sexta-feira, 30 de outubro de 2015

C. S. Lewis e o Terror da Bondade



   "Não podemos viver sem a bondade, mas também não podemos conviver com ela. Deus é o único consolo, ao mesmo tempo em que é o terror supremo: é de quem mais precisamos e de quem mais queremos nos esconder. Ele é o nosso único aliado possível, e nós nos fizemos seus inimigos. Há pessoas que falam de Deus como se o olhar fixo dele fosse divertido. Eles precisam repensar seu comportamento, pois isso é sinal de que não estão fazendo nada mais do que brincar de religião. Dependendo da nossa atitude a bondade pode significar um incrível segurança ou então, um grande perigo." (LEWIS, C. S. Um Ano com C. S. Lewis: Leituras Diárias de Suas Obras Clássicas. p. 15) 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Sociedade e Religião



      A separação entre sociedade e religião é algo tão impossível quanto a separação, na teologia cristã, entre a humanidade e a divindade de Jesus Cristo. A própria negação da sociedade de seus fundamentos religiosos por meio daquilo que Russell Kirk chamou de “desagregação normativa” é um empreendimento semelhante ao suicídio, pois, a longo prazo, tal sociedade tende a se transformar em um peso insuportável a si mesma, já que neste processo de “desagregação” ela corrói as bases na qual sustentava e justificava os seus princípios, hábitos, etc. Com isso ela acaba desfazendo as saudáveis fronteiras entre o bem e o mal, implodindo o saudável preconceito (no sentido da filosofia britânica) dos hábitos e ritos que orientam a sociedade de forma a fazer com que ela partilhe de princípios comuns – coisa básica para o estabelecimento de todas as relações, associações e negociações.

   O empreendimento racionalista moderno, que tende a incentivar a implosão dos hábitos, é algo que, na verdade, visa a suspensão de valores tradicionalmente cultuados e cultivados. O problema aqui reside no caráter fundamentalmente egoísta desta empreita, uma espécie de parricídio que na tentativa de eliminar de sobre nós a autoridade dos costumes, coloca cada indivíduo como o centro do seu próprio universo. Não é mera coincidência que da suspensão bruta e preconceituosa dos valores ( como se a suspensão dos valores longamente cultuados fosse algo bom em si mesmo) siga desentendimentos e a desagregação sem fim das relações. O constante empreendimento “crítico”, aqui, tende a se tornar, acriticamente, um modus bom em si mesmo que para se tornar honesto deveria colocar a si mesmo sobre suspeição.

    A dificuldade reside principalmente em não compreender um segundo aspecto: as sociedade humana não possui estômago suficiente para a suspensão abrupta dos valores e da tradição, pois não possui tempo como os intelectuais para refletir sobre o fundamento dos valores, pois se levada de modificação em modificação, a sociedade, as instituições, tendem a ser destruídas, fazendo a sociedade afundar em um mar de relativismo que, para além das fronteiras da individualidade, tende a atacar todos, estabelecendo o caos e a corrupção normativa pela falta de referências com peso de autoridade.

   Olhando por este lado, podemos voltar as nossas vistas – mesmo que de maneira breve – para as fundações da própria sociedade ocidental da qual fazemos parte, observando, por exemplo, como é que valores religiosos que foram cultivados ao longo dos séculos e milênios, não caíram, de uma ora para outra, da arvore do empreendimento racionalista. Olhemos para o casamento monogâmico. O casamento monogâmico não é racionalmente justificado, as pulsões sexuais não são compatíveis com a exigência de fidelidade conjugal. Mas olhando no espectro histórico podemos considerá-lo como uma disciplina da sexualidade e uma tentativa de separação entre eros (o amor sexual) e ágape (amor espiritual), de maneira a fazer isso refletir na sociedade inteira. Por tanto no casamento monogâmico existe uma razão que, na verdade, foi defendida pela Igreja Latina (Igreja Católica), infundindo um hábito de disciplina através de uma compreensão religiosa do mundo.

   Olhando assim o racionalismo, prescindindo de qualquer autoridade normativa que não ao indivíduo isolado no mundo, podemos ver o quão ineficiente ele poderia ser no estabelecimento de regras sociais gerais, fazendo de cada ser humano a sua própria estrela. A noção de autoridade tem uma função deveras importante no estabelecimento do convívio social, já que existe uma necessidade fundamental da existência de determinada autoridade vinda de regras, dos hábitos e costumes. No entanto falar apenas em um simulacro de autoridade fundada epenas em regras de convívio social é muito pouco para estabelecer, de fato, uma autoridade, uma autoridade que esteja acima da sociedade humana e que transcenda o período de uma geração onde reine um consenso. É necessário mais.

    A religião tende a colocar o ser humano em um confronto com o seu destino eterno, com algo que faça valer o conceito de verdade como algo, de fato, eterno e fixo. Tal sentido religioso é normativo para a vida humana, descendo dos níveis mais gerais e universais até os mais pessoais e particulares. O cristianismo católico foi aquele que conseguiu trazer unificação cultual a um continente não por mero acidade, mas porque fundado em um princípio de autoridade – do qual se vale de modo permanente muito mais do que o protestantismo, e ainda que consideremos o abuso de autoridade, tal abuso não pode ser visto a não ser como como algo acidental, não ferindo a essência própria da autoridade na religião católica -, se valendo da sucessão dos bispos cujo fundamento da autoridade é, na teologia, o próprio Jesus Cristo.

   Pois bem, neste sentido podemos ver que na fé católica existe uma determinada fundação de sua autoridade na própria autoridade divina, cujo exercício ficou relegado a poucos. Isso não quer dizer que tal autoridade fique restrita ao arbítrio dos bispos do momento, já que o exercício de autoridade só pode funcionar na comunhão com os bispos de todos os momentos, e comunhão com as resoluções conciliares, com os pontos doutrinais estabelecidos e com os Dogmas – que para a fé católica são imutáveis. Nesse sentido existe uma delimitação da autoridade, inviabilizando a ideia de liberdade e autoridade arbitrárias, quando no estabelecimento e na justificação da própria autoridade dentro da Igreja, seja esta a autoridade dos padres, bispos ou do Papa. É por isso que a tradição é tão valorizada na fé católica, o que não se dá, tragicamente, na esfera do cristianismo protestante.

