sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A Destruição do Corpo e a Destruição do Mundo


   A ideia de considerar o corpo uma propriedade tem um quê de maligno, já que não existe uma separação entre o eu e o corpo pois o meu eu e o meu corpo somos uma coisa só. Isso por si só já deveria nos prevenir da ideia tipicamente moderna de que o corpo é uma propriedade a nossa disposição para fazermos dele o que bem quisermos.

   Há aqui um pensamento perigoso e destrutivo, pois se o meu corpo é minha propriedade eu posso vendê-lo, rasgá-lo, deformá-lo, desfigurá-lo, riscar ele e inserir objetos cortantes como bem quiser nele e tudo bem: meu corpo, minhas regras. Na raiz deste pensamento destrutivo está a razão da destruição do nosso próprio mundo: não há razões para distinguirmos entre a ideia de posse do nosso corpo e do nosso mundo longe da destruição consequente de ambos.

   Na medida em que entendemos o mundo e nosso corpo como propriedade, proclamamos a soberania de nossa vontade sobre o nosso corpo e sobre o mundo. Nesse sentido é que agem aqueles que destroem a face do mundo, picham muros, enchem as ruas de lixo, destroem construções e paisagens urbanas que trazem em si uma harmonia que embeleza a cidade, tal como pessoas que picham e entulham de metais seus corpos, deformando-o e desfigurando-o.

   Já alguém disse que o ódio à beleza é sempre totalitário, e não há nada mais totalitário do que proclamar a nossa vontade soberana sobre o nosso corpo e o nosso mundo, entendendo-os como escravos a existirem a serviço dos nossos caprichos.


   Essa foi a própria mentira com a qual a serpente enganou o primeiro casal: sereis como deuses; e como deuses, podeis fazer o que vocês quiserem sem prestar contas a ninguém. Quem duvida que é essa ideia mesma que traz o caos e o inferno para a superfície da história? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário