terça-feira, 17 de março de 2015

Erits Sicut Deus


   


   Não posso dizer que em si mesmo o poder ou a grandeza sejam coisas más, como comumente afirmam os puristas que, no desejo de ser melhores do que realmente são, buscam o distanciamento do restante dos mortais. 

   E é justamente nestes puristas que enxergo um perigo que se oculta naquele "marketing do bom", o que já traz em si mesmo a hipocrisia, ou aquela imagem falsamente honesta sustentada por chavões. 

   Vejo, hoje, nos dizeres: "amo os pobres", "amo a natureza", "detesto o dinheiro", "sou contra o capitalismo", "direito dos animais", como, na verdade, confissões do vazio, ou um passo para o golpe. 

   Enxergo coisas assim como flagrantes travas à inteligência ou à discussão - como a própria hipocrisia o é -, o que acaba por calcificar nas aparências, e não na concretude da vida, a medida exata do nosso juízo sobre as coisas. 

   Vejo aqui uma espécie de preguiça mental ou maquiavelismo que, colados a chavões, buscam infundir valores no mundo, ou esmagar pessoas. 

   Também vejo aqui "iscas morais", que, de maneira tentadora, pretendem colocar as pessoas em um grau mais elevado da existência diante do tédio da vida, enquanto elas não percebem o azol mortal oculto nesta "moral". 

   O tédio, aliás, é o vazio detestado. Mas, antes de tudo, trata-se da ante-câmara da tentação para a qual o purismo nos leva com a sua "expiação fácil", deixando um caminho aberto para a escravidão da nossa alma. 

   A dinâmica da servidão assim se explica: no vazio somos aniquilados pelo nada do qual fomos feitos. Não gostamos de admitir que temos almas impotentes, sem conteúdo, ou sem histórias virtuosas, muitas vezes. 

   É aí que somos apeados pela esmagadora sensação de que não temos o futuro nas mãos, não controlando-o como queríamos, e não sendo tão bons como esperávamos. 

   Mas também é aqui que nos tenta a Serpente: "erits sicut Deus" (sereis como Deus - Gn 3:5), e saímos atrás de atalhos para preencher o nada para o qual nascemos, caindo no engodo e no poder da anti-Natureza. 

   Vã traição contra a Natureza. 

   "Traição, traição ...", é o coro que ecoa entre os anjos nos céus. 

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