quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que ao Pobre Importa; Ou: O Registro de um Estranho Esquecimento

Muito mais do que a escassez natural dos recursos no mundo, é a falta de rigidez moral o que realmente prejudica o pobre. Não é por acaso a opção - de resto inteligente - que muitos dos pobres fazem por igrejas pentecostais de estilo clássico ao invés das igrejas protestantes e evangélicas tradicionais de hoje, e também da Igreja Católica - que desde a Alta Idade Média deixou de lado a austeridade e rigidez platônicas que caracterizaram o modo ascético de vida dos Padres da Igreja e dos anacoretas ao abraçar a prudência quase permissiva apregoada pela prudência da ética aristotélica.
No Brasil isso é um fato cujas esquinas das nossas cidades não me deixa mentir - a começar pela assombrosa distância numérica que separa a membresia das igrejas protestantes e evangélicas clássicas e a I. E. Assembleia da Deus, onde não é tanto o pão físico apregoado nos nossos púlpitos, mas o rígido estilo de vida que não permite que se gaste pão atoa. É lógico, por tanto, que a fixidez moral forma como que um cordão sanitário em torno do fiel, impedindo-o de vivenciar as delícias destrutivas do nosso belo mundo, algo que somente uma moral puritana pode produzir. Mas ao contrário disso, o aburguesamento da vida, e o costume ao conforto levam ao turvamento da razão e que acaba por produzir aquele raciocínio estranho de que uma vida moral plena é, antes, o derivado de uma existência rechonchuda, abarcando indivíduos bem agasalhados, e não o fruto de uma disciplina fundada na austeridade - um raciocínio que quase descredita a máxima de que nem só de pão viverá o homem. Esquecida está a evangelização dos pobres, tal como esquecida está a máxima de que aos filhos o que importa é a presença e o ensino e não um iPad vicário.
Como diziam os antigos, é a ideia que confere forma à matéria, e que é o espírito que deve trazer em seu cabresto as paixões que, deixadas aos seus caprichos, constituem a razão da ruína e da deformidade material do homem. Mas é óbvio que um rebaixamento do rigor moral em nome de uma "existência livre" não é algo que venha muito em auxílio dos pobres - e nem dos ricos -, assim como a ética da licenciosidade sexual e da permissão dos dez casamentos em vida não protegem a vida de ninguém, sendo muito mais terrível para a vida daqueles que, não tendo à mão a abundância material, nada de mais valioso dispõem em vida do que uma existência reconciliada de um lar estável e seguro - não é outra a raiz da prosperidade dos evangélicos e protestantes. Alguns liberais parecem deliberadamente se esquecer - por motivos bem claros -, mas é justamente por isso que a militância contra a moral "fundamentalista" dos conservadores cristãos por parte dos liberais é vista com tanta desconfiança por parte dos cristãos pobres, os quais enxergam, com extrema razão, na moral de ferro dos cristãos puritanos uma tábua de salvação pessoal que paira suspensa e invencível acima da superfície de um mundo que se afoga em um mar de iniquidade autodestrutiva.

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