sábado, 17 de setembro de 2016

Valores até à Morte



   Uma ética verdadeira é aquela que, como diz a carta aos Hebreus, resiste até ao sangue. Se uma ética boa não pode, por amor, derramar ou sofrer o derramamento de sangue é porque não é ética, nem tão pouco amor.

   Isso é forte? Pense só mais um pouco: se formássemos uma consciência sobre aquilo que é moral apelando apenas para as nossas comodidades e caprichos é óbvio que a melhor escolha seria determinada pelo nosso conforto e, por tanto, estaríamos livres do sacrifício e da escolha radical, já que seria a nossa vontade que moldaria os nossos valores e jamais seriam os valores que moldariam a nossa vontade.

   Nesse sentido até onde levaríamos a máxima de apenas fazer o bem e jamais o mal, mesmo em circunstâncias onde fazer o bem custe a vida? Onde levaríamos aquela máxima moral, que é a seguinte: "haja de maneira que você possa querer que a sua atitude seja transformada em uma lei universal", como diria Kant, o velhinho corcunda de Königsberg? É óbvio: será que desejaríamos que nossas ações direcionadas aos outros fossem praticadas por outros com relação a nós? Mais: será que aquilo fazemos em nosso quarto, ou escondido dos olhos alheios, poderia ser praticado por qualquer outra pessoa em qualquer tempo e lugar do mundo, e nas mesmas situações, ou que tal atitude seria de pleno agrado de todos, algo a ser ensinado para os nossos filhos ou praticado pelas pessoas que mais amamos e admiramos, sem isso ferir o nosso amor ou admiração? Pense bem: será que o nosso mundo seria o que é se retirássemos dele o auto-sacrifício ou aquela disposição divina de levar até às últimas consequências o nosso amor ao bom e o verdadeiro - o motor de tudo aquilo que é belo em nosso mundo?

   Se o martelar de toda essa ideia de uma disposição de buscar incondicionalmente o bem até às raias da morte fosse subtraído de nós - ainda que a experiência da realidade nos mostre a raridade ou a nulidade desta disposição em seres humanos concretos - daríamos espaço para a formação de um mundo de interesseiros, de bestas malignas, irracionais e perversas que devorariam tudo, deixando atrás de si apenas um rastro de dor sem recompensa e de infinita destruição. E mesmo que alguém fale da impossibilidade de concretização da virtude no mundo humano, objetamos com o fato de que os valores não estão aí para prestar condolências aos homens, visto que eles nada mais fazem do que apontar o caminho para cima, pois, militando contra a razão dos valores e contra o amor incondicional a eles, o que sobraria do nosso mundo senão a justificação de uma ruína sem fim?

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