sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O que nos Ensina o Reverendo Hoseph Hall? Ou: As Moscas Reunidas Sobre um Cavalo Esfolado


   Geralmente se percebe a bondade de um homem, ou um sentimento superior cultivado, naquele que, além de perceber o que há de mal no mundo, reconhece também aquilo que há de bom nele. Fruto de uma moral refinada, a capacidade de percepção tanto do bom quanto do mal sugere um entendimento com senso das proporções, o que é a base fundamental para o relacionamento entre os homens - e mesmo entre os homens e Deus. 

   Mas ao contrário disso, existe uma desconfiança fundamentada com relação àqueles que, crendo em sua própria pureza, veem no mundo apenas um lugar de trevas; do alto de sua arrogância, muitos dos que dizem lutar pela justiça, vivem, como acusadores contumazes, do apontamento de qualquer deslise alheio. É óbvio que isso sugere, além de uma deformidade moral, uma doença do espírito, pois ainda que tendo olhos abertos para a vilania do mundo, são suficiente cegos para enxergarem onde a bondade brilha nele. Muito da "luta pela justiça" em nosso presente mundo trata-se apenas de um marketing de comportamento dos que não se interessam em ser honestos, mas desejam, antes de tudo, parecerem honestos - ao contrário da mulher de Cézar -, se servindo de seus discursos parcialmente verdadeiros. E bem sabemos do prestígio angariado por aqueles que propagandeiam a própria bondade.

   Ao que parece, o reverendo anglicano Joseph Hall, que exerceu o seu episcopado no século XVII, eram sensível para as fragilidades humanas. Entendendo o mal a que o homem estava inclinado - não sendo, por tanto, um apóstolo da presunção de inocência, mas possuidores de um língua ferina, os quais o mundo sofre como sofre uma colheita diante de uma grande praga de gafanhotos - o reverendo Hall era sensível o bastante para tecer analogias instrutivas sobre a  decadência da natureza humana com base em eventos aparentemente insignificantes. Seguem suas palavras: 

"Como enxemeiam [se agrupam] essas moscas a parte esfolada do pobre animal, lá permanecendo e alimentando-se da pior porção da sua carne, sem sequer tocar nas partes sãs de sua pele. Assim age também a língua maliciosa dos detratores: se um homem tem em sua pessoa ou ações alguma enfermidade, eles certamente se reunirão ali e ali demorarão; enquanto isso, suas partes recomendáveis e seus méritos serão ignorados sem que a eles seja feita nenhuma menção, nenhuma consideração. A justificar essa disposição daninha nos homens estão um amor-próprio invejoso e uma crueldade vil; por hora, é apenas isso o que conquistam: criaturas necessariamente desprezíveis, não se alimentam de nada que não seja corrupção". 

   É instrutivo como Hall vê o "avanço à parte esfolada" por parte das moscas, desconsiderando-se a parte sã. O recorte arbitrário é o que caracteriza o detrator irreconciliável, o encrenqueiro contumaz que manda às favas qualquer vestígio de humanidade naqueles em quem vemos as manchas do erro, tal como se vê por telescópio - e só por eles - as manchas do Sol. Nada mais característico do nosso mundo de indivíduos auto-centrados do que a auto-beatificação em nome da condenação do mundo. O comportamento auto-indungente leva ao desenvolvimento de uma consciência extremamente sensível para os erros que não são os deles; e a extrema violência com relação aos erros dos outros pode até sugerir uma pureza para os mais incautos, mas trata-se certamente de um lenitivo à consciência esmagada pelos própria corrupção. Os berros histéricos em nome da justiça é característico de quem já não suporta os próprios erros, e por isso, se agarrar a um cavalo esfolado tal vez seja a última estratégia de salvação para quem deseja cobrir com um verniz de civilidade a sua tremenda cara-de-pau. 

  Que tenhamos em nosso meio mais "reverendos Hallses". 

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