   A fé cristã protestante valoriza muito a investigação pessoal da Bíblia (a Bíblia que foi reconhecida no concílio dos Bispos, e não de maneira aistórica, como que parida do nada), e a iluminação subjetiva do Espírito Santo, desconfiando da iluminação objetiva em um corpo autorizado de intérpretes, legando o dever da interpretação a todos os cristãos e não a um corpo oficial e divinamente autorizado. Essa liberdade interpretativa, ao longo da história, gerou uma quantidade inimaginável de interpretações um tanto quanto díspares. Mas para tentar corrigir ao degringolamento da unidade de pensamento da fé protestante, logo no início do movimento Lutero tentou recorrer a catecismos e aos dogmas tradicionais de fé, tal como encontrou a sua forma nas resoluções dos Concílios da Igreja. Por tanto ele recorreu a alguns elementos de autoridade tradicionalmente estabelecidos para dar corpo, forma e justificação à sua interpretação da fé. A própria Bíblia é um corpo de autoridade cuja validade para o cristão é normativa, ainda que não seja dado a cada cristão a possibilidade de verificar por si mesmos a validade racional dos Escritos. Sendo assim a cultura cristã se vale de vários elementos e preconceitos (no sentido da filosofia britânica) ou de aceitação acrítica de tradições e autoridades que só posteriormente, ao longo da história, vão mostrando a sua validação ou não. Por isso a própria impossibilidade de verificar a totalidade da fé por meio de uma investigação pessoal é algo que soa, ao menos, impossível como dogma de fé, pois muito próxima das exigências de um racionalismo que é impraticável por toda a sociedade humana ou de fé.

   Mas a fé protestante, ao menos, mesmo que inconscientemente, deve se valer de determinados elementos de autoridade sobre o grupo de fiéis para que uma unidade seja possível, e é justamente isso que faz da Igreja Anglicana e Luterana, por exemplo, instituições mais humanas e sociais do que um movimento Quaker, pois os dogmas, orientações e catecismos das primeiras unificam infinitamente mais do que as terríveis consequências da doutrina da iluminação subjetiva e adogmática da segunda – ainda que isso seja um pouco melhor do que o niilismo puro pois pressupõe a divindade. A doutrina é uma expressão de um sentimento de necessidade de ordem, continuidade e limitação da liberdade humana, e sem estes três a vida humana não é algo possível.

    Já dizia G. K. Chesterton que no início de toda a civilização existe um poço sagrado, um lugar de culto onde a santidade e significado transcendente, por si mesmos – algo como ex opere operato (que tem eficiência por si mesmo) -, tendem a organizar a vida a vida e estabelecer regras sociais, e, por fim, uma civilização. E isto opera para muito além das fronteiras do racionalismo niilista, e, por tanto, mais digno do que ele. Tal poço sagrado tende a simbolizar e manifestar o sacramento da eternidade na vida humana, fazendo o homem reconhecer os limites e efemeridade de vida, abrindo as vias do reconhecimento de algo superior que nos transcende e que nos fundamenta. A angústia diante da morte dá sinais da imortalidade da alma e do sentido eterno da vida, frente ao qual ganha-se um real sentido e significado em meio à confusão reinante. E tal impacto que coisas sagradas exercem em nossas vidas – como o amor, a sede pela verdade e por santidade – só nos mostram qual é o verdadeiro significado de tudo e, também, o sentido da existência da própria humanidade e a sua RAZÃO de ser.

    O que temos assistido hoje é a tentativa sistemática de afastar o ser humano do seu sentido eterno, fazendo com que as instâncias últimas da vida sejam nivelada às decisões do Três Poderes da República. Quando cortado da transcendência, o tendemos a colocar a nossa confiança fundamental, por exemplo, na política, sendo esta reconhecida como a última instância da verdade e o seu juiz absoluto, o que resulta em um servilismo humilhante, invertendo a ordem da realidade, sendo o Governo sobre nós senhor e não Servo. Todas as instâncias culturais da sociedade que lidam com os valores tem a sua origem fundamental na religião, nos costumes, nos hábitos. Assim também todas as bases de fundamentação moral – mesmo a fundamentação metafísica – tem a sua base na religião. O cristianismo, e mesmo a Bíblia (como vemos em I e II Samuel), mostrou que o sacerdote antecede o rei, ou seja: o significado eterno antecede a política, fundamentando ela e, com isso, a própria sociedade.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

A Bíblia e o Mundo


   A dificuldade do pastor é que ele ficou condenado a raciocinar em chaves. Se ele não cita versículos, ou ali não coloca o nome de Jesus, é porque ele não está em conformidade com a Bíblia, portanto não fala o que interessa. Existe quem não conheça uma verdade, tampouco o que é uma Bíblia e muito menos o que é uma fé, assim como a vastidão do significado do próprio cristianismo no campo mais concreto da vida. Pensando assim, muitos mataram o sentido do dito de Paulo: "analisem tudo e retenham o que é bom" (I Tessalonicenses 5:21), assim como enterraram o sentido da frase indignada de Jesus: "porque vocês não julgam por si mesmos o que é justo?" (Lucas 12:57). 

    Analisar de tudo e reter aquilo que é bom e julgar por si mesmo aquilo que é justo é, também, ir para além das limitações das letras e seguir para dentro do universo do espírito das letras, do significado profundo, enxergando as luzes que este mesmo espírito e significado lançam no mundo, clarificando aquilo que no mundo é obscuro. Trata-se, por tanto, de enxergar o mundo de onde a própria palavra se origina, pois, na hierarquia dos acontecimentos, antes da palavra escrita vem a realidade concreta, assim como antes do texto bíblico vem a revelação e a ação de Deus na História. 

   A Bíblia não é um centro criador por si mesma, mas vem a ser este centro criador e esta fonte espiritual porque ela se refere e se fundamenta em uma determinada verdade, a uma verdade que, em sua complexidade, é anterior a ela, já que ela é um registro, e como registro cumpre também uma determinada função de testemunho (Jo 20:31) - que contém o que é necessário saber -, além daquelas orientações que buscam nos conduzir a Deus - condução que é levada a cabo apenas no orientação e clarificação do Espírito (Jo 14:26).

