sábado, 13 de dezembro de 2014

O Direito ao Assassinato

   
   
   O tipo de mentalidade revolucionária foi profundamente tratado por um dos maiores romancistas da humanidade, que foi o russo Dostoiéviski. Em seu livro "Crime e Castigo", o personagem principal da trama, o jovem Raskólhnikov, dotado de um brilhantismo e inteligência ímpar, teoriza sobre a ideia de que os homem geniais - como Maomé, Napoleão etc. -, criadores de civilizações, uma espécie de Übermensch (Super Homem), sempre, devido ao seu ideal revolucionário, será dotado do direito de assassinar quem quer que seja, passando sobre indivíduos que supostamente impedem a realização deste "ideal" para um "mundo melhor".

   O jovem Raskólhnikov se vendo como um destes personagens capazes de transvaloração, decide colocar a sua teoria em prática, assassinando uma determinada velha agiota (correspondendo àquele ente capitalista), que, segundo pensa, trata-se apenas de um lixo humano no mundo, odiado por muitos e, por isso, sem valor, o que transformaria o seu ato não em um assassinato, mas, na verdade, em um ato digno de um herói, ou de um homem que foi capaz da transvaloração.

   O que particularmente considero interessante em tudo isso é que este pensamento expressamente idealista, ou niilista, que se coloca a destruir as travas morais e tradicionais da cultura, em nome de uma suposta "missão" em favor de um "mundo melhor", é justamente aquilo que iria fatalmente se abater sobre a Rússia no século XX com o advento do Comunismo, que com a sua empreita destruiu a vida de mais de 40 milhões de pessoas. No fundo, o que Dostoiéviski faz é colocar alguns grupos florescentes em sua época, como os anarquistas e comunistas, sob suspeição, ainda que a vida sob a monarquia kzarista, a que estes grupos se contrapunham, não fosse nenhum um paraíso. No fim, ele aponta para o perigo mortal da suspensão dos valores cristãos - o que inclui, no romance, a questão relacionada ao valor sagrado da vida - que haviam formado o seu país, pautando as relações entre as pessoas. 

      Contextualizando para o Brasil dos nossos dias, nunca houve em nosso país uma tentativa tão brutal de desconstrução de valores que pautaram o nosso povo por tempos, e que agora se vêem ameaçados, por exemplo, por causa do idealismo e do desejo de sacralização de fantasias de pessoas que buscam incutir determinados valores, nos querendo convencer de que estes estão acima de qualquer contestação, como se fossem coisas mais sagradas do que a vida, valores estes que buscam instaurar um reino de liberdade destrutiva em prejuízo do mundo real, no qual inúmeras pessoas se sentem em paz com sigo mesmas, pautando o seu viver com base em valores universais construídos ao longo dos séculos. Assim também, vemos o empreendimento sistemático que busca vestir à força uma determinada ideologia política como se ela fosse a tradução fiel da realidade, passando por cima de todos; e para a realização destas coisas não importa se é necessário matar, roubar e mentir, pois estes construtores psicopatas do mundo melhor de antemão já estão imunizados destas culpas por causa deste ideal e deste mundo futuro que os absolvem retroativamente - ainda que este mundo futuro nem exista, vale lembrar.   

   No fim do livro, o jovem Raskólhnikov acaba por ser convencido, por causa de uma sucessão de eventos, sobre a questão metafísica mais importante a ser refletida por nós, hoje: o valor da vida. E, no fim, fica para todos nós uma lição fundamental que transcrevo por meio de uma pergunta: Será que os valores por meio dos quais pautamos a nossa vida no mundo e as nossas relações com o outro não são, no fim das contas, "travas", ou meios que possibilitam a conservação da vida, das pessoas que amamos e que nos impedem de atitudes absolutamente radicais que, no fim, seriam como que o princípio da destruição de todas as coisas?

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