segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A Destruição Nominalista; Ou: A Ruína da Inteligência e a Queda dos Universais

   A tese fundamental do conceito nominalista repousa na ideia de que a percepção dos universais e a capacidade da linguagem expressá-los são impossíveis. Desde a sua afirmação por meio da filosofia de Guilherme de Ockam, o nominalismo nada mais fez do que cindir a inteligência, ou gerar a generalização inconveniente e o especialismo terrível. Uma é percebida nas ciências naturais, e a outra no igualitarismo totalitário. Em ambos os casos a humanidade é desmanchada por ser impossível não compreendemos mais o que significa "humano". A baliza normal da inteligência, que é a percepção do real e a capacidade subjetiva de entender o racional como possível, foi tragada pelo nominalismo.

   A questão hoje é materializada na ideologia de gênero, segundo a qual todos nascem como uma tábula rasa e vão sendo construídos ao longo da existência, até culminar na cristalização de um particular absoluto impassível de generalização e identidade com algo fora dele. O que era, no princípio, uma generalidade indiscernível, ou uma pasta amorfa, agora é um destaque absoluto desta mesma massa. Mas é óbvio que isso é um raciocínio falacioso em termos lógicos, pois não existem absolutos distintos que não sejam Um e o mesmo Absoluto. Mas só se tem a percepção disso se temos em vista os Universais que são como que o laço e o princípio de identidade subjacente a todos os particulares determinados, por estarem imersos e dissolvidos no mesmo Universo, ou Deus, participando, por isso, em seu Ser.

   Mas por mais que analisemos esta questão, por hora, do ponto de vista da filosofia, é necessário compreender também que o ser humano possui uma capacidade de imaginação infinita. E se se concebe de um modo imaginativo, segundo uma montagem mental, um constructo que agrega a si de maneira criativa de todas algumas formas possíveis em uma única personalidade, se tornará evidente também que no nível jurídico, qualquer lei que abarque uma determinada personalidade assim será algo impossível dado o grau de informações específicas, já que não há duas espécies de um gênero humano, mas infinitas. Não é possível que o Estado abarque e satisfaça todas as montagens mentais, já que elas entrarão em conflito umas com as outras – e com o próprio Estado de forma irreconciliável também -, sedo alguns conflitos reconciliáveis e outros conflitos irreconciliáveis, exigindo, por assim dizer, a extinção de um ou de outra personalidade, pois, por exemplo: é impossível a absorção de uma determinada particularização de alguém que concebe e põe em prática um constructo mental de demanda a extinção do Estado e da Humanidade, pois um direito que permite isso acabará com toda a possibilidade de sociedade humana. Não é possível, por tanto, descartado o princípio da identidade, uma particularização radical sem que essa particularização não entre em conflito com todas as outras particularizações radicais - veremos, no fundo, o conflito mais radical de todos contra todos: o temível advento do caos primordial.

   Já é possível perceber a partir daqui que sem um princípio de identidade as relações entre as pessoas são impossíveis. Mas também é impossível a absorção do Todo em um único e abstrato Eu, negando a particularidade de outros eus. As pessoas são particulares determinados que, em sua determinação biológica ou histórica ainda assim guardam um princípio de identidade que as unifica - tal como se encontra em nossa gramática - como "Homens", ou a "Humanidade". E é aqui que ideologia de gênero - que é o resultado extremo da quebra da percepção do real - chega a esses dois radicais: a particularização radical ou a generalização radical. Todas essas coisas destroem a inteligência, e atacam todas as estruturas da manifestação da inteligência nas suas mais diversas frentes: no direito, na teologia, na filosofia e na ciência. Mas tudo isso é o fruto maduro da filosofia nominalista que separando o geral do específico – tal como presente na escolástica medieval contra qual ela se rebelou - acaba por destruir a estrutura da Razão que sustenta ambos e que é o fundamento inteligível do Universo como um todo.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que ao Pobre Importa; Ou: O Registro de um Estranho Esquecimento