   Sendo assim, a existência física de uma Bíblia só é possível, segundo o pensamento cristão, por causa de um movimento eterno e de um significado eterno, de uma inspiração vinda do próprio Deus. Por tanto, seria estranho pensar que o interesse da própria Bíblia seria ficar girando em torno de si mesma, como se as palavras da Bíblia fossem as únicas a expressarem a verdade (e não é mesmo) - a pregação atestada pelo Espírito já nos mostra isto -, já que por outros meios podemos alcançar, ou ser alcançados pelo mesmo significado ou a mesma Razão contida na Bíblia (como em um aconselhamento pastoral), visto que a razão de sua existência é Iluminar a vida concreta e todos os momentos concretos de todo o homem - uma Iluminação que pode ser transformada em inúmeras palavras, em inúmeros livros e em inúmeras artes. É nisso que a Bíblia da provas de ser a Palavra de Deus.

sábado, 24 de outubro de 2015

A Linguagem Hermética


   Sobre a tarefa hermética se compreende basicamente um empreendimento que busca criptografar o máximo possível uma ideia, um segredo básico e fundamental, e que, por sua vez, é revelado apenas a alguns iniciados. Tudo feito com base na justificativa de garantir a proteção de um bem maior.

   Um exemplo clássico de um empreendimento com características herméticas pode ser visto na opção de Jesus pelas exposições parabólicas de suas doutrinas, o que tornava impossível a compreensão do seu discurso por pessoas que estavam em círculos afastados. Nestas parábolas Jesus utilizava o patrimônio simbólico e espiritual de Israel e elementos cotidianos afim de levar o ouvinte a contemplar uma razão de fundo, o que era basicamente a essência de seus ensinos. No entanto, uma comunicação mais direta, destituída de parábolas, era apenas utilizada no círculo mais restrito dos discípulos.

   Outro exemplo básico de um empreendimento hermético está no livro do Apocalipse, onde uma espetacular utilização de elementos simbólicos busca descrever o momento e fornecer, ao mesmo tempo, uma esperança imensurável para os cristãos de todos os tempos. A linguagem apocalíptica era acessível apenas ao grupo cristão iniciado nos ensinos de Jesus, possuindo, também, uma radical teoria crítica do presente que um cristão não poderia pregar aos quatro ventos, sem que lhe viesse a pena de retaliação direta de qualquer oficial romano que reconhecesse o "perigo cristão". A utilização da linguagem hermética, neste sentido, visava a proteção de dos cristãos, evitando o acesso da mensagem por qualquer um que estivesse fora da comunidade cristã, afastando um mal entendido que poderia, antes, gerar um efeito inverso à edificação espiritual daquele a quem a mensagem era direcionada - daí o princípio básico e espiritual do cristianismo impresso em sua literatura: não dar pérolas aos porcos.

   No entanto, uma outra face do princípio hermético - demoníaca em sua essência - está basicamente em propagar idéias que, antes de edificar, promovem uma verdadeira demolição psicológica, uma idiotização e vampirização da liberdade por meio de pressões e abusos de poder por parte de alguns charlatães autodenominados "mestres", cujas inspirações possuem a suas origens no mais profundo dos infernos.

   A covardia patente nesta espécie de empreendimento está, basicamente, em ela ser utilizada em uma massa psicologicamente fraca, intelectualmente incapaz de reagir à altura de um massacre retórico que, antes de provocar a edificação, acaba por forçar o colapso cognitivo daqueles que são alvos deste discurso, forçando a uma desconstrução que, se possível fosse, retiraria a certeza daqueles que ouvem que, de fato, são seres humanos, possuem dignidade, vida e consciências autônomas. Esta espécie de vampirização não é levada a cabo com base em argumentos lógicos, mas com base na "vontade de potência", que impressiona os ouvintes e os ganha não pela persuasão, mas pelo medo de, em negando a moral da "lição", serem estigmatizados como seres amputados da atividade do pensar. Não raro, um que, dentro do grupo, reconhecendo o ardil se levante contra tamanha tirania psicológica, é tratado com desprezo pelo "mestre" e também por seus companheiros de classe que, junto a ele, acompanham o discurso.

   Nisto podemos ver o sucesso da tirania psicológica que curva todos - como um verdadeiro rebanho - à uma traição das convicções pessoais, da sua fé, aceitando discursos como: relativização da fé; autoridade ilimitada de seus líderes, condescendência com relação ao adultério, pedofilia, a mentira como forma de proteger a verdade, aceitação do sexo antes do casamento, políticas dos mais diversos matizes, aceitação de múltiplas contradições em uma mesma linha de pensamento, a propagação da ideia de que correligionários que não possuem a mesma espécie de compreensão da realidade - ou melhor: corrupção da realidade - são, na verdade, uma casta inferior, retrógrados, reacionários, fundamentalistas - como se eles fossem os portadores do significado fundamental da fé evangélica e os salvadores da racionalidade cristã.

   O apela não é tanto para convencer a uma aderência a determinados paradigmas conceituais com o fim de responder de maneira mais coerente ao "espírito do tempo", mas simplesmente forçar a trair a sua consciência, deixando-se guiar por aqueles que, melhor do que nunca, agora se encontra em plenas luzes justamente nas suas cabeças limitadas, implantando o terror na mente dos ouvintes, fazendo-os aceitar contradições indescritíveis, reduzindo a consciência a uma faculdade biônica.

   Claro, discursos assim, as vezes, nunca são plenamente escancarados, pois muitas são as elucidações subliminares, indiretas e predicadas em um discurso que, ao longo do desenvolvimento, resultará fatalmente em um rebaixamento da moral e aceitação acrítica, injustificável, de um autoritarismo cego que leva o indivíduo à mais alta contradição, gerando o colapso psicológico.

   No fim da aula, afim de levar a cabo a implosão da consciência individual, eles sempre dizem: "não fale isto para ninguém". Eis aí um claro exemplo da outra espécie de um diabólico empreendimento hermético. 

Virtudes Enlouquecidas


   Existem aqueles, como os liberais - ou os capitalistas libertários -, que acham a liberdade absoluta um bem humano. Mas como toda a liberdade absoluta, ela tende a degenerar, desembocando na escravidão e na tirania operada pelo mais forte em detrimento dos mais fracos: se tudo é possível, o mais forte sempre vence.

