quarta-feira, 14 de abril de 2021

Agostinho, a Ceia e o Sinal

    A questão relacionada à eucaristia em Agostinho é profundamente disputada. O que podemos dizer é que Agostinho defendeu uma manducação espiritual, algo que podemos julgar como distinto daquilo que nomeamos transubstanciação. A razão disso é que um defensor assim jamais diria que "uma coisa é o sacramento; outra coisa é a virtude do sacramento", pois não há distinção possível feita assim para quem realmente defende a teoria da transubstanciação, já que aquele que defende chama o sinal literalmente de "Jesus Eucarístico", por exemplo, não pode assim proceder.     Agostinho defendeu uma manducação espiritual, como podemos ver no trecho abaixo: “Moisés, Arão, Finéas e muitos outros que comeram o maná agradaram a Deus. Por quê? Porque entendiam o alimento visível espiritualmente, apeteciam espiritualmente, degustavam espiritualmente, de sorte que fossem saciados espiritualmente. Ora, também nós hoje temos recebido o alimento visível, mas uma coisa é o sacramento, outra a virtude do sacramento" (Tratados sobre o Evangelho de João, XXVI, 11).     E sobre a diferença entre o sinal (signa) e a coisa (res) significada, isso é bem claro no "A Doutrina Cristã", onde Agostinho faz uma simples divisão. Para Agostinho o sacramento pertence à categoria dos "sinais" - assim como a Escritura Sagrada -, e não das "coisas" - como é o caso da encarnação de Cristo, a ressurreição, a substância divina (Deus) e da caridade, as quais pertencem ao universo das coisas, e não dos sinais (AGOSTINHO - A Doutrina Cristã. I.). Agostinho diz: "Toda doutrina se reduz ao ensino das coisas (rerum) e ao dos sinais (signa). Mas as coisas (rerum) são conhecidas por meio dos sinais (signa). Portanto, acabo de denominar coisas a tudo o que está empregado para significar algum outro objeto como, por exemplo, uma vara, uma pedra, um animal ou outro objeto análogo [...] Daí se deduz que denomino sinais a tudo o que se emprega para significar alguma coisa além de si mesmo". (AGOSTINHO - A Doutrina Cristã. I.2).     Sobre os Sacramentos, no mesmo livro, Agostinho diz: “Pois o mesmo Senhor e os ensinamentos dos apóstolos transmitiram-nos não mais uma multidão de sinais, mas um número bem reduzido. São muito fáceis de serem celebrados, de excepcional sublimidade a serem compreendidos, e a serem realizados com grande simplicidade. Tais são: o sacramento do batismo e a celebração do corpo e sangue do Senhor” (Ibid. IX.13).     Ou seja: a Ceia do Senhor está enquadrada, segundo Santo Agostinho, no grupo sinais que significam as coisas, e não no grupo das coisas que a que se remetem os sinais.

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