Muito mais do que a escassez natural dos recursos no mundo, é a falta de rigidez moral o que realmente prejudica o pobre. Não é por acaso a opção - de resto inteligente - que muitos dos pobres fazem por igrejas pentecostais de estilo clássico ao invés das igrejas protestantes e evangélicas tradicionais de hoje, e também da Igreja Católica - que desde a Alta Idade Média deixou de lado a austeridade e rigidez platônicas que caracterizaram o modo ascético de vida dos Padres da Igreja e dos anacoretas ao abraçar a prudência quase permissiva apregoada pela prudência da ética aristotélica.
No Brasil isso é um fato cujas esquinas das nossas cidades não me deixa mentir - a começar pela assombrosa distância numérica que separa a membresia das igrejas protestantes e evangélicas clássicas e a I. E. Assembleia da Deus, onde não é tanto o pão físico apregoado nos nossos púlpitos, mas o rígido estilo de vida que não permite que se gaste pão atoa. É lógico, por tanto, que a fixidez moral forma como que um cordão sanitário em torno do fiel, impedindo-o de vivenciar as delícias destrutivas do nosso belo mundo, algo que somente uma moral puritana pode produzir. Mas ao contrário disso, o aburguesamento da vida, e o costume ao conforto levam ao turvamento da razão e que acaba por produzir aquele raciocínio estranho de que uma vida moral plena é, antes, o derivado de uma existência rechonchuda, abarcando indivíduos bem agasalhados, e não o fruto de uma disciplina fundada na austeridade - um raciocínio que quase descredita a máxima de que nem só de pão viverá o homem. Esquecida está a evangelização dos pobres, tal como esquecida está a máxima de que aos filhos o que importa é a presença e o ensino e não um iPad vicário.
Como diziam os antigos, é a ideia que confere forma à matéria, e que é o espírito que deve trazer em seu cabresto as paixões que, deixadas aos seus caprichos, constituem a razão da ruína e da deformidade material do homem. Mas é óbvio que um rebaixamento do rigor moral em nome de uma "existência livre" não é algo que venha muito em auxílio dos pobres - e nem dos ricos -, assim como a ética da licenciosidade sexual e da permissão dos dez casamentos em vida não protegem a vida de ninguém, sendo muito mais terrível para a vida daqueles que, não tendo à mão a abundância material, nada de mais valioso dispõem em vida do que uma existência reconciliada de um lar estável e seguro - não é outra a raiz da prosperidade dos evangélicos e protestantes. Alguns liberais parecem deliberadamente se esquecer - por motivos bem claros -, mas é justamente por isso que a militância contra a moral "fundamentalista" dos conservadores cristãos por parte dos liberais é vista com tanta desconfiança por parte dos cristãos pobres, os quais enxergam, com extrema razão, na moral de ferro dos cristãos puritanos uma tábua de salvação pessoal que paira suspensa e invencível acima da superfície de um mundo que se afoga em um mar de iniquidade autodestrutiva.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Aos "Iluminados"


   Há fundamentalismos por outros meios. Por exemplo: se os liberais pensam que por se aterem a uma crítica excessiva aos "apegos fanáticos" daqueles que não arredam seus pés calejados de alguns trejeitos tradicionalistas que esses julgam ser algo "opressor" para outros grupos, nem por isso esses liberais estão longe do tão odiento fanatismo que dizem sempre estar no outro e nunca neles mesmos. 

    A militância intransigente e chulé dos "ilustrados" que vivem metendo o nariz na vida alheia, desejando prescrever-lhes os modos "corretos", "justos" e em "conformidade com a sã doutrina do pensamento racional", afim de que estes abandonem os maus hábitos "opressores" - como só aquela estranha mistura entre um Aiatolá e um surfista ocidental descamisado pode fazer -, lenhando e buscando, noite e dia, reformar a mente do seu próximo com uma nova metafísica, é algo muito mais fundamentalista do que o jeito de ser daqueles tradicionais em que eles acusam o fanatismo.

    Afinal de contas: reformadores sempre os tereis convosco - e principalmente aqueles que tratam seus semelhantes como verdugos, tal como aqueles que, entre nós, estão totalmente convencidos da missão redentora e messiânica de trazer novas luzes em um mundo que, antes deles, estava imerso em densas trevas. - e ai daqueles que não concordarem com eles: o inferno moral é o único destino.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A Moral e o Estado do Espírito Santo.

   O caos ano Estado do Espírito Santo gerado pela greve dos policiais só traz à luz a verdade de que, na ausência da ordem e das instituições responsáveis por promovê-las (sejam os hábitos ou outras instituições), o leve verniz de civilidade se esfarela, revelando a Besta oculta nos corações corruptos - e como é terrível vê-la agindo em toda a sua deformidade moral e violência. 

