quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A Grandeza da Filosofia Reformacional de H. Dooyeweerd

   A leitura do filósofo reformado H. Dooyeweerd foi a mais profícua que fiz este ano, mais do que a leitura de "A Era Ecumênica" do Eric Voegelin, que nem por isso deixou de ser notória na intuição básica de que as deformações do pensamento teorético e político tem uma raiz no desespero que, consequentemente, desemboca em uma vontade satânica de domínio sobre a própria realidade.
   Contudo a ideia desenvolvida por Dooyeweerd da "soberania das esferas" é uma coisa de gênio, e, ao meu ver, a única compreensão possível da estrutura da realidade para um cristão.
  Basicamente ele afirma que o pensamento apóstata e desligado da sua raiz espiritual transcendente tende a destacar uma aspecto da realidade e divinizá-lo. O motivo básico do pensamento grego, por exemplo, é fundado no dualismo "matéria e forma", sendo a matéria regida pelo princípio da "Anake" (o destino cego e irracional da matéria) e a forma pela razão teorética ou contemplativa (representada pela religião apolínea da cultura e das formas racionais que domam o caos disforme).
   Por causa desse dualismo a religião grega não consegue afirmar uma raiz espiritual transcendente da totalidade da realidade, como o faz o cristianismo, o que por sua vez desemboca em uma base de motivos irreconciliáveis, tal como pode ser visto nas tragédias gregas, onde o heroísmo trágico não é capaz de sobrepujar a necessidade, sendo esmagado nas mãos da Moira (o destino).
   O cristianismo não parte desse dualismo, mas enxerga uma unidade original na totalidade da criação, já que tudo o que veio a ser veio a ser pela vontade de Deus, incluindo a matéria e a forma. Isso de cara não parece implicar muita coisa, mas os motivos básicos da religião grega, por exemplo, não permitiam enxergar todos os seres humanos como seres humanos, já que aqueles que não participassem da forma racional do estado estavam entregue ao destino disforme e cego da necessidade, o que implicava que aqueles que não estavam ligados à pólis não diferiam dos animais.
   A religião grega, ao destacar um aspecto da realidade e absolutizá-lo fazia com que a humanidade fosse descaracterizada, acabando também como consequência por gerar um estado totalitário. Da mesma forma o romantismo alemão, ao enfatizar o aspecto do sentimento e as forças vitais e dinâmicas da história como reação ao racionalismo abstrato do iluminismo, acabou por absolutizar o aspecto irracional, o histórico e o "destino do povo", de maneira que isso também contribuiu indiretamente para a ascensão de um movimento brutal e vitalista que acabou fundamentando o nacional-socialismo.
   Contudo já não é assim com a visão bíblica da raiz transcendente da criação em Cristo, onde todas as esferas que compõem o todo da realidade são afirmadas em suas características próprias de forma soberana. Tanto a esfera da Igreja, como a do Estado, a da Arte, a Família, a Biologia, a Física, a Matemática, a Simbólica, a Legal são afirmadas em si mesmas, existindo em harmonia umas com as outras e encontrado a sua raiz comum e transcendente como Criação em Cristo.
   Uma das consequências diretas desse pensamento é que uma esfera da realidade não é afirmada em prejuízo da outra e nem um aspecto é destacado e divinizado como o foi a razão para o iluminismo, a alma racional para o pensamento grego, nem o sentimento como o foi para o romantismo, a história para o historicismo, nem a realidade material fenomênica como foi para os positivistas e nem as relações econômicas como foi para os marxistas.
   Todas essas escolas se ajoelham diante de uma abstração ou divinizam de forma idólatra um aspecto da realidade. Para o pensamento cristão isso é impossível, já que Cristo é a raiz transcendente da totalidade dos aspectos da realidade. Isso se traduz em vários mecanismos de defesa e implica várias consequências para a liberdade e consciência humanas. Essa é a grandeza da compreensão da realidade da filosofia cristã de H. Dooyeweerd.

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