quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O Concílio de Trento e a sua Conceituação Perturbada de Concupiscência

    Trento, em sua posição adversa à Reforma, estabeleceu como de fide tanto que a justificação é retificação, como que a concupiscência, ou a desordem interior dos afetos, não poderiam ser chamados propriamente pecado. Essa posição forneceu um estrago permanente na teologia papista em pelo menos três frentes: 1) Obscureceu a noção referente à majestade de Deus; 2) Destruiu uma reta conceituação de justiça para a fé como justiça teológica ou religiosa; 3) Eclipsou a verdadeira situação do homem frente à majestade divina - já que até mesmo a noção teológica de pecado só pode ser reconhecida aqui à luz da revelação e não à luz de uma noção de "justiça civil" pela qual pecado, em sentido estrito, só é reconhecido à luz do ato, e não da corrupção (concupiscência) interior do homem.

    É assim que foi afirmado esse estrago permanente na sessão V.5 do Concílio:

"792. 5) Se alguém negar que pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, conferida no Batismo, é perdoado o reato do pecado original. Ou se afirmar que não é tirado tudo o que tem verdadeira e própria razão de pecado, mas disser que este é tão somente riscado ou não imputado (sed illud dicit tantum radi aut non imputari) – seja excomungado. Pois Deus nada odeia nos regenerados, visto nada haver de condenação nos que foram verdadeiramente sepultados com Cristo pelo batismo para a morte (Rom 6, 4), os quais não andam segundo a carne (Rom 8, 1), mas despojando-se do homem velho, e revestindo-se do novo que foi criado segundo Deus (Ef 4, 22 ss; Col 3, 9 s), se tornaram sem mancha, imaculados, puros, inocentes, filhos amados de Deus e herdeiros de Deus (Rom 8, 17), de maneira que nada os impede de entrarem logo no céu. Que fique, porém, nos batizados a concupiscência ou o "estopim", [fomes], isto o santo Concílio confessa e sente; mas tendo sido isto deixado para a luta, não pode prejudicar aos que não consentem e lutam varonilmente [auxiliados] pela graça de Jesus Cristo. Mas, pelo contrário, só será coroado quem legitimamente combater (2 Tim 2, 5). O santo Concílio declara que a Igreja Católica jamais entendeu que esta concupiscência – pelo Apóstolo denominada pecado (Rom 6, 12 ss) – se chame "pecado" por ser verdadeira e propriamente pecado nos renascidos, mas por se originar do pecado e nos inclinar ao pecado. Se alguém entender o contrário, seja excomungado.

    Percebam que pela atenuação do peso teológico negativo da concupiscência do homem em relação a Deus uma via importante se abre para a teologia papisa, que é a via da justificação pelas obras, já que as obras praticadas pelos regenerados conseguem o selo da aprovação como sendo suficientes (não plenamente perfeitas), mesmo que os regenerados não tenham propriamente as suas almas elevadas ao nível de uma justiça absoluta (no sentido de ser a justiça que convém ao homem perfeito e completamente quitado daquelas defecções que permanecem no homem regenerado).

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