   Por outro lado existem os socialistas, que desejando a igualdade absoluta - prometendo liberdade -, caminham por uma via contrária à natureza. Pois algo que os nossos olhos e a nossa experiência não negam é o fato de que no nível da vida ninguém é igual, o que faz da sociedade humana uma complexa teia harmoniosa constituída pela pluralidade de habilidades, virtudes e êxitos.

   A tolerância cultuada pelos pacifistas, que é uma virtude que tem o seu lugar próprio dentro das relações humanas, não pode ser aplicada indefinidamente, pois a tolerância absoluta, em decorrência da existência do mal no mundo, abre espaço para o seu contrário: a intolerância, o abuso e violência absolutas.

   A liberalidade no dar, que é uma bênção em meio a uma sociedade egoísta, assim como é o alento dos pobres e necessitados, quando divorciada da disciplina, tende a criar parasitas, cuja dependência torna-se um vício moral, contraditando o propósito central da liberalidade que é ajudar o necessitado a caminhar, e não fazer dele um ser eternamente estacionário.

   As quatro virtudes a cima não podem ser aplicadas isoladamente como se fossem fins em si mesmas, já que a vida humana bem-aventurada, como ensina os cristãos que ousam colocar a mansidão ao lado da sede infinita de justiça como bens a buscar, não é constituída da aplicação de princípios isolados, mas se parece mais com a arte, que se vale de elementos de vários matizes e origens afim de produzir um único bem.

   Como nos ensina Chesterton:

   "O mundo moderno esta cheio das velhas virtudes cristãs enlouquecidas. As virtudes enlouqueceram porque foram isoladas umas das outras e estão circulando sozinhas." (CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. p. 52)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O Paradoxo; Ou: A Contradição Aparente

   

   Quando no sermão da montanha (Mateus 5-7) Jesus disse que "bem-aventurado são os mansos", logo depois afirmou, também, que "bem-aventurado são os que tem fome e sede de justiça", dando um ar um tanto paradoxal (algo que soa contraditório, mas não é) à sua doutrina, cuja resolução encontrava-se apenas na compreensão daquilo que fundava a sua personalidade e história.

   Aquele que defendeu a prostituta diante da avassaladora hipocrisia dos fariseus também foi aquele que chamou Pedro, o pastor dos apóstolos, de Satanás. Aquele que queria a proximidade dos pequeninos foi o mesmo que chamou o Tetrarca de raposa. Aquele que silenciou diante dos seus escarnecedores foi o mesmo que prometeu o inferno aos seus detratores. Estranho? Nem tanto.

   A verdade é simples, mas os homens não estão dispostos a se apegarem a simplicidade, pois quando ela se lança na história revoluções, queda de estrelas, guerras entre nações, aparições de bestas se dão por causa do seu advento. Um rei humilde montado em um jumentinho é capaz de por o universo inteiro de ponta-cabeça, já que a simplicidade foi tornada um segredo indiscernível; mas teorias contraditórias que lançam a consciência no mar do nada, hoje, são concebidas como antídotos redentores. Já não se conhece o que seja redenção. 

   É interessante notar este fato um tanto curioso, pois o máximo do esforço filosófico e científico dos últimos 300 anos tem como meta permanente convencer o homem da inexistência da verdade, prometendo com isto a paz e o fim das guerras, revoluções, morticínios, da opressão etc. Com a verdade se dá o contrário: basta alguém ver aquilo que se encontra diante dos olhos de maneira irrefutável, uma legião de demônios encarnados se precipitam ao mínimo sinal de certeza no mundo. Daí para diante, qualquer um que sustentar uma certeza poderá sentir tremer sob seus pés os pilares do mundo.

   Essa, para mim, é a razão pela qual o paradoxo nos ensinos Jesus se estabelece diante dos nossos olhos; e isso ocorre justamente porque aprendemos - de maneira errada - a não atravessar o véu da carne, entrando nas razões da alma. Por isso tomamos as formas exteriores, isoladas de suas histórias, ou o devir, as mutações e transformações como coisas em si mesmas. Divinizamos a aparência do mundo, mas não participamos das razões de sua alma e de seu real fundamento divino.

   Concebemos o amor como afeto, não entendendo que o amor se estica até ao infinito para dois lados distintos: o da indignação suprema e o da sentimentalidade constrangedora. E nós que enxergamos apenas as aparências temporais, compreendemos que tais ações são distintas, por estarem, no tempo, indo para direções opostas, mal percebendo que se elas se estendem até ao infinito, elas estão, na verdade, seguindo para um direção apenas: a eternidade.

   Por tanto, é difícil para a maioria compreender que aquele que prometeu derrubar o Sol, trazer juízo eterno para os homens e para os anjos seja o mesmo que chorava diante de coisas que lhe importavam. A simplicidade, honra, a lealdade e fidelidade são, deveras, emocionante. A mutabilidade constante das coisas é que coloca o mundo em um tédio terrível. A infidelidade é o mais do mesmo. Mas honra e verdade é terrível, abominável em meio a um Mundo arrebatadoramente medíocre, descrente na verdade porque autocentrado em seus vícios.

   Carecemos de uma alma grande; ao mesmo tempo temos medo dela (sinal paradoxal da manifestação da verdade): o conhecimento de algo elevado lança uma luz terrível sobre aquilo que há de pior em todos nós. Por isso, paradoxalmente: Cruz ao Bem do Mundo! 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A Filosofia, a Arte, a Religião e a Essência



   A Filosofia não é criação, mas apreensão, em nossos limites, da própria RAZÃO - ou melhor: a Filosofia está em ser apropriado e eleito pela própria RAZÃO. Também a arte não é criação absoluta se não a habilidade de manejo das possibilidades estabelecidas da natureza, ou a tradução da RAZÃO para uma realidade finita, onde aí mesmo se faz visível o infinito - assim como vemos na revelação de Cristo que nada mais é do que a encarnação do Verbo, ou seja, a união entre o infinito (o divino) com o finito (a natureza carnal humana), o que desemboca no Absoluto.

