segunda-feira, 30 de março de 2015

Tradição, Instituições e um pouco de Winston Churchill



   A guerra, consequentemente, traz uma desorganização integral nos países situados no interior do conflito. Pior é para aquele país que perdeu a guerra, sem que se veja servido de uma tutela para reorganiza-lo de maneira que ele possa gozar, mínimo, de estruturas básicas que torne possível ordem, atividade econômica e vigência jurídica. Foi isso que Churchill reclamou com relação à Alemanha, que depois de sair derrotada da Primeira Guerra, se viu em uma situação onde toda a sua ordem social, econômica e jurídica estavam em frangalhos, o que possibilitou - contanto com uma ajuda econômica vigorosa e irresponsável dos EUA, e o desleixo do papel de vigia da Inglaterra e França sobre a política alemã - a ascensão de um dos mais perversos regimes políticos da história: o nacional-socialismo.

   No entanto, a guerra não é o único meio de desestabilizar um país, havendo também um meio de ação interna por meio do qual a desestabilização se dá de maneira certeira. Neste tipo de "implosão por dentro", entram no meio a ação política, a pseudo-educação, a destruição da ordem jurídica, dos símbolos culturais e de autoridade - que garantem uma relativa unidade da consciência de uma população - e de forças econômicas que garantem a distribuição de poder, viabilizando o estabelecimento de políticas totalitárias.

   Contudo, muito pior quando uma nação é desprovida de alta cultura e de religião, sendo estas as ferramentas que proporcionam a abertura da consciência para a noções de indivíduo e de responsabilidade pessoal - no caso da cultura e religião, livros como "Os Demônios", "Crime e Castigo" e "Irmãos Karámazov" do romancista Dostoiévski nos respondem o porquê da importância da tradição religiosa e da cultura -, assim como desprovida de instituições políticas fortes que garantam, por meio do Império das Leis, as liberdades individuais - como é evidente na tradição jurídica inglesa (como descrito no livro "Império" de Niall Ferguson) que constituiu um dos fundamentos da nação mais próspera onde se gozou mais liberdades - para o bem ou para o mal - na história: os EUA; sendo este país a junção do fator religioso, e de instituições fortes que garantem as liberdades individuais. 

   Bem, mas voltando ao assunto, continuo na afirmação de que um determinado movimento político que busca destruir a ordem jurídica e os símbolos religiosos tradicionais nem sempre vem acompanhado de boas intenções, mesmo quando montado na crista de uma suposta "justiça social" e "justiça a favor dos oprimidos", fazendo destes termos verdadeiros bois de piranha que desviam o nosso foco de algo que particularmente me é caro: a "estrutura das ideias", que à semelhança de muito do que tem sido nomeado de "direitos humanos", engana a opinião pública pela suposta bondade que tais ideias carregam em seus enunciados, mas que são essencialmente destrutivos quando postos em prática, levando a uma concentração de poder político monstruoso na mão de uns poucos, a guerras civis, perseguições etc. - e muito do movimento ecologista moderno tem esse "DNA totalitário".

   Muito disso faz parte da estratégia comunista de Lênin, como nos disse o próprio Churchill se referindo à crise que levou a Espanha à ditadura de Franco, segundo consta no livro "Memórias da Segunda Guerra Mundial".

   Segue o texto:

   "Faz parte da doutrina do manual de treinamento comunista, estabelecidos pelo próprio Lênin, que os comunistas devem ajudar todos os movimentos em direção à esquerda [aqui no Brasil se diria "movimentos sociais" (tipo ecologistas, MST, MTST, abortistas etc.), mas Churchill se refere aos movimentos político-partidários, também] e contribuir para levar ao poder fracos constitucionalistas [Lula e Dilma ...?!?!], radicais e socialistas. Em seguida, devem solapá-los e arrancar de suas mãos decadentes o poder absoluto, fundando o estado marxista." (CHURCHILL, Winston Spencer: Memórias da Segunda Guerra Mundial. p. 117).