   E não nos enganemos pensando que trata-se de um caso particular e que coisa semelhante não aconteceria caso o colapso da ordem ocorresse em nosso meio, pois essa é a natureza das coisas e do mundo tal como ele é: sai de cena a razão e entra em cena a barbárie. Como diz a Bíblia: é perigoso incitar o Leviatã ou o monstro marinho que anda submerso nas profundezas, mas que nunca deixou de estar lá por viver aparentemente longe das luzes da nossa serena rotina.

   Por outro lado, a interpretação de "terra arrasada" no caso do Espírito Santo é insensata. Aproveitar o evento para dizer que somos igualmente bandidos em estado latente, ou como qualquer criminoso, é nivelar os crimes perpetrados em tempos de ordem àqueles que são realizados na ausência dela. As pessoas não são iguais: existem pessoas que são melhores do que outras e mais resistentes às corrupção. 

   De quebra uma interpretação assim traz o desserviço de considerar qualquer criminoso alguém que é assim porque foram simplesmente expostas às condições sob as quais qualquer um também o seria. Aceita essa interpretação, mesmo levando em consideração a maldade latente no coração humano e aquilo que auxilia esta maldade vir à luz, só resta a conclusão de que o dever e a obrigação são simples ficções e que no coração do homem não mora a liberdade nem para o bem e nem para o mal - como seria as marionetes do ambiente e do destino. 

   Daí para a interpretação reacionária e preconceituosa da ideologia de classes não resta nenhum passo - pois, de cordo com esse pensamento, os pobres desprovidos, porque expostos às dificuldades são justificadamente maus e os ricos e bem servidos são, por isso mesmo, justificadamente bons.

   Mas expor a questão dessa forma não seria anular as duas considerações acima, mas estabelecer um paradoxo. E a resolução desse paradoxo é a seguinte: os homens sofrem influência do seu ambiente, e o desenvolvimento do caráter é auxiliado por meio dos costumes que nos circundam. Contudo o estado de coisas, ainda que sejam o modelo, a referência e o estimulante das nossas ações, eles não anulam, contudo, o nosso poder de ir além deles, pois do contrário a violação e a obediência aos costumes e às leis, para o bem ou para o mal, seriam impossíveis - algo impensável caso não fôssemos o que somos: humanos demasiado humanos.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O que nos Ensina o Reverendo Hoseph Hall? Ou: As Moscas Reunidas Sobre um Cavalo Esfolado


   Geralmente se percebe a bondade de um homem, ou um sentimento superior cultivado, naquele que, além de perceber o que há de mal no mundo, reconhece também aquilo que há de bom nele. Fruto de uma moral refinada, a capacidade de percepção tanto do bom quanto do mal sugere um entendimento com senso das proporções, o que é a base fundamental para o relacionamento entre os homens - e mesmo entre os homens e Deus. 

   Mas ao contrário disso, existe uma desconfiança fundamentada com relação àqueles que, crendo em sua própria pureza, veem no mundo apenas um lugar de trevas; do alto de sua arrogância, muitos dos que dizem lutar pela justiça, vivem, como acusadores contumazes, do apontamento de qualquer deslise alheio. É óbvio que isso sugere, além de uma deformidade moral, uma doença do espírito, pois ainda que tendo olhos abertos para a vilania do mundo, são suficiente cegos para enxergarem onde a bondade brilha nele. Muito da "luta pela justiça" em nosso presente mundo trata-se apenas de um marketing de comportamento dos que não se interessam em ser honestos, mas desejam, antes de tudo, parecerem honestos - ao contrário da mulher de Cézar -, se servindo de seus discursos parcialmente verdadeiros. E bem sabemos do prestígio angariado por aqueles que propagandeiam a própria bondade.

   Ao que parece, o reverendo anglicano Joseph Hall, que exerceu o seu episcopado no século XVII, eram sensível para as fragilidades humanas. Entendendo o mal a que o homem estava inclinado - não sendo, por tanto, um apóstolo da presunção de inocência, mas possuidores de um língua ferina, os quais o mundo sofre como sofre uma colheita diante de uma grande praga de gafanhotos - o reverendo Hall era sensível o bastante para tecer analogias instrutivas sobre a  decadência da natureza humana com base em eventos aparentemente insignificantes. Seguem suas palavras: 

"Como enxemeiam [se agrupam] essas moscas a parte esfolada do pobre animal, lá permanecendo e alimentando-se da pior porção da sua carne, sem sequer tocar nas partes sãs de sua pele. Assim age também a língua maliciosa dos detratores: se um homem tem em sua pessoa ou ações alguma enfermidade, eles certamente se reunirão ali e ali demorarão; enquanto isso, suas partes recomendáveis e seus méritos serão ignorados sem que a eles seja feita nenhuma menção, nenhuma consideração. A justificar essa disposição daninha nos homens estão um amor-próprio invejoso e uma crueldade vil; por hora, é apenas isso o que conquistam: criaturas necessariamente desprezíveis, não se alimentam de nada que não seja corrupção". 

