quinta-feira, 29 de abril de 2021

A Cruz não é Causa do Amor de Deus, Antes o Supõe

    Deus não precisou da Cruz para tornar possível o seu amor: o envio de Cristo ao mundo não causa o amor de Deus ao homem, antes o pressupõe. Sendo assim, mesmo exigindo a reparação da ofensa, Deus é quem provê em seu amor expiatório a vítima da reparação, removendo com isso a totalidade dos obstáculos pelos quais o homem era impedido de fruir a totalidade deste amor.

    Há suma vantagem nessa forma pela qual o Conselho Divino escolheu para promover a expiação: O homem, origem da ofensa, é o lugar onde se faz a devida reparação pela ofensa - o homem, a origem da culpa e da pena, é quem também, pela justiça de Cristo, destrói e abole a culpa e a pena. Se no primeiro Adão o fruto do madeiro é furtado, trazendo condenação universal, no segundo Adão, no madeiro, a preço, e preço de morte, faz que aquilo que foi furtado seja restituído: "restituí o que não roubei" (Sl 69.4c).
    O roubo do que estava no madeiro no Éden redundou em pena estabelecida na lei antes do delito: "no dia em em que dela comer, certamente morrerá" (Gn 2,17b), e se fazendo maldição no madeiro, recebeu em si a pena requerida pela lei antes firmada, morrendo a morte que não era sua para nos dar uma vida que não era nossa. Derramando o seu sangue por sangue (Gn 9.6), Cristo cumpre dupla economia: satisfaz a justiça da lei (no dia em em que dela comer, certamente morrerá) e destrói o tentador para quem o homem foi entregue por um justo juízo: "Portanto, visto que os filhos compartilham de carne e sangue, Ele também participou dessa mesma condição humana, para que pela morte destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o Diabo"(Hb 2.14).
    Cristo se antepõe a esse juízo, e recebe em si a ferida que não era sua, e abandonado de Deus (Mt 27.46), consuma em si o destino do condenado e do maldito do madeiro (Dt 21.22,23), e mesmo sendo inculpável, tem sua sorte lançada entre os gentios, os impuros que estavam excluídos da aliança, sendo lançado para padecer fora da cidade. Assim fazendo, cumpre em si o destino do condenado, para que os condenados, convertidos em "justiça de Deus" (2Co 5.21), recebam para si, pela fé, "a benção de Abraão" (Gl 3.29).
    E aqui todos nós estamos na situação dos pobres, que não tendo possibilidades de oferecer o sacrifício pelo pecado, somos agraciados pelo sacerdote (que é ao mesmo tempo vítima do sacrifício), a quem cai responsabilidade de fazer a reparação para extinguir a culpa (Nm 5.6-8): "Mas, se aquele homem não tiver resgatador, a quem se restitua a culpa, então a culpa a que se restituir ao Senhor será de responsabilidade do sacerdote, além do carneiro da expiação pelo qual por ele se fará expiação", e assim: "restituí o que não roubei" (Sl 69.4c).
    Desta forma, o amor divino precede e causa a expiação, não sendo efeito dela. Liberta o homem no Homem, repara a culpa do homem pela justiça do Homem, expia as almas do homens pelo derramamento da alma do Homem, aniquila a pena dos homens pela sujeição à pena por parte do Homem. É a pessoa divina e humana de Cristo que pelo seu ato libérrimo causa a liberdade dos homens para que estes vivam, inculpáveis e santos, para Deus.

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