quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Os Frutos Podres do Novo Egoísmo


   Alguns de nós que não perderam totalmente um sentimento de pavor diante da escalada descendente dos rumos do nosso mundo ficam chocados com a constante barbarização das relações humanas e da degradação evidente dos afetos. Mas poucos se põem a investigar as causas de tão grande barbarização que dominam as relações em nosso querido mundo. E não é meu interesse esgotar aqui o assunto, mas gostaria de refletir um pouco sobre as causas do egoísmo moderno, o que vejo plenamente estabelecido naquele pensamento progressista que afirma que o presente é o ponto mais avançado na história, sugerindo com isso que toda mudança, porque mudança, é boa em si mesma. Sendo um convite para a atomização do indivíduo, essa doutrina é, também, um convite aberto à violência.

Começando no caso das igrejas, tal vez deveríamos nos perguntar se a ideia de uma Igreja fundada em dogmas proclamados de modo infalível não seria algo que permitiria mais estabilidade e mais amizade entre gerações distintas - proporcionando o desenvolvimento de uma verdadeira "comunidade de almas" - do que uma ecclesia reformata et semprer reformanda est. Mal interpretada essa ideia é, na verdade, fora de uma tradição com valore fixos, um convite à revolução permanente no campo doutrinal e, por isso, na mente daqueles submetidos à esfera de ação deste tipo de "ecclesia". Como concordaria Aristóteles, a ideia de que se somente existisse um movimento infinito de reforma sem uma forma eterna fixa padrão a dirigi-la, o bem seria impossível. E podemos saber o porquê de tudo isso analisando um fato óbvio sobre a constituição de uma comunidade de almas, cuja unidade é metafísica. Se me entrego ávidamente à implosão dos padrões e enxergo nisso um "bem-em-si", então, para mim, toda destruição, independentemente das feridas, das divisões, das rixas e das dores será sempre algo criativo. O eu reina e o universo o serve, algo digno de uma molecagem irresponsável.

Se uma reforma é legítima ela deve, como dizia G. K. Chesterton, conservar valores eternos tal como um homem que deve pintar sempre um poste que ele deseja ver permanentemente branco. Na área da moral e das relações humanas, as mudanças abruptas de valores só servem para espalhar a confusão, discórdia e angústias generalizadas, pois os apóstolos bem intencionados da reforma radical são egoístas o bastante para impor seus padrões de pensamento de forma abrupta a uma comunidade gerada no interior de uma determinada tradição. Não negamos uma revolução metafísica, mas entre ela e o egoísmo há uma distância de pequenez infinita - e somente um homem vil ou um Deus poderá realiza-la.

A inflação do eu parte do pressuposto do "ponto mais avançado na história". É o novo egoísmo. Nesse sentido, se tudo já estivesse tão determinado assim, não seria mais necessário aprender, mas somente viver. E é aqui que temos a raiz do desentendimento conflituoso entre pais e filhos, já que sua origem se dá na deturpação e no desencontro de interesses. Esse é o triste fruto da emancipação juvenil que, se crendo na possa plena das luzes, mandam às favas todos os conselhos de experiência afim de obedecerem à voz dos seus próprios corações. Mas como o mundo é apinhado de corações que pensam de forma distinta, não precisamos ser demasiado imaginativos para ver o que seria de um mundo onde cada coração se pusesse a ser o seu próprio órgão legislativo. Temos aqui um universo degradado, fragmentado e egoísta tal como sugerido pela física de Epicuro, onde cada átomo, sem maiores compromissos, persegue apenas o seu clinâmen.

Não por outro motivo, cada indivíduo autocentrado tende a ser egoísta, e não é estranho percebe o porquê da maneira violenta a massa dos jovens modernos desejam se sobrepor a todo custo os seus desejos e o seu "modo de ser" sobre o mundo. A questão passa por uma falsa percepção de emancipação e luta por uma liberdade da qual, sem perceber, eles estão fartos. Mas essa é uma consciência falsa de liberdade porque embasada em um nada de referências. Na longa desqualificação por parte da intelligentsia progressista moderna dos pais e dos mais velhos como intrinsecamente portadores de um pensamento retrógrado, exilando-os para as terras da insignificância, os jovens perderam o pré-requisito fundamental para a liberdade que é a experiência acumulada, já que é somente daí que podemos evocar comparações e, por isso, atingir o verdadeiro conhecimento do que é liberdade. Ao sugerir de maneira implícita que o reino da ignorância é o mais livre os intelectuais formados no seio de uma vasta tradição suprimiram os referenciais nos quais foram formados e aquilo que Edmund Burke chamava de "O Guarda Roupa da Imaginação Moral".

Por fim, o que resulta disso é óbvio: provincianismo de pensamento, a intolerância, egoísmo, a insegurança típica do auto-centrado cuja referência são seus sentimentos imediatos, a irritação constante, o poder de reflexão prolongada debilitado, incapacidade de abstração, o repertório de ação severamente tolhido e a redução da comunidade de interesses. A elevação dos modos do gueto ao nível de cultura é o resultado da provincianização e caipirização do mundo. Toda cultura complexa, possível pela cooperação entre inúmeras gerações foi tachada como elitista, repressora, exclusivista, racista, sem os intelectuais perceberem - ou percebendo até demais, segundo a estratégia leninista de "dividir para dominar" - que a única forma possível de formação da cultura, assim como dos padrões linguísticos é justamente esse - e os padrões linguísticos longe de serem uma artimanha repressora é a ferramenta mais eficaz para a transmissão do conhecimento e do depósito acumulado da alta cultura. Mas o contrário disso, os intelectuais louvam os pseudo-hieroglifos das pichações como manifestações dos modos comuns de comunicação entre as tribos bárbaras do asfalto. É o fim do mundo.

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