   Assim também a poesia e a arte são constitutivos da própria natureza, assim como o é a música. Desta forma o universo, o cosmos, os planetas e estrelas são poéticos em si mesmos. Possuem uma Harmonia que é a Ideia original da própria arte, da religião e da Filosofia. Trata-se de algo vivo, sendo ao homem dada a feliz faculdade da tradução desta realidade ou desta RAZÃO das coisas, e mesmo a apreensão das próprias possibilidades desta Grande Realidade, de maneira que a arte é uma forma, também, de busca pela união entre o finito e o infinito. O artista ou mesmo o poeta são sacerdotes, são pessoas que mediam o Absoluto, que transfiguram a natureza através das suas próprias possibilidades - incluindo as possibilidades do artista, do religioso e do filósofo -, que unem as coisas às suas essências e que aproximam o mundo de sua própria Verdade - da qual se encontra alienada pelo afastamento e pela negação de sua Essência -, apontando para aquele princípio de identidade que as coisas possuem com o Eterno. Nesse sentido, Schelling afirma:

   "A filosofia também é poesia, mas não tão inconvenientemente a ponto de ressoar a partir de um único sujeito [o filósofo isolado do Mundo ou do Universo]. Ao contrário, ela é uma poesia interior, implantada no objeto, tal como a música das esferas celestes. Pois, originariamente, é a coisa que é poética, só depois o é a Palavra." (SCHELLING, F. W. J. von. Aforismos à Introdução à Filosofia da Natureza & Aforismos Sobre a Filosofia da Natureza. p. 47,48)

   Assim se estabelece os meios que constroem os caminhos para a obtenção do sentido do próprio homem e da revelação daquela Essência Universal sem a qual o próprio homem nada é, e fora da qual ele não pode ser. No entanto o homem, hoje tão alienado e afastado de sua própria essência, tende a ignorar esta grande dádiva de Deus, que em todos os momentos dá testemunho de Si mesmo - que é a Verdade - através de todas as coisas e em todas as coisas, e que, não obstante, se estabelece como o único meio para a salvação do próprio homem. Assim o homem continua a se afastar, ao abusar da sua liberdade neste constante afastamento, negando o grande dom da Vida e a sua Essência mesma.

OBS: Na foto F. W. J. von Schelling

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Da Imitação de Cristo

   


   Hoje em dia temos um Evangelho boicotado por boas intenções. No entanto não existem boas intenções que se concretizem necessariamente em boas ações. O bem intencionado ou o idealista pode ser alguém profundamente prejudicial, pois confunde sentimento com realidade. O que eu quero dizer é que hoje em dia muitas pessoas se põe a ser integralmente amorosas e tolerantes, sem perceber que o excesso destas coisas pode fazer degenerar o mundo e os bons sentimentos em tirania. É necessário, também, dizer um não à perversidade pois é o NÃO ou a negação absoluta ao erro que conferem ao perdão consistência concreta (sem o erro reprovável o perdão não faz nenhum sentido), pois o NÃO faz parte da bondade e da justiça tanto quanto o SIM - da grande bondade e da grande justiça. 

   É interessante constatar algo muito interessante hoje com relação à espiritualidade cristã: todos ensinam a ser humildes e mansos como Jesus Cristo, no entanto existe uma fraca exigência de se indignar como Jesus Cristo. As pessoas geralmente falam que ser manso ou aceitar como Cristo é parte da espiritualidade, mas se indignar e rejeitar como Jesus não faz parte do cristianismo pois devemos imitar Jesus (?). Não ocorre, porém que se não é possível se indignar e manter uma postura evangelicamente indignada como a de Jesus tão pouco é possível ser manso como ele, pois, em ambos os casos a questão não está nem na indignação e tão pouco na mansidão - tais questões são fenômenos comportamentais, e, por tanto, de importância secundária quando considerados à margem da pessoa integral de Jesus -, mas especificamente nisto: em sua imitação.

   No entanto a questão da imitação é inteiramente mais profunda, pois trata-se de uma total conformação a Cristo (de tomar a forma de Jesus Cristo), de uma total integração da personalidade em Cristo onde nem a indignação cristã, tampouco a mansidão devem ser virtudes praticadas em si mesmas desconsideradas do fundo que as sustenta; tal fundo, tal base ou fundamento trata-se da verdade pura e simples, ou da verdade que traz consistência a todas as coisas, pois antes do Cristianismo ser escritura ele é, antes de tudo, uma pessoa, uma realidade humano-divina concreta na história, na nossa única história.

   É justamente aqui que temos um, digamos, princípio místico ou sacramental, que é o fundamento da união da alma com Deus, união esta que integra o ser humano no Sentido universal de Todas as Coisas - e não é por acaso que Jesus, no Evangelho de João, é chamado de Lógos (no original grego), que nada mais é, além de Verbo (João 1:1a), a Razão que fundamenta todas as coisas. Isto descarta, em primeiro plano, o culto de qualquer virtude isolada de Cristo, pois o culto da virtude isolada (que é uma doença do mundo moderno), sem considerar o Absoluto do qual tal virtude faz parte, é, de alto a baixo, negar a RAZÃO que sustenta a virtude. No entanto, é algo mais: idolatria: não podemos escolher qual parte de Cristo cultuar, pois é dever do Cristão cultuar o Cristo como um todo: em sua indignação, em sua paciência, em sua tolerância, em sua misericórdia, em sua disposição em perdoar, em seu desejo ardente por justiça e em sua obediência e fidelidade incondicionais a Deus.

   Com tudo isso, por tanto, não raro, se observarmos bem de perto algumas situações onde cristãos se vêem como que envergonhados de uma ação mais contundente de qualquer um que defenda valores autênticos ou cristãos, invariavelmente veremos um fundo de covardia, ou mesmo aquele envergonhamento de Cristo que reflete no coração não uma espécie de prudência (o que é um bem e deve ser integralmente desejada e praticada), mas uma espécie de idolatria, um medo de dizer um SIM integral à vontade divina que é também amor (o único amor), já que é reconhecido que a condição de Eleito não demanda a consideração do bom-mocismo ou da boa educação evangélica - principalmente a boa educação burguesa protestante - que enxerga apenas os benefícios da eleição, mas também a consideração integral dos deveres, da necessidade de carregar para fora do arraial a vergonha do Cristo crucificado como um bandido maldito aos olhos do Mundo (Hebreus 11:24-26; 13:12,13), não obstante manter a defesa intransigente de que tal Cristo é o imaculado e Santo Deus do mesmo Mundo (Hebreus 1:1,2).