   Entenderam esse "conduzir os movimentos à esquerda"? E o que diríamos com relação à educação, religião e as relações pessoais impregnada deste ideologismo? É justamente por isso que o marxismo-leninismo sempre ganhou território e poder em países que possuíam uma ordem jurídica e instituições medíocres - se não miseráveis -, assim como envolvidos em guerras civis, divisões internas (provocando anemia cultural), como ocorreu em países latino-americanos - semelhante àquelas doenças oportunistas que atacam o nosso organismo quando nosso sistema imunológico e a nossa saúde se encontram fracas. Assim também, é por isso que a doutrina da segregação de classes, e do acirramento das contradições entre estas - o que leva o países a divisões internas e conflitos intensos -, é algo importante tanto para anarquistas (a exemplo da doutrina de estados binacionais apoiada por Chomsky, que acabou desaguando em guerras civis onde isso foi levado a sério) como para marxistas. Mas isso torna plenamente compreensível o porquê da ausência de sucesso dos comunistas em países cuja identidade religiosa é profundamente vigorosa - a exemplo dos países islâmicos, onde o marxismo fracassou, sendo absorvido por jihadistas (como no caso do Irã, onde os xiitas ascenderam as custas dos comunistas, mas matou-os quando chegaram ao poder com Khomeini) -, e tendo pouco êxito em países que contaram e contam com instituições democráticas fortes, e uma estrutura jurídica notável, a exemplo dos países da Europa Ocidental Continental, dos EUA e da Inglaterra. 

  Mas diante destes dados, voltando os meus olhos para o Brasil e para a sua cultura altamente personalista (não fundada na legalidade) e autoritária, faço algumas perguntas: Até quando o Brasil irá aquiescer com este desprezo soberano a tudo aquilo que é bom e que deu certo, e terá um apego irracional, orgulhoso e apaixonado a tudo aquilo que deu errado no mundo, fazendo do amargo doce e do doce amargo (Is 5:20), se deixando arrastar, cada vez mais, para um obscurantismo que vê como mal a responsabilidade individual, o talento, a inteligência, o empreendimento, criando inimizades gratuitas por causa de um ideologismo partidário que cega e emburrece aqueles que a ele se aplicam, e que fortalece cada vez esse fetiche que enxerga o indivíduo apenas de acordo com a posição que ele ocupa, enfraquecendo aquilo que deveria nos fortalecer? Até quando ficaremos tristes e ressentidos com o sucesso alheio, assim como nos "solidarizando" com a miséria (o que, no caso da política - nada evangélica - da América Latina, é, literalmente, um eufemismo do se aliançar a bandidos, guerrilheiros, ditadores, traficantes de drogas e demais infratores), tendo a mesma miséria como "fonte de inspiração"? E por último, e o mais importante: até quando desprezaremos a nossa espiritualidade, prostituindo esta com ideologias políticas que fazem de tudo para subverter as nossas referências e a forma como enxergamos o mundo? 

sábado, 28 de março de 2015

O Nazismo e o Testemunho de Winston Churchill



      Winston Churchill foi primeiro ministro britânico no período da Segunda Guerra Mundial, além de ocupar um cargo de alta importância na marinha britânica no período da Primeira Guerra. Foi, segundo o seu próprio testemunho, o único homem na história a ocupar cargos de tanta importância durante a deflagração das duas maiores catástrofes que já se abateram sobre a humanidade, além de ter sido um antagonista irremediável de Hitler. 


   Com relação à política do bigodudinho invocado, Churchill, ao contrário de muitos liberais e trabalhistas que eram a favor da "paz", deplorando a política armamentista do Reino Unido, quase sozinho insistia que a política de fortalecimento da armada britânica era necessária, diante da violência que se manifestava no governo nacional-socialista. 


   Mas o mais interessante no testemunho de Churchill foi a descrição que ele deu do governo hitlerista, deixando claro que uma espécie de política fundada em um pensamento socialista, anti-liberal -, ou seja, contra a liberdade, seja de opinião ou seja de mercado -, imperava como um modus operandi do NACIONAL-SOCIALISMO (ou Nazismo). 


   Então vamos lá: 


   "Nos batalhões de trabalho, a ênfase recaía sobre a abolição das classes e na acentuação da união social do povo alemão; no exército, ela recaía sobre a disciplina e a unidade territorial da nação" (CHURCHILL, Winston Spencer. Memórias da Segunda Guerra Mundial vol I. ed. Nova Fronteira. p. 92). 


