sexta-feira, 30 de outubro de 2020

O Arrependimento como o Corolário da Fé Salvadora

    Uma das notas fundamentais da noção de fé salvadora em Calvino é que o arrependimento é o corolário da fé - sem a qual não há justificação. Podemos afirmar que há um caminho necessário da iluminação que vai da produção em nós da fé salvadora ao arrependimento compromissado com Deus.

    Calvino afirma: "Não sem fundamento, a suma do evangelho fixa-se no arrependimento e no perdão dos pecadas [Lc 24.47; At 5.31]. Logo, omitidos esses dois tópicos, será fria e mutilada, e até quase inútil, toda e qualquer discussão da fé"1, para complementar: "a graciosa imputação de justiça não é separada, por assim dizer, da real santidade de vida"2.

    Segue-se aqui, como diria Willian Webster, que a real santidade da vida é corolário da fé salvadora. Calvino enxerga que a iluminação da fé produz tais frutos de arrependimento: "Ora, uma vez que pela pregação do evangelho é oferecido perdão e remissão para que o pecador, liberado da tirania de Satanás, do jugo do pecado e da mísera servidão dos vícios, seja transportado ao reino de Deus, por certo que ninguém pode abraçar a graça do evangelho a não ser que se afaste dos erros da vida e tome a via reta, e aplique todo seu esforço à prática do arrependimento"3.

    No entanto, o arrependimento depende de uma iluminação prévia da fé, fruto da regeneração, sob o reflexo da qual o arrependimento brota, por assim dizer. E possivelmente querendo excluir qualquer aceitação da ação desassistida do homem como causa da fé, Calvino acrescenta: "Mas, os que pensam que o arrependimento precede à fé e não é produzida por ela, como o fruto de sua árvore, estes jamais souberam no que consiste sua propriedade e natureza, e, ao pensar assim, se apoiam num fundamento sem consistência"4.

    Sobre essa questão, Willian Webster explica como foi enfatizada a fé pelos reformadores, fé que podemos chamar de uma fé obediente sob o senhorio de Cristo. Webster diz: "O ensino da fé somente [sola fide] foi enfatizado pelos Reformadores para neutralizar a ênfase católica romana na necessidade [absoluta] dos sacramentos e boas obras para alcançar a justificação. Mas definir o ensino da fé da Reforma apenas como confiança em Cristo sem arrependimento e compromisso com ele é uma distorção tanto do ensino da Reforma quanto da mensagem do evangelho. A fé somente [sola fide] significa fé sem o mérito das obras, e não ausência de arrependimento. A Bíblia sempre apresenta o arrependimento como um corolário da fé em receber Cristo para a salvação"5.

    Entendemos por isso que é uma noção equívoca que o arrependimento não constitua uma parte essencial da fé salvadora, ou da fé justificadora. A sua ausência, podemos afirmar confiantemente, é ausência de fé. Era da compreensão comum dos reformadores que em relação ao arrependimento, a contrição não deveria ser restrita a um momento da vida, se não que estendê-la para todos os momentos da vida.

    A fé no Evangelho, como resposta ao chamado de Cristo, nos ensina claramente: "O tempo está cumprido, o Reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1.15); e por isso compreendemos claramente que sem a iluminação prévia de Deus, não pode haver arrependimento, já que toda boa dádiva vem de Deus (Tg 1.17).

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1] CALVINO - Institutas da Religião Cristã. Tomo III.3.1
2] Ibid.
3] Ibid.
4] Ibid.

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