terça-feira, 24 de novembro de 2020

Aos Fiscais do "Nestorianismo" Alheio

    Sim, a palavra "nestorianismo" está entre aspas aqui no título, e isso explica já aquilo que eu comentarei neste texto.

    Recentemente um vídeo do Augusto Nicodemus foi postado por um amigo querido que reclamou por ele, aparentemente, ter se mostrado hesitante ao afirmar que Deus morreu na Cruz, porque a sua natureza humana estava unida à sua natureza divina na hipóstase. Confesso que nem vi problema algum com o vídeo. O problema foram as reações mesmo - também de colegas e amigos -, condenando o homem por ser um "nestoriano".
    Confesso ter uma abjeção séria ao comportamento de quem quer que seja que se apresse em condenar alguém. E isso não seria diferente, se eu visse esse comportamento em amigos ou em não tão amigos assim.
    Mas a verdade é que o problema em si nem está nesse vídeo em específico, mas em um vídeo em que Nicodemus diz que Maria é mãe do Cristo, da natureza humana de Cristo, e diz que Maria é "portadora de Deus" - ainda que afirme com reticências que Maria é mãe de Deus. Já me adianto em dizer que não tenho afeições profundas pelo Nicodemus enquanto teólogo, porque para falar a verdade nem conheço a sua teologia, fora naquilo que vi em um vídeo ou outo. Nem mesmo pelo que vi o considero um gênio sem medida. Ele, para mim, é um assunto adiáforo, para falar bem a verdade.
    Mas a questão é que, em que pese Nicodemus ter dito o que disse, a sua resposta à questão de Maria ser ou não Mãe de Deus é uma reposta evidentemente incompleta em função do desenvolvimento da teologia. Só que um salto gigantesco é partir daí para afirmar ser ele um "nestoriano"; nem considero - e julgo que ninguém deveria - um evangélico médio um nestoriano porque nega a formulação de que "Maria é Mãe de Deus", levando em consideração que por um certo ângulo essa negação está evidentemente correta - quando se diz que a divindade passou a existir a partir da concepção de Cristo. Evidentemente que Teótokos não quer dizer isso, senão que Maria gerou em seu ventre alguém que é totalmente homem e totalmente Deus.
    Mas quero trazer aqui um texto de alguém que evidentemente não seria um nestoriano - e que ensinou, claro, antes da controvérsia nestoriana.
    Segue o texto de Agostinho falando da relação entre Jesus e Maria no tratado VIII.9 do Comentário ao Evangelho de João:
"Porque é que o Filho disse à mãe 'Mulher, que tenho eu e tu com isso? A minha hora ainda não chegou?' Não tem mãe enquanto Deus, mas tem mãe enquanto homem. A mãe é, portanto, a mãe da cerne, mãe da humanidade, mãe da fraqueza que assumiu por nós. [...]
A mãe pedia o milagre, mas ele não conhecia entranhas humanas quanto à capacidade de realizar ações divinas. E parece ter dito: Tu não geraste a capacidade que eu tenho de operar o milagre; não geraste a minha divindade: Geraste a minha fraqueza, por isso conhecer-te-ei quando a fraqueza pender na cruz; 'a minha hora ainda não chegou'. [...]
É filho de Maria segundo a carne, e Senhor de Maria segundo a divindade; o milagre pedido por ela havia de ser operado por meio da divindade; motivo porque respondeu: 'Mulher, que tenho eu e tu com isso?' Não julgue que não te conheço como mãe; 'a minha hora ainda não chegou'. Hei de reconhecer-te como mãe quando começar a pender na cruz a fraqueza [a carne] de que és mãe."*
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*] AGOSTINHO - Tratados Sobre o Evangelho de João. VIII.9

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