   É instrutivo como Hall vê o "avanço à parte esfolada" por parte das moscas, desconsiderando-se a parte sã. O recorte arbitrário é o que caracteriza o detrator irreconciliável, o encrenqueiro contumaz que manda às favas qualquer vestígio de humanidade naqueles em quem vemos as manchas do erro, tal como se vê por telescópio - e só por eles - as manchas do Sol. Nada mais característico do nosso mundo de indivíduos auto-centrados do que a auto-beatificação em nome da condenação do mundo. O comportamento auto-indungente leva ao desenvolvimento de uma consciência extremamente sensível para os erros que não são os deles; e a extrema violência com relação aos erros dos outros pode até sugerir uma pureza para os mais incautos, mas trata-se certamente de um lenitivo à consciência esmagada pelos própria corrupção. Os berros histéricos em nome da justiça é característico de quem já não suporta os próprios erros, e por isso, se agarrar a um cavalo esfolado tal vez seja a última estratégia de salvação para quem deseja cobrir com um verniz de civilidade a sua tremenda cara-de-pau. 

  Que tenhamos em nosso meio mais "reverendos Hallses". 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Os Frutos Podres do Novo Egoísmo


   Alguns de nós que não perderam totalmente um sentimento de pavor diante da escalada descendente dos rumos do nosso mundo ficam chocados com a constante barbarização das relações humanas e da degradação evidente dos afetos. Mas poucos se põem a investigar as causas de tão grande barbarização que dominam as relações em nosso querido mundo. E não é meu interesse esgotar aqui o assunto, mas gostaria de refletir um pouco sobre as causas do egoísmo moderno, o que vejo plenamente estabelecido naquele pensamento progressista que afirma que o presente é o ponto mais avançado na história, sugerindo com isso que toda mudança, porque mudança, é boa em si mesma. Sendo um convite para a atomização do indivíduo, essa doutrina é, também, um convite aberto à violência.

Começando no caso das igrejas, tal vez deveríamos nos perguntar se a ideia de uma Igreja fundada em dogmas proclamados de modo infalível não seria algo que permitiria mais estabilidade e mais amizade entre gerações distintas - proporcionando o desenvolvimento de uma verdadeira "comunidade de almas" - do que uma ecclesia reformata et semprer reformanda est. Mal interpretada essa ideia é, na verdade, fora de uma tradição com valore fixos, um convite à revolução permanente no campo doutrinal e, por isso, na mente daqueles submetidos à esfera de ação deste tipo de "ecclesia". Como concordaria Aristóteles, a ideia de que se somente existisse um movimento infinito de reforma sem uma forma eterna fixa padrão a dirigi-la, o bem seria impossível. E podemos saber o porquê de tudo isso analisando um fato óbvio sobre a constituição de uma comunidade de almas, cuja unidade é metafísica. Se me entrego ávidamente à implosão dos padrões e enxergo nisso um "bem-em-si", então, para mim, toda destruição, independentemente das feridas, das divisões, das rixas e das dores será sempre algo criativo. O eu reina e o universo o serve, algo digno de uma molecagem irresponsável.

Se uma reforma é legítima ela deve, como dizia G. K. Chesterton, conservar valores eternos tal como um homem que deve pintar sempre um poste que ele deseja ver permanentemente branco. Na área da moral e das relações humanas, as mudanças abruptas de valores só servem para espalhar a confusão, discórdia e angústias generalizadas, pois os apóstolos bem intencionados da reforma radical são egoístas o bastante para impor seus padrões de pensamento de forma abrupta a uma comunidade gerada no interior de uma determinada tradição. Não negamos uma revolução metafísica, mas entre ela e o egoísmo há uma distância de pequenez infinita - e somente um homem vil ou um Deus poderá realiza-la.

