sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Experiência Estética e o Evangelho Vivo




   No livro "Crime e Castigo", escrito pelo romancista russo Dostoiévski, figura uma tentativa de êxito pela busca da materialização de uma experiência metalinguística (além da capacidade de descrição das palavras) que, em tudo, possui o pleno potencial de desenhar um caminho de conversão através do vislumbre estético. Para o romancista russo, a "beleza salvará o mundo".

   Segundo o seu característico estilo literário de vislumbrar em meio às ruínas da humanidade uma luz redentora de glória, o autor desenha uma personagem por nome de Sônia, que fora levada pelos descaminhos da vida à prostituição, ainda que conservando de maneira profunda a sua fé em Deus e uma esperança de superação daquela situação tão ambígua e contraditória com relação às convicções que consigo carregava.

   Essa situação de contradição mortal entre a convicção de fé de Sônia e o seu estado existencial, assim como a força espiritual que plenificava a sua capacidade de suportar o mundo degradado no qual vivia, preencheu de perplexidade e espanto o principal personagem da trama, o jovem Rodion Románovitch Raskólhnikov, que após cometer um crime fundado em alguns pressupostos niilistas, encontrava-se por isso em uma agonia delirante, uma situação na qual só poderia escapar - acreditava - por meio do suicídio.

   Ao contemplar a força da jovem Sônia, o atormentado Raskolhnikov pergunta a esta o que a impede de cometer um suicídio, e abandonar aquela degradação na qual vivia, ao que ela responde que o amor aos seus irmãos, à sua madrasta, e, principalmente, a Cristo, do qual nutria uma fé excepcional e uma esperança de que, no fim das contas, tudo aquilo daria certo, tal como ocorrera com Lázaro, aquele que foi ressuscitado da morte como consta no Evangelho de João, era o que a impedia deste "salto".

   O corpo magro, as mãos frágeis de Sônia, e a sua vida marcada pela prostituição e degradação humana não deixou de ser um veículo da santidade e da glória que trouxe espanto à vida do jovem assassino, assim como a possibilidade da percepção de uma beleza espiritual que contraditara profundamente as suas convicções fatalistas, potencializando o estado de perplexidade, não no sentido do suicídio, mas em um outro sentido, que era o da experiência mística do reconhecimento de uma realidade espiritual que confere razão e sentido para a vida, e forças para a superação de toda a agonia existencial, descobrindo, assim, por meio desta experiência estética, uma beleza inquebrantável e invencível em meio a um mundo de ruínas e de degradação. Aqui, Sônia figura como um canal vivo da mensagem do Evangelho de Cristo e do próprio Cristo.
  
   O livro nos ensina algo de precioso, pois entre todas as mazelas humanas, as visíveis e invisíveis, as contradições internas e as manifestações externas desta contrariedade, algo supranatural, acima da capacidade da racionalização humana, objeto da devoção dos místicos e profetas, redesenha para novos rumos, sempre, em nossa vida, o caminho da fatalidade em direção à destruição total, mesmo que tudo em nós, ou fora de nós, possa dizer o contrário. Esse é o algo espiritual, belo, divino e que, sobre tudo, possui o potencial redentor, que constitui a ideia dostoievskiana de que "a beleza salvará o mundo"; e essa beleza é a beleza da Glória do Deus que ressuscita os mortos.  

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