   Para complementar, mostro a citação que Leandro Narloch fez da auto-biografia de Hitler no livro "O Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo", deixando claro que Hitler confessou que haviam muitos confuso com o seu suposto anti-comunismo, sendo que o mesmo copiava as linhas essenciais do próprio comunismo. Segue o texto: "Os espíritos nacionalistas da Alemanha cochichavam a suspeita de que, no fundo, não éramos senão uma espécie de marxistas, tal vez simplesmente marxistas, ou melhor, socialistas" (HITLER, Adolf. Mein Kampf. p. 444; apud NARLOCH, Leandro. O Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo. p. 183). 


   Quando hoje eu li que em um artigo do "Pragmatismo Político", que dizia sobre a ideia de que um conservador sustenta uma admiração oculta por Hitler, o que me deu um aborrecimento profundo, porque, aliás, este blog não sabe fazer outra coisa a não ser explorar a ignorância alheia, ou fornecer bala a mal intencionados - incluindo a galera que se diz "esclarecida". Hummm! Sei. Mas voltando ao assunto, acho que estas citações devem esclarecer muito bem o real peso das coisas. 


   Como ter respeito intelectual por alguém que acha que Churchill é de esquerda porque lutou juntamente com a União Soviética de Stálin (leiam a história da Liga das Nações, por favor!), contra Hitler, e entender Hitler como um "conservador" enquanto a sua posição política era totalitária e revolucionária?      

   Até quando o pessoal vai entender o que é uma direita liberal-conservadora neste país? 


   Com essa Churchill deve ter se virado todo, mais uma vez, em seu túmulo, pois o "esclarecimento" de alguns não deixa nem os mortos dormirem. 


PS: Vejam aqui, ironicozinhos cujos argumentos fulminantes é baseado em um "kkk", o meu amor ao nazismo e como eu cito Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvallho.

segunda-feira, 23 de março de 2015

A Marcha da Preguiça

   


   Não tenho como não me tornar aborrecido. É o preço que se paga por acreditar que aquilo que se vê é, simplesmente, aquilo que se vê, sem a mediação de uma "inteligência" que busca nos corrigir desde o submundo. 

   Me prendo a esses assuntos porque acho que questões como estas a baixo são tão ligadas ao espírito humano que revelam, por sua vez, uma tendência, um "espírito do tempo", um elemento cultural que, como todo elemento cultural, não deixa de dar os seus pitacos para o espírito humano. 

   Como pastor, espírito e cultura são meus negócios. 

   Então vamos lá: 

   "O marxismo é a variante da preguiça. Se você acredita que a base material condiciona mudanças na cultura, na forma de pensar e nas relações intersubjetivas, basta fazer como os romanos do poema: 'À espera dos bárbaros', de Káfávis: sentar na calçada e esperar a banda passar. E há os que resolveram acelerar a história para que o inexorável chegasse antes: Lênin, Stálin, Mao, Pol Pot. O resultado se mede em crânios" (AZEVEDO, Reinaldo. O País dos Petralhas. p. 99).  

   Mas por que continuo martelando este prego em crânio alheio? 

   Bem, basta compreender que no nível de nossa vida pessoal, é fato que, no fundo de tudo, a responsabilidade última por nossas culpas e nossos acertos é algo inteiramente nosso e intransferível. Com isso se conclui que a base material não mede caráter ou personalidade. Se assim fosse, bastava fazer uma análise psicológica de um indivíduo com base em seu extrato bancário. Isso é um absurdo monumental. Uma preguiça. Um reacionarismo cavernoso contra pobres também, como expresso na ideia de que o extrato pobre da população é uma existência determinante de onde se origina o "revolucionário primitivo" - em outras palavras: a bandidagem. Se isso não é o tão alardeado preconceito, o que é preconceito? 

   Não tenho simpatia por teorias históricas que, acomodando os pensamentos ao fácil, já nos marcam com um triângulo amarelo porque pertencemos a tal e qual classe, raça etc, e que diz que até o nosso respirar faz parte de uma "marcha inexorável". Isso tende a pulverizar o indivíduo. Mas é claro, "prova" a tese de que "tudo o que é sólido se desmancha no ar". A partir do viés material-histórico-dialético dá para compreender o que é isso: preguiça e bandidagem! Nada mais do que isso!     