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Notas Sobre Amizade, Verdade e Cristo



   Existem pessoas que não enxergam a crítica como uma forma de amizade, já que acostumados a ver nos laços de fidelidade e nas lisonjas algo verdadeiro em si mesmo. Tal posição é irracional e perversa, pois se somos obrigados a dizer incondicionalmente SIM a tudo o que alguém diz, e não polindo-o com a sinceridade, não temos amizade, mas escravidão da alma e servidão atroz. O maior ouro que um amigo tem a oferecer a outro não é a fidelidade incondicional, mas a verdade, pois isto é a base eterna de um relacionamento eterno; e se não possuímos uma disposição de agir com verdade, mas com hipocrisia ou com lisonjas, não amamos a ninguém, nem a nós mesmos, mas a uma ilusão perversa e doentia que tende a destruir a nós mesmos e ao outro: alguns confundem amizade com um egoísmo viciado.
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Como mudar integralmente o mundo concreto é algo impossível, aqueles que possuem as ganas de "mudar o mundo", e que o querem a qualquer preço, decidem operar em outro campo: na mente das pessoas. Não conseguindo mudar o mundo, o mais fácil é, por tanto, mudar a ideia de mundo. A guerra operada no campo da mente - ou no campo da cultura - é algo evidente demais nos dias de hoje: as ideias mudam constantemente em uma velocidade alucinante, as fidelidades se desfazem e os laços são rompidos. A rapidez frenética com a qual as pessoas de hoje mudam de opiniões, chegando ao cúmulo do ridículo de achar que a mudança é algo bom em si mesmo, não revelam um traço de criatividade e nem mesmo de evolução ou inteligência: trata-se de um sinal de impotência, de falta de força ou mesmo da impossibilidade de dizer um SIM àquelas coisas permanentes. Isso é idêntico à situação de quando pegamos uma pessoa em uma mentira: ela começa e inventar histórias. Isso nada mais significa que: impotência com relação à fidelidade, à verdade, aos compromissos firmados e à coragem.
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A própria confusão entre Deus e aquilo que pensamos de Deus é, em si, um pecado, já que podemos, como os fariseus, colocar a nossa própria Teologia em substituição à verdade. Podemos colocar não só a nossa Teologia, mas as nossas experiências pessoais, os nossos sentimentos - que muitas das vezes vemos confundidos com a ação do próprio Espírito -, e a nossa vontade no lugar que só a Deus pertence, e em substituição ao próprio Deus. Alguns, na falsa certeza de que adoram a Deus estão, no fim das contas, adorando a si mesmos, e crucificando para si a verdade. Esta é, no fim, a história do próprio Jesus Cristo: quando Ele se apresentou, de fato, como A VERDADE, a maioria dos fariseus, saduceus e muitos judeus - o que iria suceder (e continua sucedendo) igualmente no Mundo todo - preferiram ficar com os seus próprios pensamentos, crendo de maneira absurda que estavam adorando a Deus. Este é o egoísmo vicioso; um pecado eterno imperdoável contra o próprio Espírito Santo.

A Origem do Mal




   A questão relacionada ao mal, hoje, está profundamente circundada de equívocos grosseiros, assim como distanciado do melhor pensamento que discorreu de maneira magistral sobre o referido tema; e quando digo isso tenho um nome em mente: Agostinho de Hipona. 

   Agostinho tinha uma forma toda peculiar - que também remonta a Platão e mesmo a Plotino, de quem Agostinho herdou o Neo-Platonismo -, discorrendo sobre o mal não como se ele fosse uma contraposição a peso de igualdade do bem. Bem e mal pertencem a gêneros distintos. É esta a razão de sua vitória sobre o Maniqueísmo, cuja explicação sobre o bem e o mal se dava sobre tudo na ideia de que ambos eram opostos, o que, no fundo, filosoficamente falando, dava a ambos o peso de equivalência. Não, não são opostos e nem mesmo equivalentes. 

   Para Agostinho o mal é dependente do Bem, mas o oposto não é verdadeiro, por exemplo: a liberdade é um bem, mas o mal tem justamente a sua origem na liberdade; é no abuso do livre-arbítrio que temos a origem dos vícios. Assim também o sexo é um bem, mas mal vai para quem abusa do sexo, destituindo-o dos critérios que conferem a ele legitimidade. Assim também a força física e a inteligência são um bem para o homem, mas é por meio disso que vemos a tirania, a violência contra o inocente etc. Por tanto o bem é a raiz absoluta de tudo, assim também é um bem a liberdade que Deus concedeu ao coração dos filhos dos homens para que estes pudessem amara a Ele livremente, já que Deus comporta em si apenas a Verdade e deseja a mesma de maneira livre e consciente dos homens.

   Mas isto comporta um risco para que a liberdade seja verdadeiramente liberdade: a possibilidade da negação do bem e do próprio Deus que é a origem de todo o bem e de toda a liberdade. Sem o risco da conversão do bem em maldade a liberdade não seria, por tanto, liberdade. Mas conversão não seria a melhor palavra para descrever esse processo, mas sim degeneração. A possibilidade da degeneração está na própria inversão da constituição da realidade das coisas, já que liberdade também implica no risco da auto-destruição como possibilidade. Por tanto palavras como traição, mentira, inveja sempre corresponde a uma ideia de que coisas boas estão implícitas e que foram malversadas. Mas o mesmo não se dá com palavras como amor, verdade, justiça, bondade e fidelidade, pois tais coisas são atualizações da essência verdadeira das coisas e que correspondem à própria estrutura da realidade e hierarquia das coisas, assim como no desejo de replicação da vida, ou no desejo de continuidade ou eternidade, que é uma reprodução absoluta, e não uma degeneração da vida, já que essa reprodução é afirmação incondicionada e não a corrupção de algo.  

