quinta-feira, 21 de julho de 2016

Diversão, Velocidade e Preguiça: O Homem e a Fuga de Si Mesmo


   O mundo onde estamos demanda ação, velocidade e inovação para sobreviver e fugir do tédio. Contudo a impressão que temos disso tudo é que o nosso mundo está em plena fuga, e aparentemente não sabemos de quê. Mas arrisco um palpite.

   No início do século XX o jornalista inglês Chesterton dizia que a alta velocidade inovadora do mundo era sinal de sua preguiça. Segundo ele, se as pessoas de fato fossem produtivas elas estariam enraizadas e laborando sem deslocamentos. Ele também detectou nesta enfadonha correria uma fuga contra a reflexão que resultava do acossamento do homem pela busca da verdade.

   De fato: são tantas ideias, tantas formas de ver o mundo que nós devemos desconfiar sobre a extensão destes "pensamentos novos". A lógica, cujo primeiro sistematizador foi Aristóteles, até hoje, depois de 2.400 anos, não deixou de receber contribuições. É óbvio, por tanto, que a quantidade pensamentos existentes são semelhantes à Torre de Babel: construções deixadas ao meio, inacabadas por falta de material para a obra ou por preguiça pura e simples.

   A quantidade assustadora de movimentos e de novos empreendimentos, ao longo do tempo, tende a deixar claro o quanto o homem moderno é inseguro: são casamentos deixados ao meio, educação de filhos insuficiente, obras sem um prosseguimento duradouro, artigos de jornais de cinco parágrafos, avisos do ministério da saúde de menos de um segundo na televisão, festas, divertimentos e esquecimentos.

   Pascal, como um bom fisiologista da alma, compreendeu como por uma iluminação semelhante aos profetas, que o homem futuro seria alguém que faria do divertissement um elemento essencial para a vida, pois afastado do doloroso conhecimento de si o homem tentaria afogar o espinho na carne da consciência nos prazeres, na diversão. Contudo, como a consciência é um fato inexorável no homem, permanecendo durante toda a extensão da duração de sua humanidade, o afogamento da consciência seria uma constante. Teríamos aí, de forma concreta, o homem da fuga, que escapa de si mesmo e do fado da sua existência como um animal em agonia.

   Eis o retrato do homem moderno: o homem do divertissement  (diversão, entretenimento) que luta para não enxergar aquilo que é, e que afoga a consciência no entretenimento afim de que não se descubra a si mesmo como um animal do desespero. De fato, a modernidade é marcada por sua busca por libertação dos laços da tradição, da religião e dos fados que constituíam a barragem que o cerrava em um lugar mínimo de proteção. Contudo toda a proteção tem o seu ônus, sendo o mais marcante dele a restrição da liberdade e a uniformização por vezes tediosa da vida; e ao se arriscar em busca da liberdade, e rompendo suas barragens de proteção o homem se viu diante do "terror da liberdade".

   Reinventar a roda, com o fim da tradição, tornou-se a forma básica de existência humana por meio da criação de microcosmos e arranjos de fragmentos de ordem por meio dos quais os homens se isolaram de si mesmos. Se antes havia uma imensa homogeneidade que entrelaçavam os homens em uma rede comum de sentido, a disparidade de sentidos fez com que as pessoas criassem tais microcosmos, caminhos e leis individuais que acabaram por se colidirem umas com as outras. Mas a natureza abomina o vácuo, e o fim dos grandes sistemas de sentidos acabou por se substituído por uma uniformidade nova através da cultura do prazer e consumo, e por meio do rearranjo de sentido amparado em ideologias totalitárias que buscam reconciliar o mundo dos prazeres com um universo de sentido. Os slogans de "libertação", "bem-estar social", "poder", a imanentização da transcendência - cuja realização as religiões tradicionais como o cristianismo assinalava para o além mundo - com as utopias existentes no mercado das ideologias satisfizeram os homens que fecharam a sua alma para a realidade, fazendo com que houvesse uma substituição da realidade pela ideologia, migrando a imaginação dos homens para uma segunda realidade onde suas paixões foram elevadas às alturas da vontade divina.

   Em todos esses fatos em que reconhecemos um fechamento da alma do homem, não poderíamos desprezar a estupidez que daí resulte: ao se fechar para suas próprias agonias e para a voz divina o homem acaba por desconhecer a fonte real de sua vida e de seus problemas. A falsificação do mundo, o orgulho e a violência resultantes, marcas da pequena besta, são como que inevitáveis quando o homem, desconhecendo a si mesmo, não trilha nos caminhos demandados pela realidade, revestindo a sua sede por poder como a lei suprema do universo. A ignorância no lidar com a vida, a falta do confronto com a angústia e o desejo pela recompensa rápida e total em vida acabam por estupidificar e alienar o homem do mundo e de sua estrutura, de si mesmo e dos outros homens. A colisão do homem contra o homem é a marca do fim da razão, razão que só é possível quando ordenada pelo fundamento divino da realidade, e que, em nome do conforto, foi lançado para a lata do lixo da história.


   Não é difícil enxergarmos a razão pela qual uma explosão de retorno às tradições e à religião está sendo vista de maneira tão vigorosa em nossos dias. O terror que esta liberdade niilista nos legou com a sua metafísica do nada, fez com que se pudesse olhar para o terror de um mundo vazio de sentido e a tragédia resultante daí, onde cada home tornou-se o seu próprio Deus. Também é óbvio que a experiência moderna já deu conta da destruição resultante de o homem fechar a si mesmo para a estrutura da realidade, criando em substituição a ela fantasias, enterrando a sua alma na diversão e na sede irrestrita por poder, o que acabou por gerar uma conservative wave e muita "caretice". Ao retornar para os grandes depositários espirituais de valores, várias pessoas buscam um eixo do mundo, algo que, sustentando tudo o que existe de forma duradoura, pode sustentar também a vida daquele que a isso busca.

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