ferramentas para destruí-la; qualquer pedaço de pau era bom para bater nela, mesmo que fosse o último pedaço de sua mobília desmantelada.*

* CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. Ed. Mundo Cristão. p. 229

Scruton e o Homem Nascido Livre



   A lei e a disciplina e as instituições disciplinares não são destruidoras da liberdade, mas são as únicas possibilidades da mesma. Mas hoje o culto da "sinceridade" e da "auto-expressão", que não se envergonha de colocar para fora o que há de mais animalesco no homem, não compreende o porquê que um comedimento, moderação e o deixar ser absorvido pelos códigos sociais de conduta são necessários para que um homem venha, de fato, a ser homem, como disse o filósofo cristão inglês Roger Scruton: "é necessário identificar a falácia; esclarecer exatamente porque os seres humanos não são nascidos livres. Instituições [por exemplo a Igreja], leis, limitações e disciplina moral são uma parte da liberdade e não seus inimigos, e a libertação de tais coisas acaba rapidamente com a liberdade." (SCRUTON, Roger. As Vantagens do Pessimismo. p. 44)

Capitalismo

   Pela milésima vez: o Capitalismo não é uma pessoa... É impensável compreendê-lo fora de pessoas, como se ele fosse um indivíduo autônomo. A insanidade é do indivíduo, porque ser são ou não é uma propriedade de pessoas e não de um ser abstrato chamado "Capitalismo". Como diz a Escola Austríaca, na pessoa do Misses: economia é AÇÃO HUMANA, ou seja: se em posse de uma faca que pode cortar um pão, eu em minha liberdade mato uma pessoa, a culpa não está nem na propriedade da liberdade e nem na faca, mas no indivíduo que, em sua liberdade, faz o que faz .

  O erro está no coração das pessoas. E negar isso é, nada mais e nada menos, uma transferência de culpa da realidade concreta (o homem), para um bode expiatório (o Capitalismo) que nem pode responder pelos seus atos, já que não existe como pessoa que por si mesma possa responder por algo. É devido a isso que uma sociedade de mercado saudável só é possível em meio a uma cultura saudável, fundada em valores e consideração humana permanentes.

   É somente o desonesto e hipócrita que desejando se livrar de suas culpas, como o capitalista que se valendo do seu poder ferra a vida de outras pessoas, transfere a gênese do erro do seu coração para algo que nunca ninguém conseguirá julgar direito, tal como naquela história onde um psiquiatra, que perguntando para um homem o porquê de ele ter assassinado a sua namorada, teve como resposta isso: "doutor, a faca pulou da minha mão.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A Sabedoria da Tradição


   Existe algo na tradição que enseja justiça, conhecimento e reconhecimento. O reconhecimento é basicamente a compreensão de que nem sempre são os nossos cérebros e o nosso tempo os melhores cérebros e o melhor tempo. Do contrários estaríamos por princípio a amaldiçoar o passado e, consequentemente, destruir o futuro. A humanidade é uma constante: seus medos são os mesmos, seus pecados são os mesmos e as soluções são, em ESSÊNCIA, as mesmas. Tal vez o formato, os acidentes ou as roupagens nos interior da história sejam diferentes, mas a substância é, basicamente, imutável. É preciso olhos profundos para compreender o que seja isso.

   Se, por exemplo, estudarmos obras de Platão e Aristóteles - escritas há, mais ou menos, dois mil e duzentos anos atrás -, veremos que algumas coisas propostas por esses filósofos são perenes e imutáveis - para não falar do nível de abstração que são capazes em suas obras; basta uma lida de algumas páginas do diálogo socrático Teeteto, de Platão, por exemplo, para um analfabeto funcional recém-saído de um curso superior, com diploma na mão, ter uma congestão cerebral instantânea.

   Quando falamos de tradição - o que inclui a possibilidade e o acúmulo de conhecimento -, temos aqui que nos portar com espírito de reverência, de gratidão e reconhecimento. E isso é assim porque nem a bondade e nem as respostas fundamentais para problemas que possuímos não são coisas que pertencem exclusivamente ao nosso tempo. A soberba, por outro lado, limita o conhecimento do mundo ao "eu", ao limitado campo de visão de um "eu" em particular no aqui e no agora e nas "necessidades do momento".

   Enfim, seria desastroso não desfrutarmos do acúmulo de conhecimento, possível na constituição da cultura apenas por causa dos antepassados, pois do contrário deveríamos recriar o conhecimento científico de uma simples roda a cada geração, já que se houvesse a negação de uma geração após a outra como coisa "obsoleta", o seu conhecimento e suas descobertas deveriam ser furiosamente aniquiladas para a construção de algo "novo". A tradição, por tanto, não é algo que mantém o nosso espírito nas cavernas, mas é a única possibilidade de sairmos dela. Ou seja: paradoxalmente, viver com os olhos voltados para o passado é a única forma de contemplarmos e de construirmos um futuro possível.