   Penso aqui comigo que tais teorias são coisas de quem não sabe amar, pois se tudo o que é sólido se desmancha no ar, o que é que vale apena, quando nos importa, conservar? Conservar a pobreza? Não! Conservar valores que nos tiram da pobreza. E é isso que o materialismo dialético nos leva a destruir. 

   Nestes campos existem pseudo-valores que consideram a pobreza como uma metafísica. Um valor em si. Como um sinal de bom caráter, ou de bandidagem - pois o pobre que rouba e mata é o "revolucionário primitivo", que antes de pedir ou buscar, decidem tacar o pau, revolucionar, "marchar". Por tabela justificam o crime cometido até por ditadores e generais que querem "modificar o sistema" - URSS, FARC, China? Justificam o roubar somas bilionárias em nome do "bem".  Eu não gosto disso. Prefiro, no nível pessoal, superar o que me for percalço! Não nasci para ser massa de manobra de filosofia alguma. Estou com aquelas filosofias que me libertam e que - como já dito por alguém que por hora não me lembro - me ensinam a morrer. 

Não gosto de preguiça.   

terça-feira, 17 de março de 2015

Erits Sicut Deus


   


   Não posso dizer que em si mesmo o poder ou a grandeza sejam coisas más, como comumente afirmam os puristas que, no desejo de ser melhores do que realmente são, buscam o distanciamento do restante dos mortais. 

   E é justamente nestes puristas que enxergo um perigo que se oculta naquele "marketing do bom", o que já traz em si mesmo a hipocrisia, ou aquela imagem falsamente honesta sustentada por chavões. 

   Vejo, hoje, nos dizeres: "amo os pobres", "amo a natureza", "detesto o dinheiro", "sou contra o capitalismo", "direito dos animais", como, na verdade, confissões do vazio, ou um passo para o golpe. 

   Enxergo coisas assim como flagrantes travas à inteligência ou à discussão - como a própria hipocrisia o é -, o que acaba por calcificar nas aparências, e não na concretude da vida, a medida exata do nosso juízo sobre as coisas. 

   Vejo aqui uma espécie de preguiça mental ou maquiavelismo que, colados a chavões, buscam infundir valores no mundo, ou esmagar pessoas. 

   Também vejo aqui "iscas morais", que, de maneira tentadora, pretendem colocar as pessoas em um grau mais elevado da existência diante do tédio da vida, enquanto elas não percebem o azol mortal oculto nesta "moral". 

   O tédio, aliás, é o vazio detestado. Mas, antes de tudo, trata-se da ante-câmara da tentação para a qual o purismo nos leva com a sua "expiação fácil", deixando um caminho aberto para a escravidão da nossa alma. 

   A dinâmica da servidão assim se explica: no vazio somos aniquilados pelo nada do qual fomos feitos. Não gostamos de admitir que temos almas impotentes, sem conteúdo, ou sem histórias virtuosas, muitas vezes. 

   É aí que somos apeados pela esmagadora sensação de que não temos o futuro nas mãos, não controlando-o como queríamos, e não sendo tão bons como esperávamos. 

   Mas também é aqui que nos tenta a Serpente: "erits sicut Deus" (sereis como Deus - Gn 3:5), e saímos atrás de atalhos para preencher o nada para o qual nascemos, caindo no engodo e no poder da anti-Natureza. 

   Vã traição contra a Natureza. 

   "Traição, traição ...", é o coro que ecoa entre os anjos nos céus. 

terça-feira, 3 de março de 2015

Niilismo e a Destruição Universal


   
   Uma das coisas com as quais tenho me debatido de maneira intensa, e que se constitui como uma linha de pensamento que vem se mostrando de maneira expressiva hoje (como foi no século XIX - onde tudo começou de maneira mais clara), é a proposta filosófica que ganhou o nome de niilismo (do latim Nihil que significa "Nada"), e que basicamente aposta na transvaloração, ou seja: na abolição dos valores e da moral tradicional em nome de algo "novo". 


