sexta-feira, 16 de março de 2018

A Verdade do Espírito entre o Realismo e o Idealismo

Não temos uma experiência de outros mundos, temos, apenas, a experiência do nosso mundo e da realidade que nos pressiona por todos os lados a partir de onde nos encontramos. A verdade do realismo consiste na constatação que fazemos do impacto exterior da realidade na qual nos encontramos comprimidos. Contudo essa realidade seria demasiadamente pobre e também tirânica se o mundo se resumisse a esse impacto. A desolação geral do mundo e da inteligência, o caos político e também religioso, o fixismo sufocante que reduz todo a uma necessidade inexorável seria, no fim, o mesmo que um não viver se essa realidade não fosse contraposta ao idealismo que nos mostra o mundo não tal como ele é, mas sim tal como deveria ser.
A formidável capacidade que o homem tem de se elevar em seu espírito acima da realidade dada - do ser aí - e configurá-la à imagem do seu pensamento - ou realizar a aproximação entre o mundo e o pensamento - constitui a grandeza do homem. A virtude espiritual do homem consiste em não permanecer simplesmente ao que é dado, mas também em transformá-lo e, ao mesmo tempo, em saber quando é necessário deixá-lo ao seu ser-aí, ou deixá-lo tal como ele se encontra. Dialeticamente podemos afirmar que o transformar algo e o deixá-lo em seu estado fazem parte da própria transformação do algo, são momentos do mesmo e único processo, já que a transformação vai até um ponto em que não se avança, pois continuar avançando em uma transformação é diluir o objeto no nada, já que nunca se chega a uma forma determinada prosseguindo infinitamente. A forma final, ou a Ideia, é o fundamento da ação espiritual do homem no mundo pois permite ao homem mediar a Ideia para o mundo, dando à Ideia a concreticidade absoluta.
A tensão experimentada no homem entre a mudança e a permanência é aquilo que faz a consciência ser o que é e a síntese entre a mudança e a permanência é o que constitui o próprio Espírito e o Absoluto Fundamento de tudo. O homem é, por tanto, essa tensão entre o mundo e a Ideia, é, por tanto, o espírito que é contrário ao fixismo ou o dinamismo excluídos um do outro. Aqui se revela o espírito concreto e também a dinâmica própria da existência humana em todas as suas esferas de interesse, seja a esfera ética, política, artística, cultural ou religiosa. Essa constituição ontológica reclama a sua vigência em todos os domínios ônticos da vida, pois o ontológico, segundo as relações dialéticas entre os dois bastões basilares do espírito que são a forma e dinâmica, liberdade e necessidade, está presente em tudo, pois o ser é tudo, e segundo as medidas dos bastões dialéticos constitui a qualidade das coisas no nível ôntico. Por exemplo: na pedra a forma é mais predominante do que a dinâmica, ainda que ali a dinâmica não deixe de estar presente; na água a dinâmica predomina sobre a forma, ainda que a forma não deixe de estar presente também.
É próprio da consciência humano captar essas constituição das coisas por via da experiência contemplativa e, por isso, agir sobre elas. A consciência humana fica suspensa entre o céu e a terra e é na personalidade que são efetivados os valores e medidas através das quais se age no mundo, o que confere ao mundo uma mutabilidade, ao mesmo tempo que também se vê aqui o mundo como receptáculo e recipiente da Ideia, tendo a natureza a sua própria dignidade e constituição, sendo possível a contemplação do homem. Contemplação e ação dos homens em relação às coisas e em determinadas culturas a ação prevalece sobre a contemplação (como em culturas protestantes) e a contemplação prevalece sobre a ação (como em culturas predominantemente católicas). Mas nem em culturas protestantes a contemplação está ausente e nem mesmo a ação está ausente em culturas católicas. O médium entre contemplação e ação é aquilo que consiste no equilíbrio efetivo do espírito. A ação protestante é satânica se coloca o mundo num mal infinito de mudanças sem fim (e essa é a doença da modernidade), assim como a ação católica é satânica se se prende a um fixismo sufocante que comprime o espírito com blocos de realismo diante das quais o indivíduo desaparece e o espírito se apaga.

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