quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Calvino e a Lei Natural

   Resta a consideração daquele terceiro elemento quando a conhecer-se a regra de dirigir a vida probamente, a que chamamos, com razão, de conhecimento das obras da justiça, onde a mente humana parece ser algum tanto mais aguda do que nas coisas superiores, pois que testifica o Apóstolo [Rm 2.14-15] que os Gentios, que não tem Lei, quando praticam as obra da Lei, são por Lei para si e mostram a obra da Lei escrita em seu coração, dando-lhes testemunho a própria consciência e entre si acusando-os ou excusando-os os pensamentos diante do julgamento de Deus. Se os Gentios têm a justiça da Lei de natureza gravada na mente, por certo que não os diremos inteiramente cegos na maneira de conduzir a vida. E nada mais é generalizado que ser o homem suficientemente assistido para com a reta norma da vida pela lei natural, de que o Apóstolo aqui fala,
   Consideremos, porém, para que propósito este conhecimento da Lei há sido infundido aos homens. Então, evidenciar-se-á de pronto até onde conduzi-los-á à meta da razão e da verdade. Isto, se alguém lhes observa a sequência, faz-se claro também das palavras de Paulo. Havia ele dito pouco antes que aqueles que sob a Lei pecaram, segundo a Lei são julgados, os que sem lei pecaram, sem a Lei perecem, Porquanto isto poderia ser absurdo, que os Gentios pereçam sem qualquer julgamento prévio, acrescenta imediatamente que sua consciência está no lugar da Lei e, por isso, lhes é suficientemente justa para a condenação.
   Portanto, a finalidade da lei natural é tornar o homem inexcusável. Nem será ela mal definida desta maneira: que seja a apreensão da consciência a suficientemente discernir entre o justo e o injusto, de sorte a alijar aos homens o pretexto de ignorância, enquanto são incriminados pelo seu próprio testemunho. Esta é a auto-indulgência do homem: que, em perpetrando o mal, até onde é permissível, sempre de bom grado aparte a mente do senso de pecado. Razão pela qual, Platão, no PROTÁGORAS, parece haver parece haver sido impelido a pensar que se não peca senão por ignorância. Isto, sem dúvida, teria sido por ele dito com propriedade, se a hipocrisia humana tanto avultasse em encobrir os vícios que a mente não se fizesse cônscia de sua culpabilidade diante de Deus. Como, porém, esquivando-se o pecados ao julgamento do bem e do mal em si impresso, é para com ele constantemente recambiado, nem se lhe permite sequer assim cerrar as pálpebras que não seja obrigado, queira ou não, a abrir por vezes os olhos, diz-se falsamente que ele peca pela só ignorância.
CALVINO - Institutas. Tomo II. II.22

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