   O filósofo Nietzsche se notabilizou como o seu livro "Assim Falou Zaratustra", que baseado em uma compreensão cerca do "senso histórico" (algo cujas origens remontam a Hegel) e de descobertas científicas, compreendeu que aquilo que se firmava como tradicional era já ultrapassado, e que, por isso, "Deus estava morto" porque nós e a nossa cultura O matamos. 


   A tentativa objetiva de buscar resolver a história das ideias por meio da utilização de uma "psicologia das ideias", vasculhando as "motivações subjacentes" a tudo que era relacionado à moral, religião, e "tradição", na perspectiva de Nietzsche deveria ser lido apenas à luz de uma categoria metafísica chamada "Vontade de Potência", que, no fim, seria a origem de todos os valores. Para ele nenhuma moral nasce pronta, mas é justamente fruto de uma "imposição da vontade", uma imposição dos "povos aristocráticos", sob os quais muitos fracos e perdedores, gemendo, criaram a sua moral (a moral de escravo, como ele chama), que agiria como uma gangrena nas consciências dos "mais fortes". É justamente daí, segundo Nietzsche, que surge a ideia de pecado, de religião, de Deus, de Redenção, e de Cristianismo, que, segundo ele, se constituía em uma doença, uma moral de escravos por excelência, pois estaria aí para satanizar os "espíritos livres" - e aí esta a sua tese de que o Império Romano se esfarelou diante do cristianismo

   De fato, sob algumas perspectivas a filosofia nietzscheana não deixa de conter a sua grandeza por causa de questões pertinentes que ela encerra no campo da "utilização da moral como poder de dominação de determinadas castas religiosas e políticas"Isso é fato - como atestado em diversas teorias psicológicas acerca da neurose, da histeria, assim como evidentes nos mais diversos fanatismos religiosos e políticos que, ao invés de libertarem, causaram (e causam) a "alienação de rebanho" e a destruição da vida. 

   Mas se por um lado o nietzscheanismo pode conter algo de libertador, a sua visão positivista e linear - coisa herdada de Schoppenhauer -, também não deixa de encerrar males como o obscurantismo, unilateralismo, e vários ilogismos. Isso ocorre justamente por causa do seu pessimismo antropológico radical que elimina da esfera da razão a capacidade de captar uma verdade universal - fruto da epistemologia kantiana da qual ele e grande parte dos pensadores alemães da época eram  partidários; e também da tradição luterana e reformada que, a começar por Lutero, chamou a razão de prostituta, compreendendo a legitimidade da verdade apenas pelo viés da autoridade, tal como afirmavam, já na Idade Média, os nominalistas.


   Mas o niilismo também foi um movimento político e filosófico na Rússia do Século XIX, e que apostou nesta ideia da destruição de qualquer autoridade superior, seja da monarquia, seja a autoridade paterna e de tudo aquilo que seria compreendido como "cultura", "religião", "bem ou mal", tendo em mente a libertação de todas as amarras peias que, fundada em uma determinada autoridade, manietavam os homens em uma espécie de julgo escravo.



   Salvo determinadas críticas que se fundam de maneira válida em pontos relevantes da própria cultura russa, a história nos mostra que, sob o pretexto de acabar com a opressão, o movimento niilista russo criou uma besta incomparavelmente pior do que aquilo que se propunha a combater, e isso justamente por causa da eliminação de pressupostos tradicionais que de certa maneira freavam a animalidade sob a qual o ser humano sem princípios se manifesta - e sobre isso já apontava os escritos de Tolstói, Dostoiévski e Turguêniev.  


***

   Mas introduzidos parcialmente nesta compreensão sobre o niilismo através de Nietzsche e um pouco da história russa, é impossível que de suas premissas não se siga algumas coisas um tanto quanto óbvias nesta empreita sobre a destruição dos valores. 



   Um opositor célebre o niilismo foi o romancista russo foi o já citado Dostoiévski, que contra o que ele chamou de ateísmo político, escreveu um livro - evidentemente panfletário - a este respeito chamado "Os Demônios", escrito em 1871, onde, dominado por uma espécie de intuição divinatória, fundada em um fato histórico, ataca algumas bases deste pensamento que viria mais tarde a se degenerar em um fanatismo cruel, e nos totalitarismos do século XX e XXI. 