A inflação do eu parte do pressuposto do "ponto mais avançado na história". É o novo egoísmo. Nesse sentido, se tudo já estivesse tão determinado assim, não seria mais necessário aprender, mas somente viver. E é aqui que temos a raiz do desentendimento conflituoso entre pais e filhos, já que sua origem se dá na deturpação e no desencontro de interesses. Esse é o triste fruto da emancipação juvenil que, se crendo na possa plena das luzes, mandam às favas todos os conselhos de experiência afim de obedecerem à voz dos seus próprios corações. Mas como o mundo é apinhado de corações que pensam de forma distinta, não precisamos ser demasiado imaginativos para ver o que seria de um mundo onde cada coração se pusesse a ser o seu próprio órgão legislativo. Temos aqui um universo degradado, fragmentado e egoísta tal como sugerido pela física de Epicuro, onde cada átomo, sem maiores compromissos, persegue apenas o seu clinâmen.

Não por outro motivo, cada indivíduo autocentrado tende a ser egoísta, e não é estranho percebe o porquê da maneira violenta a massa dos jovens modernos desejam se sobrepor a todo custo os seus desejos e o seu "modo de ser" sobre o mundo. A questão passa por uma falsa percepção de emancipação e luta por uma liberdade da qual, sem perceber, eles estão fartos. Mas essa é uma consciência falsa de liberdade porque embasada em um nada de referências. Na longa desqualificação por parte da intelligentsia progressista moderna dos pais e dos mais velhos como intrinsecamente portadores de um pensamento retrógrado, exilando-os para as terras da insignificância, os jovens perderam o pré-requisito fundamental para a liberdade que é a experiência acumulada, já que é somente daí que podemos evocar comparações e, por isso, atingir o verdadeiro conhecimento do que é liberdade. Ao sugerir de maneira implícita que o reino da ignorância é o mais livre os intelectuais formados no seio de uma vasta tradição suprimiram os referenciais nos quais foram formados e aquilo que Edmund Burke chamava de "O Guarda Roupa da Imaginação Moral".

Por fim, o que resulta disso é óbvio: provincianismo de pensamento, a intolerância, egoísmo, a insegurança típica do auto-centrado cuja referência são seus sentimentos imediatos, a irritação constante, o poder de reflexão prolongada debilitado, incapacidade de abstração, o repertório de ação severamente tolhido e a redução da comunidade de interesses. A elevação dos modos do gueto ao nível de cultura é o resultado da provincianização e caipirização do mundo. Toda cultura complexa, possível pela cooperação entre inúmeras gerações foi tachada como elitista, repressora, exclusivista, racista, sem os intelectuais perceberem - ou percebendo até demais, segundo a estratégia leninista de "dividir para dominar" - que a única forma possível de formação da cultura, assim como dos padrões linguísticos é justamente esse - e os padrões linguísticos longe de serem uma artimanha repressora é a ferramenta mais eficaz para a transmissão do conhecimento e do depósito acumulado da alta cultura. Mas o contrário disso, os intelectuais louvam os pseudo-hieroglifos das pichações como manifestações dos modos comuns de comunicação entre as tribos bárbaras do asfalto. É o fim do mundo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Intimidade Vulgar; Ou: A Privacidade e a Valorização dos Afetos

   A vulgarização parece ser o modo atual de ação daqueles (e daquelas) que, no fundo, buscam suprir por meio da auto-exposição as suas carências. Isso vem a calhar com a insegurança disseminada em nosso mundo. A privacidade e o segredo perderam o seu encanto original que a firmava a noção de que o íntimo era um meio de reservar aquilo que se possuía de precioso a quem fosse realmente digno da mais alta confiança.

   É nesse sentido que podemos compreender a impaciência dominando os corações, algo impossível de não perceber quando vemos a quantidade de meninas, mulheres, senhoras (!) e mesmo homens pondo a mostra seus próprios corpos - como se houvesse como uma realidade psicológica de fundo um medo de perder o valor no campo dos afetos para aqueles que fazem também da exibição uma forma de adquirir olhares e admiração.

   A vulgaridade é um monstro que se auto-alimenta.

   Não é atoa que a fidelidade - que anda de mãos dadas com a intimidade privada - ande tão fora de moda frente à dissolução dos afetos. Isso gera insegurança e um apelo mais forte ao vulgar como um meio de obter afetos. E temos aqui diante dos olhos uma realidade paradoxal: quanto mais se busca afeto mais as pessoas se distanciam dele. E para sintetizarmos isso trago como analogia uma máxima da economia, que é: a tendência de tudo aquilo que está em abundante oferta é a desvalorização.

   Por tanto, para o nosso bem, cuidemos da nossa própria intimidade e tenhamos fé que a busca pela pureza é, no fundo, a única parede de proteção que realmente protege e fomenta o verdadeiro amor.