   Esse pequeno ensaio de filosofia tende a compreender algo que é enigmático: a origem do mal. Por tanto, deixa parcialmente de ser um mistério quando compreendemos que não existe uma equivalência entre o bem e o mal ou entre a verdade e a mentira, mas que o Bem e a Verdade são elementos fundamentais para a existência daquilo que se contrapõe a eles, sem um sentido de equivalência, mas no sentido de dependência, preservando a hierarquia dos valores intacta. Sendo assim, a origem do mal está, por exemplo, no abuso do bem, ou na malversação do bem a partir da própria liberdade humana que tem na degeneração uma possibilidade para que a própria liberdade seja, por tanto, completa. É como compreendêssemos a razão pela qual no próprio Paraíso Deus tivesse colocado próximo da Árvore da Vida, a árvore da perdição: a Árvore do Conhecimento do Bem e do mal.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Liberdade como Algo a Construir




   É com lutas que a gente descobre que a liberdade é algo que se conquista a duras penas. Com isso se vê que é mentira que nascemos livres. Liberdade se constrói, e se a recebemos por herança podemos dissipá-la em uma irresponsabilidade que resultará em escravidão. Isso vale para indivíduos e para os povos.

   A liberdade, hoje eu sei, se conquista em meio a tormentos, medos, a lutas por estabelecer uma disciplina pessoal, e com o travar de batalhas titânicas contra si mesmo na mortificação da vontade imediata e na obediência a coisas que são inevitavelmente melhores, mas cuja escolha requer um ato quase que heroico de coragem .

   É frequente a tentação de enveredar pelo caminho mais fácil e reconfortante, mas o destino de tais caminhos - que aparentemente são desejosos - só nos reserva vergonha e infâmia em seu demente fim. Não é por nada menor do que a minha própria liberdade de espírito que eu renunciarei a tudo o que tenho feito, pois já vejo os pequenos mais doces frutos que agora são degustados com grande alegria.

A Desumana Vontade de Potência


   Ler Nietzsche é de fundamental importância para a compreensão de determinados mecanismos psicológicos que, entre outras coisas, tendem a permear o mundo de uma culpa e ressentimentos que não são reais, já que fomentados através de um mecanismo maquiavélico que convertem em mal tudo aquilo que, na verdade, é bom. Este insight de Nietzsche possui, podemos afirmar, uma verdade eterna e funciona mesmo quando analisamos, por exemplo, discursos de viés socialista - Nietzsche tinha uma aversão visceral ao marxismo ou ao socialismo por causa da utilização venenosa desses movimentos da moral na instilação do ódio e desconfiança em meio as pessoas.

   A estrutura do pensamento nietzscheano jamais pode ser dispensada e deve sim ser estudada. No entanto o conceito de liberdade absoluta ou de "vontade de pontência", assim como a ideia de "abolição da moral", ou mesmo a ideia de que é o mais forte quem cria a moral, o Super-Homem - ideia que antes de ser concebia por nietzsche já fora destruída por Dostoiévsky (que escreveu ideias seminais que Nietzcshe veio a desenvolver posteriormente) -, é, se não pernicioso, fundamentalmente perverso e que se levada a cabo poderia fazer emergir o Caos através de uma batalha apocalíptica entre deuses no alto da torre do Mundo, como disse G. K. Chesterton.


   Uma coisa é ler Nietzsche, outra coisa é reter aquilo que é bom, e outra coisa completamente diferente é transforma-lo de maneira imerecidamente em uma pedra angular de reflexão para uma moral cristã ou humana que ele mesmo detestava e que ele mesmo não possuía. A suposta máxima nietzscheana de que a moralidade é imoralidade é uma das coisas mais desumanas que existe, pois, entre outras coisas, ela não leva em conta as limitações humanas, a incapacidade da comunidade humana de viver por meio de saltos, já que lerda demais para refletir sobre o fundamento das convenções, prescindindo delas, pois tal liberdade advinda da abolição dos costumes é - como ele sabia - para quem tem nervos de ferro. Mas o homem é pó e cinza, é uma flor cuja glória não dura um dia, condicionado por todos os lados. A vontade de potência é algo a ser exercido por poderosos e, sempre e sempre, mesmo a contra-gosto dos sensíveis, em detrimento dos mais fracos. É o princípio do afundamento em uma loucura que o próprio Nietzsche experimentou.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Degeneração da Crítica da Religião

 

   Quando o teólogo reformado suíço Karl Barth fez um ataque mortal ao conceito de religião na primeira metade do século XX (e toda crítica da religião moderna parte, basicamente, dele), o que ele pretendia era, como homem de Igreja, recuperar a tradição de fé que havia sido diluída pela teologia liberal. Tal diluição ocorreu desde que Schleiermacher, no início do século XIX, tentou criar um amálgama, uma junção ou uma síntese entre cultura protestante alemã, iluminismo e Evangelho, já que religião para Scheiermacher - assim como para uma filosofia altamente complexa -, trata-se de uma construção humana em sua relação com o divino. Para a teologia liberal que se formou desta tradição de pensamento que remonta a Schleiermacher, influenciada também pela filosofia da cultura de Hegel, a produção do espírito religioso humano culminava na cultura protestante alemã do século XIX. E é aqui neste contexto que surge a máxima de Barth: cristianismo não é religião, mas revelação. É um trabalho de cima para baixo (de Deus ao homem) e não de baixo para cima (do homem a Deus).
No entanto, hoje, a crítica da religião - que é grandemente utilizada pelas Igrejas Neopentecostais em seu apelo conversionista, ou por movimentos cristãos contemporâneos - é justamente o inverso do que pensava Barth: trata-se da destruição sistemática do Evangelho, e da tradição cristã em nome de um apelo ao "novo", do suplantar de muitas das bases teológicas com o intuito de abrir a fé aos novos tempos, numa tentativa de travar um "diálogo" com os "apelos" destes "tempos", o que poderia culminar em uma síntese ou construir uma ponte entre movimentos culturais e Evangelho, já que tais movimentos podem e devem ser absorvidos pelo Evangelho, lançando um passado de interpretações na lata do lixo da história para que seja possível uma resposta adequada às "novas perguntas", o que demanda "novas respostas".
Portanto, apesar de a visão de Barth ser sujeita a sérias críticas - e eu tenho sérias críticas ao pensamento barthiano com relação a religião -, muito do que vemos hoje como "crítica da religião" seria anatematizado por Karl Barth, pois a nova "crítica" trata-se de uma forma que nada tem de muito restaurador, já que Barth construiu as bases de sua Crítica como Teólogo da Palavra em uma recuperação das fontes da fé na teologia bíblica, em teólogos e pregadores patrísticos (os primeiros teólogos cristãos), nos teólogos reformados, e na restauração para a teologia protestante dos conteúdos tradicionais dos Credos e dos dogmas fundamentais da fé, não sendo Barth, por tanto, nenhum modernista, mas sim um destruidor da síntese entre teologia e cultura, lançando fora, em seu tempo, por muitos anos, qualquer diálogo com o "espírito dos tempos", já que isto seria um tanto desnecessário para a Salvação do Homem.