   Vamos a uma passagem do livro citado onde ele ataca exclusivamente o que pode ser considerado uma antecipação do "Assim Falou Zaratustra", através da contraposição entre o "direito natural" - afirmado timidamente pelo personagem narrador do livro - e a transvaloração - defendida por Kiríllov.


   Segue o texto:


   "- O homem teme a morte porque ama a vida, eis o meu entendimento - observei -, e assim a natureza ordenou. [Narrador] 

   - Isso é vil e aí esta o engano! - os olhos dele brilhavam. - A vida é dor, a vida é medo, e o homem é um infeliz. Hoje tudo é dor e medo. Hoje o homem ama a vida porque ama a dor e o medo. E foi assim que fizeram. Agora a vida se apresenta como dor e medo, e nisso está todo o engano. Hoje o homem ainda não é aquele homem. Haverá um novo homem. Quem vencer a dor e o medo se tornará Deus. E outro Deus não existirá. [Kiríllov]

   - Então ao ser ver o outro Deus existe mesmo ? [Narrador]

   - Não existe, mas ele existe. Na pedra não existe dor, mas no medo da pedra existe dor. Deus é a dor do medo da morte. Quem vencer a dor e o medo se tornará Deus. Então haverá uma nova vida, então haverá um novo homem, tudo novo... Então a história será dividida e, duas partes: do gorila à destruição de Deus e da destruição de Deus ... [Kiríllov]

   - Ao gorila? [Narrador] 

   - À mudança física da terra e do homem. O homem será Deus e mudará fisicamente. O mundo mudará, e as coisas mudarão, e mudarão os pensamentos e todos os sentimentos. O que você acha, então, o homem mudará fisicamente? [Kiríllov]

   - Se for diferente viver ou não viver, todos matarão uns aos outros e eis, tal vez, em que haverá mudança. [Narrador]

   - Isso é indiferente. Matarão o engano. Aquele que desejar a liberdade essencial deve atrever-se. Aquele que atrever a matar-se terá descoberto o segredo do engano. Além disso  não há liberdade; nisso esta tudo, além disso não há nada. Aquele que atrever-se a matar-se será Deus. Hoje qualquer um pode fazê-lo porque não haverá Deus nem haverá nada. Mas ainda ninguém o fez nenhuma vez." [Kiríllov] (DOSTOIÉVSKI, Fiódor M. Os Demônios. p. 120, 121)

   É interessante lembrar de um pensamento que transformou-se em um lugar comum de reflexão na Europa do século XIX, assim como na Alemanha nazista, e que apregoava o suicídio como o maior ato de liberdade que o ser humano poderia executar. Uma coisa própria de um "espírito livre".

   Mas pensemos sobre a ideia própria de valores que fundamentam a nossa compreensão de mundo, assim como de nós mesmos e do nosso próximo. Lembremos de tudo aquilo que, para nós, possui importância; na hierarquia de valores que fundamentam - mesmo que inconscientemente - as nossas ações no mundo.

   Entre estas coisas que importam para nós esta, como disse o narrador acima, a vida.

   Um termo muito peculiar que encontramos na fala do nosso Narrador é este: "O homem teme a morte porque ama a vida [...] assim a natureza ordenou". Mas que isso quer dizer? Bem, devemos voltar os nossos olhos para uma outra obra sua - já citada neste blog duas vezes -, que é o "Crime e Castigo", onde o jovem Raskólhnikov, derrubando os interditos, ou saltando por cima das travas morais, para ir "além do homem", decide matar uma velha agiota em nome de uma moral superior - a moral dos gênios e fundadores de civilizações, como ele chama. Mas, não obstante a tudo isso, ele é atingido por aquilo que Shakespeare chama no livro "Macbeth" de "implulsos da natureza". Sim, há a alusão da palavra "natureza" - como cria a teologia cristã Ortodoxa, da qual Dostoiévski era um seguidor - no sentido de finalidade e "caminho da consciência", o que pauta o sentido de existência, assim como confere a capacidade do homem reconhecer, sobre tudo, o amor, a preservação da vida e a busca pelo melhor - ou do Supremo Bem. Devido a isto, o "salto" do super homem acabou, por causa da transgressão das regras desta "natureza", por provocar uma culpa mortal em Raskólhnikov, sendo ele esmagado por conta da reação compulsiva da natureza em sua própria consciência.

