sábado, 28 de novembro de 2020

Atanásio, a Espiritualidade da Contemplação da Realidade Divina Inteligível e o Afogamento do Homem no Meramente Sensível

    Uma das argumentações mais espetaculares de Atanásio em favor da espiritualidade da contemplação das realidades divinas inteligíveis (supra sensíveis) é que nesse mergulho absoluto do homem no infinito, que era característica do Adão pré-lapso (antes da queda), ele realizava a sua finalidade; contudo, ao perder esse contato com Deus por causa do pecado, o primeiro homem começou a se concentrar nas realidades visíveis e corpóreas. Para Atanásio, a vida estética (como diria Kierkegaard), ou seja, a vida fundamentada nos sentidos, e nos prazeres da visão etc., é a característica do homem caído. E por tanto é só por isso, e apenas em função disso, que ao viver uma vida concentrada nos sentidos, o primeiro homem declinou da intelecção e da concentração espiritual e passou a ter consciência de que estava nú.

    Estas são as palavras de Atanásio:

"Também durante muito tempo, efetivamente, em que ele [Adão] conservou o espírito ligado a Deus, ele se desviava da contemplação do corpo; mas quando, pelo conselho da serpente, ele se afastou do pensamento de Deus e se pôs a considerar-se a si próprio, então foram tomados pelos desejos do corpo, 'e conheceram que estavam nús' (Gn 3.7) e esse conhecimento os encheu de vergonha"1.

    É interessante que ele é categórico ao afirmar que o centro da vida do homem é a contemplação divina, mas ao desviar e corromper esta faculdade, o homem agora contempla "as coisas de baixo", ou se fixava agora com preponderância nas coisas terrenas, invertendo a ordem de contemplação que estava voltada a Deus, e apenas a Deus, como ele diz: "Porque ela [a alma] foi feita para ver Deus, são as coisas corruptíveis e as trevas que ela procurou, como diz em alguma parte o Espírito na Escritura: 'Deus criou o homem reto, mas ele procurou muitas perversões'[sic] (Ecl 7.29)"2.
    E em tom polêmico - mesmo para os dias atuais -, ele acusa a origem da idolatria justamente nessa queda da potência contemplativa, agora não mais voltada para o inteligível, mas apenas para o sensível. Atanásio diz: "Assim, repleta de todas as espécies de desejos carnais e perturbada pela falsa opinião que forma para si própria, conclui por imaginar segundo as coisas corporais e sensíveis a Deus de cujo pensamento esqueceu, e dá às aparências o nome de Deus; só aprecia o que quer e tem como agradável"3.
    É profundamente importante como uma teologia, que muitos acusam de ser algo árido e ocupação especulativa sem relação com a vida prática, visa estabelecer uma fundamentação tão profunda com a espiritualidade cristã, pois ao explicar 1) a finalidade humana na contemplação de Deus, Atanásio também explica que 2) A queda é propriamente um desvio dessa contemplação para coisas inferiores, e que 3) por se concentrar nas coisas inferiores o homem adquire feições animalescas e irracionais, cometendo todo o tipo de avareza, violência, afastando para si próprio a visão de Deus e destruindo em si a imagem de Deus.
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1] ATANÁSIO DE ALEXANDRIA (295-373 d.C.) - Contra os Pagãos.3 . Paulus. p. 49
2] Ibid. 7. p. 55
3] Ibid. 8. p. 55, 56

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