Da Degeneração das Virtudes





Da liberdade ilimitada, cheguei ao despotismo ilimitado. (Fiodór Dostoiévsky, Os Demônios)

E parafraseando Dostoiévsky, podemos dizer: Do amor sem critérios, chegamos ao Inferno.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Hegel e a Ascensão do Homem a Deus



   Corresponde a tal exigência [a exigência de edificar a alma humana em direção ao Eterno] o esforço tenso e impaciente, de um zelo quase em chamas, para retirar os homens do afundamento no sensível [sensualidade], no vulgar e no singular, e dirigir o seu olhar para as estrelas; como se os homens, de todo esquecidos do divino, estivesse a ponto de contentar-se com pó e água, como os vermes. A significação de tudo que existe estava no fio de luz que o unia ao céu; então, em vez de permanecer neste [mundo] presente, o olhar deslisava além, rumo à essência divina: a uma presença no além - se assim se pode dizer. (HEGEL, Friederich W. G. Fenomenologia do Espírito. p. 27)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Das Pessoas que Enchem o Mundo de Amor

   


    Existe uma mentalidade que é pura "caridade" por aí, uma Semente de "coisas ilustres", um "iluminado do bem" semeado em algum campo de universidade qualquer que prega o "abolicionismo penal" - ao invés de pregar, durante o pequeno curso desta vida que lhe coube neste mundo, como a todos nós que temos que limpar a boca quando comemos -, coisas que realmente importam neste mundo.

Você sabe o que significa isso aí, meu amigo ou minha amiga? Significa o seguinte: Você mora em um bairro onde existem ladrões? Que pena: terá que conviver liberdade impugnável destes indivíduos. Mas mesmo se ele for obrigado a mudar para outro Estado: que pena, uma "lei" não modifica a natureza humana. Alguém soltou uma bomba na casa de alguém, matando uma família por mera vingança - porque a bandidagem terá o direito ilimitado à vingança? Se console se for a família amiga sua ou de filhos seus: terão que se contentar com uma multazinha, ou com servicinhos sociais de reparo, se confirmado que o ente foi pobre - já que eles são injustiçados socialmente pela distribuição desigual de renda.

É! Este robespierre com aroma de quarto de Lupanar depois do uso, aqueles que segundo o provérbio bíblico cavam a cova na qual irão se enterrar, está toda atiçada com a sua "inteligença" - os erros são propositais mesmo - a favor do bem, para depois, para logo depois, como diria Nelson Rodrigues, babar na gravata.

OBS: Não é fofinho este bebezinho, pequenininho, inocentezinho, babão, de gravata? Nossas universidades estão cheios desta "inocência". Desta superabundância de sentimentos "bons". É o amooorr!

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A Ordem e a Anarquia



   Quando olho para algumas políticas desastradas que alguns países implementaram em outros países em nome do "progresso", do "novo" contra o "anacrônico" ou o "ultrapassado", como foi a política "progressista" de Obama em nome da "democracia laica" na Líbia - o que, feito de forma mal feita, abriu um vácuo tenebroso naquele país que permitiu ele entrar em estado de anarquia, vindo a força organizada do ISIS e o engolindo com a boca escancarada -, sempre tenho em mente uma frase do Russell Kirk:

"A grande linha demarcatória da política contemporânea, como Eric Voegeling (1901-1985) costumava apontar, não é a divisão entre liberais, de um lado, e totalitários, do outro. De um lado daquela linha, estão todos os homens e mulheres que imaginam que a ordem temporal é a única ordem que, as necessidades materiais são as únicas necessidades e que podem fazer o que quiserem do patrimônio da humanidade. Do outro lado da linha estão todos os que reconhecem a existência de uma ordem moral duradoura no universo, uma natureza humana constante e sublimes deveres para com a ordem espiritual e a ordem temporal" (KIRK. A Política da Prudência. p. 115).

Ou seja: a Ordem é algo incriado, e que é feito para o homem e o homem é feito para ela, como diria também o sábio filósofo. E tenho cá para mim que a Ordem, as regras consolidadas, as instituições, organizações humanas, o senso de hierarquia, a compreensão da necessidade de valores e regras duradouras são coisas fundamentais que garantem a paz que o homem necessita, e que devem perdurar pelos tempos em favor, e não contra, o homem, já que respeita, e muito, a natureza do próprio homem, que não pode ser reinventada a cada dois minutos para se adequar ao "novo". O homem deseja constância, perenidade e, em última instância, uma eternidade que deve ser refletida nas estruturas e ações levadas a cabo no Mundo presente.

A dificuldade com a visão dos libertários - que alimenta o raciocínio tanto dos capitalistas brutais, como dos "progressistas" de esquerda - é que ela não consegue enxergar que a liberdade absoluta - que degenera em anarquia ou niilismo - não é um negócio a favor dos homens, mas algo que cria um campo perfeito para a ação ilimitada dos mais fortes e dos mais poderosos, já que os valores, os tabus, as regras, as convenções consagradas, Igrejas, a moral etc. (e não a revolução permanente), são barreiras que freiam as liberdades que dariam aos malignos o poder absoluto, como diz o apóstolo Paulo na segunda carta aos cristãos de Tessalônica: " Porque já o mistério da injustiça opera; somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado; E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da sua vinda" (II Ts 2:7,8), ou seja: a resistência contra o avanço da iniquidade só pode ser possível por meio do desejo de conservação de valores consagrados como a Ordem.

O caso da Líbia - e o da Primavera Árabe, como um todo -, ainda é algo a ser profundamente estudado e refletido, já que a evidência de que algo deu errado por lá não pode ser sustada em nome da consideração sobre um "simples erro de cálculo", nos levando a concluir que a política, ou as ações humanas em geral que visam uma liberdade sem ordem está fadada a ter como resposta uma ordem sem um mínimo daquela liberdade que está em acordo com a essência humana, já que fomentará é a traição e a supressão total dela.