   Aqui nós esbarramos na concepção de natureza como que concebendo nesta uma determinada finalidade. Algo preordenado e predestinado. Aquilo que pauta tudo o que podemos chamar de "Direito Natural", onde, por meio de diversas reflexões, se reconheceu com esta finalidade o direito humano à vida, à liberdade, à auto-defesa, à propriedade, felicidade (no sentido do makárioi grego) etc.

   Bem, mas se agora concebermos o mundo a partir do pensamento niilista, segundo o qual não existe um fundamento objetivo para nada daquilo que foi sendo consolidado na cultura, onde estão os diretos de existência desses bens culturais? Se a cultura não é o resultado da "tradução da natureza" por via da razão, mas sim o resultado de uma suposta "imposição de narrativas", o que pode impedir a implosão da cultura? Como justificar a existência de um fundamento objetivo da vida humana e, consequentemente, evitar que a mesma não seja considerada como um lixo, um mero acaso, ou uma espécie entre espécies, retirando dela o valor que cremos ser a ela inerente através do que dita os "caminhos da consciência"? E, least but not least, o que impede que não sejamos "Raskólhnikóvs" a saltar, aqui e ali, por cima de travas morais - matando, roubando, caluniando ou destruindo -, em nome de uma "nova moral", quando desconhecemos valores objetivos que fundamentam a própria vida?

   Com estes questionamentos, podemos afirmar que o raciocínio que se embasa em um fundamento objetivo da vida, na questão da "natureza" - e espero que isso tenha ficado claro -, é o único que pode justificar objetivamente o valor da mesma vida, e, consequentemente, impulsionar a consolidação daquilo que nós chamamos de civilização. Se isso não é verdade, então pensemos bem sobre as razões que levou a cultura a ser consolidada de maneira a emitir juízos proibitivos com relação ao assassinato, a antropofagia, infanticídio, o furto etc. Nada mais estranho do que prescindirmos da ideia de que o homem tudo faz para preservar a vida como um bem último, e que tal bem último se constitui em um valor objetivo cuja destruição só pode consequentemente arrastar o homem para um estágio infra-humano de animalidade. A cultura, por assim dizer, retira o homem deste estado de animalidade; mas é impossível que ela faça isso sem premissas que, por sua vez, não esteja fundadas na própria realidade, o que, por consequência lógica, concede um poder e autoridade que impede que o homem seja destruído pela marcha irracional do caos.

   Aliás, em se tratando do caos, a essa luta contra ele que muito da cosmogonia antiga e bíblica faz referência, apelando para um fundamento metafísico, para um princípio absoluto do universo que impede que este não seja tragado ou destruído por falta daquilo que o ordene e o fundamente. É justamente deste lócus que surge toda a matriz de sentido em torno da qual a totalidade das civilizações se constituíram.

***
   
   Com tudo isso, procurei clarear essa "consciência do fundamento" para o qual muito da constituição civilizacional deve. Também é forçoso reconhecermos com isso que se apelarmos para as bases epistemológicas do niilismo, dificilmente poderemos extrair daí - seja por força de um apelo aos costumes, para as tradições para a consciência - uma razão suficiente que crie interditos, e que possibilitem a preservação da vida, evitando que o homem seja demolido por causa da sua animalidade, ou por causa da animalidade de um outro alguém. Nada disso adiantará, pois sem valores objetivos - e isso por mais bem intencionada que sejam as atitudes para que o caos draconiano não triunfe - toda a cultura ruirá. É aí que reside o fim de todas as coisas.  


OBS: Acima vai a foto que mostra o momento em que o câmera Santiago Andrade (morto) foi atingido por um morteiro disparado por um manifestante que, supostamente, lutava contra o mal representado pela mídia. Não estaria aí mais uma história de um Raskólhnikov?